Introdução
Ao longo da história, observa-se um ciclo
recorrente em que grandes nações e impérios emergem, atingem seu apogeu e
eventualmente declinam. Essa dinâmica intriga historiadores e pensadores há
séculos. Do ponto de vista da teologia bíblica, esse padrão não é
meramente obra do acaso ou apenas fruto de decisões humanas, mas faz parte de
um panorama maior sob a soberania divina (Education — Ellen G. White Writings). A Bíblia
sugere que Deus intervém na história das nações, estabelecendo limites e tempos
para cada povo com um propósito específico (Education — Ellen G. White Writings). Por outro
lado, a história comparada mostra exemplos concretos de impérios
poderosos — Egito, Babilônia, Roma, entre outros — que seguiram esse roteiro de
ascensão e queda.
Este artigo pretende articular uma compreensão
integrada desse fenômeno, unindo fundamentos teológicos e evidências
históricas. Abordaremos: (1) a fundamentação teológica do ciclo de surgimento e
queda das nações conforme as Escrituras; (2) exemplos históricos de impérios
cuja trajetória exemplifica esse ciclo; (3) o plano de Deus para Israel,
delineando um modelo de estabilidade em contraste com os governos meramente
humanos; e (4) a conclusão escatológica apontando para a promessa bíblica de um
Reino eterno e inabalável. Com base em autores renomados — de teólogos cristãos
como Agostinho e Francis Schaeffer a estudiosos da história como Arnold
Toynbee — e em fontes teológicas adventistas (por exemplo, Ellen G.
White), busca-se fornecer uma análise profunda, apta para publicação
acadêmica, sobre por que impérios sobem e caem e qual é a “antítese” divina a
esse ciclo histórico.
Fundamentação Teológica nas Escrituras
A Bíblia apresenta uma “filosofia da
história” na qual Deus exerce soberania sobre o destino das nações. Na
perspectiva bíblica, ainda que “nos anais da história humana o crescimento
das nações e o surgimento e queda dos impérios” pareça depender da proeza e
ambição humanas, na realidade “a Palavra de Deus levanta o véu” para
revelar que, “por trás... de todo o jogo dos interesses e paixões humanas,”
estão “agências do Todo-misericordioso, trabalhando silenciosa e
pacientemente nos desígnios da Sua vontade” (Education — Ellen G. White Writings). Em outras
palavras, Deus está dirigindo os acontecimentos de modo soberano, ainda que de
forma invisível, para cumprir Seus propósitos na história.
Diversas passagens bíblicas explicitam esse
princípio. O apóstolo Paulo, discursando em Atenas, afirmou que Deus “de um
só fez todos os povos... tendo determinado os tempos previamente estabelecidos
e os limites de sua habitação” para que O buscassem (Atos 17:26-27) (Education — Ellen G. White Writings). Ou seja, as
épocas de ascendência e declínio de cada nação estão dentro do plano divino. O
profeta Daniel proclamou que Deus “remove reis e estabelece reis”
(Daniel 2:21) (Education — Ellen G. White Writings), enfatizando
que o poder político está subordinado à vontade divina. De fato, conforme Ellen
G. White comenta, “o poder exercido por cada governante na terra é concedido
do Céu”, e cada governante será bem-sucedido ou não conforme use esse poder
em harmonia com os princípios de Deus (Education — Ellen G. White Writings).
Um desses princípios fundamentais é de ordem moral
e espiritual: “A justiça exalta a nação, mas o pecado é o opróbrio dos
povos” (Provérbios 14:34). A Escritura indica que a retidão e a
misericórdia são o que de fato consolidam um reino (cf. Provérbios 16:12;
20:28) (Education — Ellen G. White Writings). Quando
essas virtudes são abandonadas, a decadência se inicia. A história secular
confirma que muitas potências ruíram por corrupção interna e decadência moral,
mais do que por ameaças externas. O historiador Arnold J. Toynbee
observou, de forma incisiva, que “as civilizações morrem por suicídio, não
por assassinato” (TOP 25 QUOTES BY ARNOLD J. TOYNBEE (of 53) | A-Z Quotes),
ou seja, geralmente é a erosão interna – perda de valores, degradação social –
que precipita a queda. Essa visão secular complementa a lição bíblica de que a
força das nações não reside meramente em exércitos ou riquezas, mas na
fidelidade com que cumprem os propósitos de Deus (Education — Ellen G. White Writings).
Do ponto de vista teológico, Deus concede a
cada nação um período de prova. Ellen White escreve que “cada nação... ocupa
seu lugar na terra para que se veja se cumprirá o propósito do ‘Vigilante e
Santo’” (Education — Ellen G. White Writings). Os impérios
da antiguidade ilustram isso: “Cada um teve seu período de prova; cada um
falhou; sua glória desvaneceu; seu poder passou; e seu lugar foi ocupado por
outro” (Education — Ellen G. White Writings). Enquanto
rejeitavam os princípios de Deus, essas nações “traziam ruína sobre
si mesmas”, cumprindo um ciclo quase inevitável de auto-destruição moral (Education — Ellen G. White Writings). Contudo,
“por detrás” dessas sucessões, a fé bíblica discerne “o propósito divino e
predominante” ainda operando (Education — Ellen G. White Writings) – Deus
permite que impérios surjam e caiam, mas controla em última instância o fio
condutor da história rumo a Seu propósito final.
Teólogos ao longo dos séculos também
refletiram sobre esse governo divino da história. Agostinho de Hipona,
escrevendo em A Cidade de Deus no contexto da queda de Roma (século V
d.C.), argumentou que o destino dos impérios terrenos é transitório em
contraste com o Reino eterno de Deus. Ele consolou seus contemporâneos dizendo
que Deus não estava derrotado pela queda de Roma; ao contrário, Deus utiliza
tanto a ascensão quanto a queda das nações para avançar Seus próprios desígnios
– a Cidade de Deus (God Works in the Rise and Fall of Nations - First
Presbyterian Church). Em essência, Agostinho ensinou que nenhuma
nação ou império em si ocupa o centro do interesse divino; o que Deus visa é o
bem último de Seu Reino e a reunião de um povo de todas as nações sob Seu
senhorio (God Works in the Rise and Fall of Nations - First
Presbyterian Church). Assim, mesmo ruínas de impérios podem servir
aos propósitos redentores de Deus na história, como se viu quando os chamados
“bárbaros” que conquistaram Roma posteriormente abraçaram a fé cristã (God Works in the Rise and Fall of Nations - First
Presbyterian Church).
De
fato, a organização da humanidade em nações
autossuficientes, soberanas e muitas vezes beligerantes não reflete o
ideal original de Deus, mas sim uma consequência
do egoísmo humano, especialmente após a queda.
Deus
pretendia uma civilização global,
unida pela adoração e pelo amor mútuo, administrando a criação com justiça. “E
criou Deus o homem... e lhes disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a
terra e sujeitai-a” (Gn 1:27-28).
Em
Gênesis 11, a torre de Babel marca o momento em que a humanidade, rejeitando a
orientação divina, procura construir seu
próprio projeto de unidade à parte de Deus — um símbolo de
autossuficiência e centralização do poder: “Venham, vamos construir para
nós uma cidade e uma torre cujo topo alcance os céus, e façamos para nós um
nome…” (Gn 11:4). A confusão das línguas e a dispersão geográfica foram medidas restritivas de Deus, não Seu
ideal, mas um freio temporário ao egoísmo
concentrado.
Deus
não criou o conceito de nação como
instrumento de dominação e autodefesa. As nações surgem num mundo
caído, como consequência da perda da unidade e do amor. A competição, o medo e
o desejo de poder moldaram as fronteiras. “Deus não planejou que os homens
fossem separados por barreiras nacionais... Essas divisões são resultado do
pecado, e a obra do evangelho é removê-las.” (Atos dos Apóstolos, p. 341). Portanto, Deus permite sistemas
políticos imperfeitos porque respeita a
liberdade humana — um dos pilares de Seu governo.
Resumindo a fundamentação teológica: as
Escrituras traçam um padrão moral e espiritual para o destino das
nações. Quando um povo honra a justiça, a verdade e busca a Deus, encontra
estabilidade; quando envereda pelo caminho da injustiça e arrogância, cedo ou
tarde colhe declínio. Deus, como Senhor da história, em última instância
guia esse processo, levantando e abatendo reinos conforme Seus desígnios
superiores. Entender que “a força das nações... é medida pela fidelidade com
que cumprem o propósito de Deus” (Education — Ellen G. White Writings) é, segundo
Ellen White, compreender verdadeiramente a lição filosófica que a história
mundial ensina à luz da revelação bíblica.
Exemplos Históricos de Impérios: Surgimento,
Apogeu e Queda
Diversos impérios ao longo da história
ilustram o ciclo de ascensão, auge e queda descrito acima. A seguir, examinamos
alguns casos marcantes – Egito, Babilônia e Roma – analisando sua
trajetória e como eles se encaixam nesse padrão. Esses exemplos não apenas
confirmam insights da teologia bíblica sobre a transitoriedade do poder humano,
mas também demonstram lições morais similares, conforme apontado por
historiadores e teólogos.
Egito: da Grandeza Antiga à Decadência
O Império Egípcio foi uma das primeiras
grandes civilizações, alcançando proeminência muito antes de Babilônia e Roma.
No período do Êxodo bíblico (cerca de 1500 a.C.), o Egito já era sinônimo de
poder e glória. Faraós governavam com autoridade quase divina, e sua sociedade
possuía riqueza e conhecimento avançados. No entanto, mesmo o Egito não escapou
ao ciclo de declínio. Por volta do século VI a.C., o Egito já havia sido
subjugado por potências estrangeiras (primeiro pelos assírios, depois pelos
babilônios e persas). O profeta Ezequiel, no século VI a.C., profetizou que o
Egito se tornaria “o mais humilde dos reinos” e “nunca mais se
exaltaria sobre as nações”, sendo diminuído a ponto de não mais dominar
outros povos (Ezekiel 29:15 - KJV - It shall be the basest of the...).
A história confirma o cumprimento dessa profecia: depois de sua era clássica, o
Egito nunca mais voltou a ser uma superpotência mundial. Embora tenha
permanecido habitado e com governantes locais em certos períodos, ficou
frequentemente sob domínio de impérios estrangeiros (persas, greco-macedônios,
romanos, árabes, turcos otomanos, etc.). Como comenta Matthew Henry, “a
história mostra o completo cumprimento desta profecia”, pois o Egito foi
reduzido a um reino secundário, sem a antiga riqueza e poder (Ezekiel 29:15 - KJV - It shall be the basest of the...).
A queda do Egito antigo ilustra que nem mesmo uma civilização milenar, com
monumentos colossais e forte estrutura estatal, é invulnerável à decadência –
especialmente quando sua soberba e práticas opressivas atraem juízo, conforme o
relato bíblico sugere (Êxodo 3:7-10, Ezequiel 29:15).
Babilônia: o Esplendor que se Desfez
A Babilônia emergiu como potência
dominante no Oriente Médio no século VII a.C., subjugando inclusive o próprio
Egito na batalha de Carquemis (605 a.C.). Sob o reinado de Nabucodonosor II,
Babilônia atingiu seu apogeu: a cidade da Babilônia era famosa por suas muralhas
maciças e pelos Jardins Suspensos, e Nabucodonosor é retratado em Daniel
4 caminhando sobre seu palácio e vangloriando-se: “Não é esta a grande
Babilônia que eu edifiquei... pela minha força e para glória da minha
majestade?”. Contudo, a Bíblia relata que foi justamente essa arrogância
que precipitou sua queda momentânea – Nabucodonosor foi humilhado por Deus,
vivendo como um animal até reconhecer que “o Altíssimo tem domínio sobre os
reinos dos homens e os dá a quem quer” (Daniel 4:32). Depois dele, o reino
babilônico durou pouco: seu sucessor Belsazar viu a escrita misteriosa na
parede durante um festim (“Mene, Mene, Tequel, Parsin”), e naquela mesma
noite Babilônia caiu nas mãos do Império Persa de Ciro (539 a.C.), conforme
descrito em Daniel 5.
Os profetas Isaías e Jeremias haviam predito a
ruína completa de Babilônia, retratando-a como objeto do juízo divino: “Babilônia,
a glória dos reinos... será como Sodoma e Gomorra quando Deus as destruiu”
(Isaías 13:19) (Education — Ellen G. White Writings). Ellen White
resume: “A profecia traçou a ascensão e queda dos grandes impérios mundiais
— Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma”, e no caso de cada um “a
história repetiu-se. Cada qual teve seu período de prova, cada qual falhou, sua
glória desvaneceu, seu poder se foi, e seu lugar foi ocupado por outro” (Education — Ellen G. White Writings). Babilônia,
após sua conquista pelos persas, jamais reconquistou independência; a cidade
entrou em declínio e acabou por se tornar um monte de ruínas, cumprindo
literalmente as predições bíblicas de desolação (Education — Ellen G. White Writings). Hoje, os
remanescentes arqueológicos da Babilônia perto de Hillah, no Iraque, atestam a
veracidade histórica de sua queda. A lição moral da Babilônia ecoa clara:
apesar de todo o esplendor e poder militar, a falta de justiça (Babilônia era
conhecida por sua opulência e por sua idolatria e opressão, Habacuque 2:12) e a
desobediência a Deus levaram à sua derrota. Na visão bíblica, Babilônia foi
“pesada na balança e achada em falta” (Dn 5:27), exemplificando o destino de
qualquer nação que abandona princípios de retidão.
Roma: Ascensão Gloriosa e Queda Gradual
O Império Romano talvez seja o exemplo
mais emblemático de um poder que ascendeu à hegemonia global e depois declinou.
Fundado (tradicionalmente) em 753 a.C. como uma pequena cidade-Estado, Roma
expandiu-se primeiro dentro da península Itálica, depois por todo o Mediterrâneo
e Europa, alcançando seu auge territorial por volta do século II d.C. Durante
os séculos de Pax Romana, muitos acreditavam que Roma era invencível e eterna
(a própria cidade era chamada “Roma Aeterna”). No entanto, a partir do
século III d.C., sinais de enfraquecimento apareceram: crises políticas
internas, corrupção, declínio dos valores cívicos, pressão econômica e invasões
bárbaras. Em 410 d.C., Roma foi saqueada pelos visigodos, um choque para o mundo
romano. Em 476 d.C., o último imperador do Ocidente foi deposto, marcando
convencionalmente a queda do Império Romano do Ocidente. A parte oriental
(Império Bizantino) perdurou até 1453, mas também acabou sucumbindo.
Historiadores atribuem a queda de Roma a um
complexo de fatores, incluindo declínio moral interno. Edward Gibbon, no
século XVIII, notoriamente destacou em Declínio e Queda do Império Romano
a erosão da virtude cívica e a influência de novas religiões (ele via o
Cristianismo como fator de mudança de foco do temporal para o espiritual). Por
outro lado, pensadores cristãos veem a fé como tendo fornecido justamente o
novo alicerce para uma civilização em colapso. Francis Schaeffer, em sua
análise da cultura ocidental, observou que a sociedade romana possuía grande
poderio militar e técnico, mas “nenhuma resposta real para os problemas
básicos que toda a humanidade enfrenta” (How Should We Then and Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue
Book Diaries). Roma construíra sua coesão em deuses pagãos e na
força bruta, uma base insuficiente para sustentar a ordem a longo prazo. Quando
a crise veio, a falta de absolutos morais e espirituais deixou um vácuo.
Schaeffer aponta que os romanos, em busca de segurança, acabaram aceitando
governos autoritários (os Césares, que se declaravam divinos) às custas da
liberdade (How Should We Then and Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue
Book Diaries). A sociedade mergulhou em hedonismo e apatia, a
economia se enfraqueceu com gastos excessivos e inflação, e “à medida que
menos pessoas se inclinavam a trabalhar, o Estado assumiu mais e mais, e mais
liberdades foram perdidas” (How Should We Then and Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue
Book Diaries). Em suma, Roma enfraqueceu-se por dentro antes de
sucumbir por ataques de fora – confirmando a máxima de Toynbee de que o colapso
costuma ser suicida, não homicida.
Entretanto, em meio à decadência romana,
surgiu um contraste: a comunidade cristã primitiva. Schaeffer ressalta que os
cristãos dos primeiros séculos “não estavam presos ao fluxo relativista do
mundo romano... tinham um alicerce forte para viver juntos”, crendo em um
Deus único e absoluto e no valor sagrado da pessoa humana (How Should We Then and Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue
Book Diaries). Esses valores lhes permitiram resistir aos fatores
que levaram à queda de Roma (How Should We Then and Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue
Book Diaries). Ironicamente, enquanto o império ruía, a fé cristã
ganhava força entre os povos, incluindo os invasores germânicos, plantando as
sementes de uma nova ordem (a Europa cristã medieval). Aqui novamente vemos o
tema bíblico: Deus derruba um império, mas faz brotar um novo povo para
realizar Seus propósitos. Agostinho, testemunha ocular do fim de uma
era, interpretou assim esses eventos: Deus não estava preocupado em preservar a
glória de Roma, mas em expandir Sua Cidade Celestial. Roma caiu, mas o Reino
de Deus avançou, incorporando até mesmo aqueles que a conquistaram (God Works in the Rise and Fall of Nations - First
Presbyterian Church).
Em resumo, Egito, Babilônia e Roma — cada qual
em seu contexto — seguiram o paradigma de surgimento, apogeu e declínio. Todos
atingiram grande glória sob liderança humana e todos eventualmente enfrentaram
fracassos decisivos. Os detalhes variam: o Egito foi corroído e dominado por
sucessivas potências, Babilônia foi derrubada repentinamente no auge da
arrogância, Roma implodiu gradualmente ao longo de séculos. Mas subjacente a
todos está o fio condutor identificado tanto pela revelação bíblica
quanto pela reflexão histórica: a injustiça, o orgulho desmedido e o
esquecimento de valores transcendentais preparam a ruína; já a justiça, a
humildade e a fidelidade a princípios divinos são o único fundamento seguro
para a verdadeira prosperidade nacional (Education — Ellen G. White Writings) (Education — Ellen G. White Writings).
O Plano Divino de Estabilidade para Israel: A
Antítese aos Reinos Humanos
A formação de Israel como nação no
Egito não foi um acidente histórico, mas um ato deliberado dentro do plano
providencial de Deus. Ao prometer a Abraão que sua descendência seria peregrina
e oprimida por quatrocentos anos, Deus revelou desde cedo que a escravidão no
Egito faria parte do processo de amadurecimento do povo da aliança (Gênesis
15:13-16).
O Egito funcionou como um espaço
estratégico para o crescimento do proto-Israel: geograficamente protegido,
socialmente segregado (cf. Gênesis 46:34) e economicamente fértil. Como Ellen
G. White destaca, Deus conduziu os patriarcas ao Egito para preservar sua
identidade e assegurar o cumprimento das promessas: 'Para preservar a vida de
Seu povo e preparar o caminho para o cumprimento de Seu propósito, Deus levou
os filhos de Israel ao Egito' (White, Patriarcas e Profetas, p. 230).
Além disso, a experiência egípcia
proporcionou uma pedagogia moral e espiritual. O sofrimento sob a tirania de
Faraó serviu para desiludir Israel quanto aos governos humanos e incutir um
anseio profundo pelo reinado divino. O clamor dos israelitas (Êxodo 2:23-25)
catalisou a revelação de Deus como libertador e juiz, revelando o caráter
redentor do seu governo.
A libertação do Egito é um evento
central para a identidade israelita. Como observa John Bright, 'nenhum evento
moldou mais profundamente a fé de Israel do que o Êxodo; foi ali que Israel
encontrou seu Deus como libertador e fez-se povo' (Bright, 2003, p. 120).
Esse contexto serviu ainda como
plataforma para a manifestação do poder divino às nações (Êxodo 7:5; 9:16), o
julgamento dos deuses egípcios (Êxodo 12:12) e o estabelecimento do nome de
Yahweh como o verdadeiro soberano. A formação institucional de Israel (tribos,
juízes, sacerdócio) ocorreu nesse mesmo processo.
Teologicamente, a experiência no
Egito tipifica o plano de salvação: o cativeiro como imagem do pecado, o êxodo
como redenção, o deserto como santificação e a terra prometida como
glorificação. Nesse sentido, como escreve Ellen White, 'a história do Êxodo é o
evangelho em figura' (White, O Desejado de Todas as Nações, p. 289).
A presença de Israel no Egito,
portanto, não representa uma exceção ao padrão bíblico da providência, mas uma
expressão sofisticada dele. Deus não apenas permitiu que Israel se formasse na
fornalha do Egito (cf. Deuteronômio 4:20), mas transformou a opressão em
oportunidade redentora, estabelecendo os fundamentos para a futura teocracia e
apontando para a obra messiânica.
Contrastando com os impérios gentílicos, a
Bíblia apresenta a nação de Israel como um caso singular na história –
uma nação cujo propósito era ser modelo de estabilidade e justiça sob o
governo direto de Deus. Enquanto os reinos humanos tradicionais se erguiam
baseados no poder militar, na ambição política e frequentemente na idolatria,
Israel foi chamado para uma forma de governo teocrática, onde Deus seria
reconhecido como Rei supremo (cf. 1 Samuel 8:7). A intenção divina era que
Israel não seguisse "o caminho das outras nações" (1 Samuel 8:5,20),
mas fosse uma "antítese" demonstrativa: uma sociedade guiada
pela lei de Deus, desfrutando de bênçãos e estabilidade como testemunho vivo
aos demais povos (Deuteronômio 4:6-8).
Os fundamentos desse plano estão delineados na
Torá. Deus entregou a Israel uma lei abrangente (moral, civil e
cerimonial) visando o bem-estar coletivo e a justiça. Conforme já mencionado, “Deus
revelou em Sua lei os princípios que estão na base de toda prosperidade
verdadeira, tanto das nações quanto dos indivíduos” (Education — Ellen G. White Writings). Moisés
afirmou aos israelitas que obedecer aos mandamentos seria sua “sabedoria” e
“vida” (Dt 4:6; 32:47) (Education — Ellen G. White Writings), e que
outras nações ao verem essas leis justas exclamariam: “Só este grande povo é
gente sábia e inteligente” (Dt 4:6). Assim, se Israel seguisse fielmente a
aliança com Deus, seria “cabeça e não cauda”, “elevado muito acima de todas
as nações” (Dt 28:1,13). A longevidade e prosperidade na Terra Prometida
estavam condicionadas à fidelidade (Dt 28:1-14). Em suma, Deus ofereceu a
Israel um plano de estabilidade permanente, diferente dos ciclos de
instabilidade dos regimes meramente humanos: esse plano baseava-se em
princípios de retidão, misericórdia, adoração exclusiva a Deus e preocupação
com os vulneráveis (vide as leis sobre o ano sabático, o jubileu, o cuidado com
órfãos e viúvas, etc., em Levítico 25 e Deuteronômio 15).
Na época dos Juízes, Israel funcionou
como uma teocracia pura: Deus levantava juízes temporários para libertar o
povo, mas era reconhecido como o verdadeiro Rei. Somente no século XI a.C.
Israel insistiu em ter um rei humano “como as demais nações” (1 Samuel 8:5). O
profeta Samuel advertiu que isso traria problemas — os reis poderiam
abusar do poder e levar o povo à ruína (1 Sm 8:11-18). Deus disse a Samuel que
aquele pedido representava a rejeição a Ele próprio como Rei (1 Sm 8:7). Ainda
assim, Deus permitiu a monarquia, estabelecendo, porém, parâmetros para o rei
(Deuteronômio 17:14-20) e escolhendo Ele mesmo os primeiros reis. Saul,
o primeiro, fracassou em obedecer a Deus e foi rejeitado. Davi, o
segundo, apesar de suas falhas pessoais, foi um homem segundo o coração de Deus
e unificou o reino em bases mais firmes. Deus fez um pacto com Davi prometendo
que sua dinastia poderia durar para sempre (2 Samuel 7:16), condicionada
à fidelidade (1 Reis 2:4). Em certo sentido, “o trono de Davi era o trono do
Senhor” no meio de Israel ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White.
Appendix. Note 8.). De fato, quando Salomão assentou-se como rei,
diz a Escritura: “Salomão assentou-se no trono do Senhor, no lugar de Davi,
seu pai” (1 Crônicas 29:23) ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White.
Appendix. Note 8.). Essa frase indica que o rei de Israel deveria
governar como representante de Deus, diferentemente dos governantes das nações
pagãs que usurpavam glória para si.
O plano divino para Israel, portanto, era
prover um governo estável, justo e próspero sob os valores do Reino de
Deus. A lei mosaica, se obedecida, asseguraria justiça social, moderação do
poder do governante, distribuição equitativa de bens (ex.: retorno de
propriedades no jubileu), e centralidade do culto ao Deus verdadeiro – todos
fatores que previnem os tipos de abusos e corrupções que derrubam impérios.
Ellen White destaca que as bênçãos asseguradas a Israel sob obediência
seriam outorgadas “nas mesmas condições” a “toda nação” (Education — Ellen G. White Writings). Em outras
palavras, Israel servia de paradigma: qualquer nação que adotasse os princípios
divinos de justiça e verdade poderia, em teoria, desfrutar de semelhante
estabilidade. Israel foi chamado a ser “luz para as nações” (Isaías
49:6), demonstrando os frutos de ter Deus como Rei.
Na prática, infelizmente, a história de Israel
mostra que, quando o povo seguia o plano de Deus, gozava de paz e prosperidade,
mas quando se desviava, sofria crises e derrotas semelhantes às nações
vizinhas. Durante o reinado de Davi e o início do reinado de Salomão, Israel
experimentou um período de grande estabilidade, expansão territorial e
esplendor econômico – um vislumbre do que poderia ter sido o modelo de nação
debaixo de Deus. Porém, Salomão mais tarde se desviou (com idolatria e
opressão laboral), e após sua morte o reino se dividiu (Israel ao norte e Judá
ao sul). Os livros bíblicos dos Reis e Crônicas documentam como a maioria dos
reis seguintes “fez o que era mau aos olhos do Senhor”, levando a nação
de volta aos ciclos de corrupção e enfraquecimento. Assim, tanto Israel (Norte)
quanto Judá (Sul) acabaram por ser conquistados e exilados (pelos assírios em
722 a.C. e pelos babilônios em 586 a.C., respectivamente) — um destino semelhante
ao das nações gentias, mas que, segundo os profetas, ocorreu como disciplina
divina pela violação da aliança (2 Reis 17:7-20, 2 Crônicas 36:15-20).
A razão lógica por trás da queda
moral, política e espiritual de Israel
— documentada nos livros de Reis e Crônicas — está profundamente ligada ao fato
de que Deus é a verdade última e
que se afastar d’Ele é inevitavelmente cair
na falsidade, injustiça e instabilidade.
A
Escritura afirma: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14:6); “Tua
palavra é a verdade” (Jo 17:17); “O Senhor é o Deus da verdade”
(Sl 31:5). Isso significa que Deus é a
medida de toda realidade, justiça, sabedoria e moralidade.
Desconectado d’Ele, o ser humano inevitavelmente se volta para a mentira, o
erro e a autodestruição. Portanto, A verdade sustenta a estabilidade. “Pela
misericórdia e pela verdade se expia a culpa; e pelo temor do Senhor os homens
se desviam do mal” (Pv 16:6); “A fidelidade sustenta o trono” (Pv
20:28), ou seja, a verdade é o fundamento
da justiça, e a justiça é o fundamento
da estabilidade política (cf. Is 9:7; Sl 89:14). Logo, quando os reis
de Israel abandonaram a verdade de Deus, caíram no erro do mundo. Cada
desvio da verdade revelada conduziu à injustiça sistêmica e à ruína nacional
— exatamente o mesmo padrão observado nas nações pagãs.
Ainda assim, é significativo que, mesmo após
essas quedas, os profetas anunciavam esperança de restauração se o povo se
arrependesse, apontando para a fidelidade contínua de Deus ao Seu plano
original. Ou seja, o projeto teocrático não falhou por deficiência de
Deus, mas pela infidelidade humana. Na teologia bíblica, Israel permanece como
exemplo tanto do ideal de uma nação sob Deus quanto das consequências
de abandoná-Lo. A antítese fica clara: Deus oferecera um caminho de
estabilidade permanente, mas os governos humanos (mesmo em Israel, quando agiam
como “meros humanos”) tenderam aos mesmos erros de orgulho e injustiça dos
gentios, colhendo igualmente a ruína.
Contudo, o plano divino para um reino ideal
não foi cancelado — apenas postergado e transformado em algo ainda maior,
conforme veremos a seguir. A aliança davídica prometera um reino eterno
da linhagem de Davi (2Sm 7:16), e os profetas começaram a apontar que Israel
finalmente cumpriria sua vocação não por meio de reis humanos falíveis, mas
através de um Rei perfeito enviado por Deus. Surge então a expectativa
messiânica de um Reino divino definitivo.
O Reino Eterno Prometido: Perspectiva
Escatológica
As reflexões anteriores convergem para uma
questão final: se todos os reinos humanos, inclusive Israel quando governado à
maneira humana, falharam em alcançar estabilidade duradoura, qual é a solução
definitiva? A resposta da teologia bíblica é escatológica: a
promessa de Deus de estabelecer um Reino eterno, justo e inabalável, que
romperá o ciclo de surgimento e queda. Esse Reino futuro é anunciado nos profetas
do Antigo Testamento e reafirmado no Novo Testamento, especialmente
na mensagem de Jesus e no livro do Apocalipse.
Um dos textos proféticos mais emblemáticos
sobre isso é a visão do rei Nabucodonosor interpretada por Daniel (Daniel 2).
Nela, uma grande estátua com cabeças e membros de diferentes materiais
representa uma sequência de impérios (identificados pela maioria dos
intérpretes como Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma). Finalmente, “uma
pedra... sem auxílio de mãos” desce do céu, despedaça a estátua e torna-se
uma montanha que enche toda a terra – símbolo de um reino estabelecido por
Deus. Daniel explica ao rei: “nos dias desses reis, o Deus do céu suscitará
um reino que não será jamais destruído... mas esmiuçará e consumirá todos esses
reinos, e será estabelecido para sempre” (Dn 2:44). Trata-se da primeira
anunciação clara de um Reino eterno de Deus que substituiria em
definitivo todos os reinos temporais. Importante notar que esse Reino não é
apenas eterno em duração, mas de natureza totalmente distinta – não fundado na
conquista humana, mas no ato soberano de Deus.
Os profetas messiânicos expandiram essa
esperança. Isaías profetizou o nascimento de um descendente de Davi chamado Emanuel,
cujo governo traria paz sem fim: “do aumento do Seu governo e da paz não
haverá fim, sobre o trono de Davi... para o estabelecer e o firmar com justiça
e retidão, desde agora e para sempre” (Isaías 9:6-7). Outros profetas
(Jeremias 23:5, Ezequiel 37:24-25, Zacarias 9:9-10) falaram de um rei vindouro,
justo e salvador, que restauraria o reino de Deus. Crucialmente, o profeta
Ezequiel, após registrar a queda da dinastia davídica no exílio, trouxe a
palavra de Deus: “Remove o diadema, tira a coroa... Tudo isso será
transformado. [...] Eu o derrubarei, derrubarei, derrubarei. Isso não mais
existirá, até que venha aquele a quem pertence de direito; a ele Eu o darei”
(Ez 21:26-27). Ellen White interpreta essa profecia de Ezequiel como o fim do
reino terreno de Israel (derrubado sucessivamente por Babilônia, Pérsia, Grécia
e Roma) até a chegada do herdeiro legítimo – o Messias ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White. Appendix. Note 8.) ( The Story of Patriarchs
and Prophets, by Ellen G. White. Appendix. Note
8.).
No Novo Testamento, essa expectativa
escatológica converge em Jesus Cristo. O anjo ao anunciar o nascimento de Jesus
a Maria declarou: “O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele
reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reino não terá fim”
(Lucas 1:32-33) ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White.
Appendix. Note 8.). Jesus iniciou Seu ministério proclamando: “O
tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo” (Marcos 1:15). Embora
Jesus não tenha restaurado um reino político durante Sua primeira vinda (João
18:36, “meu reino não é deste mundo”, como Ele disse a Pilatos ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White.
Appendix. Note 8.)), Ele lançou os alicerces espirituais desse Reino
eterno através de Sua obra redentora. A Igreja formada pelos Seus
discípulos é vista no Novo Testamento como o embrião do Reino de Deus na terra
— porém o Reino em sua plenitude aguarda a segunda vinda de Cristo.
A esperança cristã se volta para a Parusia
(volta de Jesus), quando Ele virá em glória como Rei dos reis. Jesus ensinou
que no “regeneração” (renovação de todas as coisas) o Filho do Homem se
assentará em Seu trono glorioso e julgará as nações (Mateus 19:28; 25:31-32) ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White.
Appendix. Note 8.). No Apocalipse de João, a culminação da história
é descrita assim: “Os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do Seu
Cristo, e Ele reinará pelos séculos dos séculos” (Apocalipse 11:15) ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White.
Appendix. Note 8.). Esse verso é explícito em afirmar que todos os
domínios humanos finalmente cedem lugar ao domínio direto de Cristo. O contexto
em Apocalipse 11 deixa claro que isso ocorre no tempo do juízo final, da
recompensa dos justos e do acerto de contas com os ímpios ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White.
Appendix. Note 8.). Ou seja, é o fim do presente século e o início
de um novo estado eterno.
A escatologia bíblica conclui,
portanto, que a sucessão cíclica de impérios terá um ponto final: a implantação
definitiva do Reino de Deus, que é estável e indestrutível.
Diferentemente das utopias terrenas, esse Reino é garantido pelo caráter do
próprio Deus — um reino de justiça perfeita, paz duradoura e comunhão plena
entre o Criador e as criaturas. Agostinho chamava esse destino de Civitas
Dei (Cidade de Deus), em contraste com a Civitas Terrena (cidade
terrena) que é efêmera. Em última análise, a Cidade de Deus (composta por todos
os redimidos de todas as nações e épocas) é a única sociedade política que não
conhecerá ocaso.
De uma perspectiva teológica cristã, a
promessa do Reino eterno em Cristo não é escapismo, mas a resolução derradeira
do problema observado: no presente mundo caído, mesmo os melhores governos
humanos sofrem corrupção e chegam ao fim; logo, a esperança está em um governo
divino direto, onde o Príncipe da Paz reinará. Essa é a essência da
esperança messiânica que permeia a Bíblia. Ellen White resume essa expectativa
afirmando que, no fim, “os reinos deste mundo se tornarão do nosso Senhor e
do Seu Cristo, e Ele reinará para todo o sempre”, o que ocorrerá “no
tempo do juízo final... quando todos os que se opõem ao reinado de Cristo
tiverem sido destruídos”, então sim “os reinos do mundo se tornarão os
reinos de nosso Senhor” ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White.
Appendix. Note 8.). Trata-se de um reinado escatológico
inaugurando “novos céus e nova terra” (cf. Ap 21:1-4), pondo fim definitivo ao
ciclo de instabilidade que marcara a história das civilizações.
A
Geopolítica Atual à Luz dos Princípios Celestes
O padrão bíblico de ascensão e queda das nações não se limita à história antiga. Ele continua operando nos tempos modernos, à medida que os princípios celestes — justiça, verdade, misericórdia e obediência a Deus — seguem sendo ignorados pelas estruturas geopolíticas contemporâneas. O cenário atual revela instabilidade crescente, fragmentação de alianças históricas, crises morais e sociais, e o avanço de governos autoritários sob a justificativa da segurança e da soberania.
Como advertido pela
Escritura, 'a justiça exalta as nações, mas o pecado é a vergonha dos povos'
(Provérbios 14:34). Quando os fundamentos morais são relativizados, os sistemas
entram em colapso, não por falta de recursos ou tecnologia, mas por decadência
ética e abandono de verdades absolutas. Ellen G. White assevera que 'a força
das nações não reside nos exércitos nem nas riquezas, mas na integridade com
que cumprem o propósito de Deus' (White, Education, p. 175).
Exemplos contemporâneos
demonstram esse padrão em ação. A Venezuela, por exemplo, sofreu um colapso
institucional e humanitário não em razão de guerra externa, mas por causa de
corrupção endêmica, opressão, idolatria política e destruição da justiça. O Haiti
vive hoje um vácuo de governança, dominado por gangues armadas, reflexo de
séculos de abandono espiritual, moral e político. A antiga Iugoslávia se
desintegrou pela força do ódio étnico e pela ausência de reconciliação e
misericórdia entre povos rivais.
Mesmo nações com
estruturas sólidas, como os Estados Unidos e alguns países europeus, enfrentam
hoje uma crise de identidade moral. A relativização da verdade, o avanço de
agendas hedonistas, a degradação familiar e a violência urbana são sintomas de
um distanciamento dos princípios divinos. Francis Schaeffer já alertava:
'Quando não há absolutos morais, a sociedade inevitavelmente se desintegra'
(Schaeffer, 1976).
A lição que emerge dessas
realidades é clara: Deus ainda rege os destinos das nações. Embora Sua
longanimidade retarde o juízo, os princípios que operaram no passado continuam
vigentes. A justiça sustenta os tronos, a misericórdia evita o colapso e a fidelidade
à verdade assegura a estabilidade. A ausência desses elementos, por sua vez,
abre espaço para o juízo providencial, seja por meio de crises internas,
colapsos econômicos ou convulsões sociais.
Em última análise, a
instabilidade geopolítica contemporânea é sintoma da inobservância dos
princípios celestes. Não se trata apenas de política externa ou economia global
— trata-se de um drama espiritual. O apelo bíblico permanece: 'Agora, pois, ó
reis, sede prudentes; deixai-vos instruir, juízes da terra. Servi ao Senhor com
temor...' (Salmo 2:10-11). A história mostra que a segurança das nações repousa
não em sua força, mas em sua submissão ao Rei dos reis.
Conclusão
Com base nessa pesquisa teológico-histórica,
podemos delinear um quadro coerente: há um padrão recorrente na história
das nações – ascensão, apogeu e queda – que é compreendido, na cosmovisão
bíblica, como parte de um drama maior governado pela providência de Deus. As
Escrituras fornecem uma fundamentação teológica sólida para esse padrão,
enfatizando que fatores morais e espirituais são determinantes para a
prosperidade ou ruína dos povos. “A força das nações... se mede pela
fidelidade com que cumprem o propósito de Deus” (Education — Ellen G. White Writings), e onde essa
fidelidade falta, mesmo os gigantes acabam tombando. Exemplos históricos desde
a Antiguidade corroboram esse princípio: impérios como Egito, Babilônia e Roma
atingiram alturas admiradas, mas sucumbiram por dentro e por fora, tornando-se
ilustrações clássicas da transitoriedade do poderio humano.
Em contraste, o ideal divino revelado em
Israel mostra que Deus propôs um caminho diferente – um modelo de nação
sob o senhorio divino e regida por leis justas, que poderia ter escapado ao
ciclo de colapso. Israel falhou em cumprir plenamente esse ideal, mas não sem
antes deixar vislumbres do que um governo orientado por Deus poderia alcançar em
termos de justiça e estabilidade. Esse ideal, contudo, não se perdeu:
transmutou-se na promessa profética de um Reino vindouro, eterno,
estabelecido pelo próprio Deus através do Messias. Assim, a teologia bíblica
encaminha a discussão para uma conclusão escatológica: a história
caminha rumo ao Reino de Deus, onde finalmente a justiça perfeita impedirá
qualquer “queda” futura.
Autores influentes reforçam esses
entendimentos: Agostinho nos lembra que os impérios terrenos são
secundários face à Cidade de Deus, e que Deus utiliza a própria ascensão e
queda das nações para Seus propósitos redentores (God Works in the Rise and Fall of Nations - First
Presbyterian Church). Francis
Schaeffer evidencia que sem um
fundamento absoluto (como o bíblico), culturas inevitavelmente se desgastam e
colapsam (How Should We Then and
Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue Book Diaries) (How Should We Then and
Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue Book Diaries). Arnold Toynbee, pelo
estudo secular, identifica o elemento auto-destrutivo nas civilizações (TOP 25 QUOTES BY ARNOLD J. TOYNBEE (of 53) | A-Z Quotes),
o que ecoa a mensagem bíblica de Provérbios e Daniel sobre orgulho e injustiça
precipitarem a ruína. E Ellen G. White, fundindo a perspectiva
profética, conclui que os impérios mundiais se sucedem até que apenas o Reino
de Cristo permaneça de pé ( The Story of Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White. Appendix. Note 8.) ( The Story of Patriarchs
and Prophets, by Ellen G. White. Appendix. Note
8.).
Em última análise, a contribuição deste estudo
é fornecer uma base teórica e prática para compreender o rise and fall
das nações à luz da fé. Teologicamente, fica claro que a soberania divina e a
responsabilidade moral são chaves de interpretação. Historicamente, vemos
padrões repetitivos que confirmam essas chaves. E escatologicamente, desponta a
esperança de um governo final que não conhecerá falência. Para a
sociedade contemporânea – que por vezes se imagina imune a esses ciclos – ficam
as lições tanto da história quanto da teologia: nenhum império humano é eterno,
e somente alicerces de verdade e justiça (em última análise, os alicerces do
Reino de Deus) podem sustentar uma civilização a longo prazo.
Diante disso, estudiosos e governantes de hoje
podem se beneficiar dessa perspectiva integradora. Reconhecer “a verdadeira
filosofia da história” (Education — Ellen G. White Writings), segundo a
qual há princípios divinos regendo o destino das nações, confere humildade e
discernimento ao avaliar o cenário global atual. E mais importante, aponta para
a relevância perene dos valores bíblicos na construção de sociedades prósperas
e estáveis. Embora vivamos ainda no fluxo de impérios que sobem e descem, a
visão profética nos eleva os olhos para além do horizonte presente,
assegurando-nos de que o Reino que há de vir trará a consumação da
justiça e da estabilidade que a humanidade, por si só, jamais conseguiu manter.
Referências (seleção):
- Bíblia
Sagrada (citações de Provérbios, Daniel, Atos, etc., conforme indicado no
texto).
- White, E. G. Education (1903),
pp. 173-175 – análise sobre filosofia da história e providência divina (Education — Ellen G.
White Writings) (Education — Ellen G.
White Writings).
- White, E. G. Prophets and Kings
(1917), cap. 44 – comentário sobre os impérios mundiais à luz de Daniel (Education — Ellen G.
White Writings).
- White, E. G. Patriarchs and Prophets
(1890), Apêndice nota 8 – discussão sobre a teocracia israelita e o trono
de Davi ( The Story of
Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White. Appendix. Note 8.) ( The Story of
Patriarchs and Prophets, by Ellen G. White. Appendix. Note 8.).
- Agostinho
de Hipona. A Cidade de Deus (413–426 d.C.) – defesa da providência
divina na história, especialmente livros IV e V (queda de Roma) (God Works in the Rise and Fall of Nations - First
Presbyterian Church).
- Schaeffer, F. How Should We Then
Live? (1976) – cap. 1 (The Roman Age), análise das causas da
queda de Roma e lições para a cultura moderna (How Should We Then
and Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue Book Diaries) (How Should We Then
and Now: Ep. 1 (The Roman Age) – Blue Book Diaries).
- Toynbee,
A. A Study of History (1934-1961) – estudo comparativo de
civilizações; citado pelo conceito “civilizações morrem por suicídio” (TOP 25 QUOTES BY ARNOLD J. TOYNBEE (of 53) | A-Z Quotes).
- Matthew
Henry, Comentário Bíblico (1708), comentário de Ezequiel 29:15 –
nota sobre o declínio histórico do Egito conforme profecia (Ezekiel 29:15 - KJV - It shall be the basest of the...).
- Outras
fontes: obras de Arnold Toynbee e Oswald
Spengler (historiadores da queda das civilizações), Ellen G. White (The
Great Controversy), além de estudos contemporâneos em teologia bíblica
e história comparada que abordam a relação entre religião, moral e destino
das civilizações. (Essas fontes complementares reforçam e contextualizam
os argumentos desenvolvidos neste artigo.)
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