segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A sustentável leveza da gerência de Deus


Minha graduação foi concluída em Belém, Pará, na Universidade Federal do Pará (UFPA), naquele então, a melhor universidade do norte brasileiro. Prosseguir estudo de pós-graduação ainda não era muito comum, tampouco se falava muito em mestrado ou doutorado. Mas, como havia concluído Licenciatura Plena em Biologia, minha perspectiva de entrar para pesquisa científica era escassa, sem que investisse num mestrado. Durante a graduação tive apenas um professor com doutorado, o qual era norte americano e estava chegando para trabalhar no Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG). Ele me impressionou muito com seu saber e, desde meu primeiro contato com ele, percebi a diferença quando comparado aos outros professores. Assim, decidi que faria pós-graduação, sabendo das dificuldades. Embora não percebesse ainda, Deus estava promovendo minha carreira, colocando diante de mim vários modelos. Portanto, busquei saber as opções para os estudos avançados e tudo apontava para saída ao exterior. Todavia, o plano de Deus para minha vida passou a marcar meu percurso com firmeza, ainda que eu não o sentisse. Meu Pai conhecia o pró-reitor de ensino e pesquisa da UFPA, e numa das suas conversas ele disse ao meu Pai: por que seu filho quer ir para o exterior se há em Manaus, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) um excelente programa de pós-graduação com docentes internacionais? Naquela ocasião, eu já havia buscado estágio de iniciação científica no MPEG. Meu orientador, um pesquisador bem jovem oriundo dos Estados Unidos, me deu todo suporte e, sem que eu demandasse, ele me chamou e declarou o seguinte: tenho observado seu desempenho e acho que posso lhe oferecer uma bolsa. Aqui está uma passagem para que você vá até o INPA, em Manaus, e fale com o diretor solicitando bolsa. Consequentemente, tomei um voo até Manaus e prontamente fui atendido pelo então diretor do INPA, o qual me concedeu a bolsa com o mesmo valor oferecido a um aluno de mestrado. Assim, percebi que meu orientador estava como que me fazendo assumir um compromisso de ser aprovado na próxima seleção ao mestrado do INPA.

Os meses se passaram, conclui a graduação e o edital para seleção ao mestrado do INPA foi finalmente publicado. Em dezembro de 1977, uma semana antes do natal, foi marcada a aplicação das provas. A referida seleção era aplicada em todo Brasil, assim como em alguns países, incluindo Canadá e Estados Unidos. Na verdade, o diretor do INPA, um cientista destacado no cenário científico, buscava pinçar uma elite cosmopolita de jovens que pudessem alavancar as pesquisas no Amazonas. As provas duravam três dias. Versavam sobre Matemática, Física, Química, Genética, Português, Inglês, além da prova específica da especialidade escolhida. Era como vestibular. No entanto, a data marcada para o início das provas coincidia com o sábado, assim que eu não poderia realizar os exames por minha fidelidade ao princípio da guarda do sábado. Informei ao meu orientador que não faria os exames, causando nele uma tristeza grande, em virtude do seu investimento. No dia da aplicação da primeira etapa não compareci. Fui à igreja para a celebração do sábado, como de costume, esquecendo-me daquele exame. Mal podia perceber que havia um plano em execução. Quando cheguei em casa de volta, o telefone tocou e, ao atende-lo, uma colega que também fizera sua inscrição me perguntou se eu estava ciente do corrido. Disse-lhe que não estava ao que ela me informou que a primeira etapa tinha sido adiada para a próxima segunda-feira, em virtude de um incidente: aos membros da banca que aplicariam os exames, a comunicação oficial do INPA determinava o início para 08:00 horas; para os candidatos, a comunicação dava o início das provas para 09:00 horas. Todavia, o edital assinalava que após 30 minutos do início nenhum candidato poderia ser admitido. Aconteceu que todos os candidatos chegaram além dos 30 minutos estipulados, provocando ausência de todos. Por esse motivo, alteraram a data inicial. Ao receber essa notícia, me dei conta que Deus estava agindo e entendi que Ele havia planejado minha ida para Manaus e para o INPA. Bem, concluídas as provas, logo depois veio o resultado: eu fora aprovado em primeiro lugar.

Embora não tivesse consciência cabal do que estava acontecendo em minha experiencia, meu primeiro ciclo de vida na casa dos meus pais e em Belém estava encerrando; começaria uma nova etapa.

Em fevereiro de 1978 cheguei ao INPA. Tomei um taxi no aeroporto de Manaus e me dirigi ao instituto onde fui recepcionado pelo diretor. Depois fui alojado em um dos apartamentos institucionais, no próprio campus do INPA. Logo em seguida, passei para uma das residências onde morei por dois anos. A comunidade de alunos era composta por brasileiros de muitos estados e estrangeiros sul-americanos, norte-americanos e europeus.

 No início do segundo ano, precisamente em abril de 1979, fui chamado pelo diretor, ocasião em que me ofereceu uma vaga como assistente de pesquisa. Fui tomado de surpresa porque não havia percebido que Deus queria que eu me fixasse em Manaus. Pensei um pouco e decidi aceitar, com a perspectiva de poder sair para outra experiência, caso essa não preenchesse minhas expectativas. Logo passei a ganhar um salário melhor e terminei o meu mestrado já na condição de pesquisador. Imediatamente comecei minhas gestões para o doutorado. Enquanto fazia o mestrado, conheci um pesquisador muito famoso, o qual viera do Smithsonian Institution, o melhor instituto de pesquisas do mundo. Este pesquisador perguntou-me se gostaria de fazer um doutoramento nos Estados Unidos sob sua orientação, assim que comecei a preencher os formulários e logo estava aceito para ir ao Smithsonian. Todavia, um plano superior estava em andamento, conforme dito acima, sem que eu percebesse Deus conduzia meu futuro. E sob essa ordem, os planos mudaram. Aconteceu que, após umas semanas, passava pelo INPA um outro famoso pesquisador brasileiro, docente na Universidade de São Paulo (USP), que assistiu um seminário por mim proferido e, ao final, do nada, ele disse-me que eu deveria me inscrever ao doutorado na USP. Argumentei que já estava aceito para o Smithsonian, mas ele foi enfático e quase obrigou-me a dar-lhe meus documentos para que ele me inscrevesse na USP. Assim, fiz o exame de admissão ao dourado na USP. Dos 14 inscritos passaram apenas 4 sendo eu um deles. Após isso, o professor que me levou à USP disse-me que a vinda para São Paulo somente seria entendida mais tarde. Assim, confiei e realizei minha matrícula. Deus estava dando andamento ao seu plano e o segui sem ter muita noção. Logo percebi que estava num ambiente de altíssima cognição.

A USP é uma universidade onde se respira vanguarda. Em todos os lugares ouvia de assuntos que jamais havia entrado em contato. Aquele ambiente me estimulou a buscar por informações que pudessem fornecer um lastro cognitivo mais denso. Gastei quatro anos com um ritmo acelerado de leitura, não perdendo nenhuma das oportunidades para ouvir grandes nomes da ciência, até mesmo para assuntos que não estavam relacionados diretamente com minha opção de estudo. Era muito diferente da UFPA, muito além do INPA. Neste ambiente fui construindo uma formação mais plural e, desta forma, aprendi a raciocinar com muitas variáveis, coisa muito nova para mim. Terminei meu doutorado com uma base cognitiva bastante diferente daquela que obtivera até o mestrado. Mas, ainda sentia que não estava pronto. Voltei ao INPA e não parei de estudar ciência, sua metodologia, sua lógica. Percebo hoje com clareza meridiana o que aconteceu comigo. Fui exposto a muita luz e, como consequência, não deixei de agradecer ao bom Deus e aos grandes mestres por esse inestimável privilégio. Alguns anos depois fui ao Smithsonian e, ao ver a realidade de brasileiros que faziam seu doutorado lá, pude comparar a minha formação com a deles. Eram bons técnicos, mas não haviam adquirido a experiencia por mim vivida na USP. Como vemos, às vezes o imediatismo pode ser prejudicial. Sempre pensamos que os Estado Unidos são necessariamente melhor opção do que o Brasil.

O que resultou por causa do respaldo cognitivo oferecido pela USP? Vários foram os resultados. Vou apenas citar um deles. Ao regressar ao INPA, fui procurado por pesquisador do Instituto Max Planck, uma das mais importantes instituições científicas da Alemanha. Na ocasião, desenvolviam um projeto em todo cinturão tropical do mundo, buscando verificar quais mecanismos estão envolvidos na manutenção da biodiversidade tropical. Manaus era um dos locais, assim que necessitavam um pesquisador para ser a contrapartida brasileira. Após as assinaturas começaram os trabalhos e uma equipe de pesquisadores alemães e brasileiros passou a visitar Manaus, na etapa de levantamento dos dados. Após quatro anos de trabalhos, o governo alemão galardoou-me com uma visita a Alemanha para assistir, em caráter extraordinário, as avaliações que o ministério da Ciência promove, com um rigoroso exame dos resultados alcançados pelos pesquisadores, os quais são avaliados por uma banca de decanos, uma espécie de prestação de contas ao recurso empregado, verificando se o retorno foi suficiente ou causou prejuízo, e nesse caso, com penalizações. A referida reunião é fechada sendo que eu fui o primeiro estrangeiro a participar, na condição de representante do governo brasileiro. Após as reuniões, fui agraciado com um prêmio que me deu a oportunidade de conhecer instituições de pesquisas em países europeus.

O objetivo deste texto é demonstrar a importância do servir a Deus. Na busca dos meus sonhos não preteri a Deus guardando os princípios celestes. Jamais transgredi o sábado. Deus ainda está no comando do seu plano para a minha vida. Sei que cuidará do meu futuro e, seja qual seja o desfecho, será sempre o melhor. Hoje posso retrover minha vida e reconheço a presença de Deus em todos os caminhos percorridos. Deus tem sido o meu escudo. Durante quase quarenta anos em Manaus, não sofri com nenhuma das doenças tropicais tão comuns na Amazônia. Alcancei nível de respeitabilidade entre meus pares e pude interferir na vida de outros que vieram a mim em busca de auxílio.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Do ciclo completo da expiação restam ainda o holocausto pessoal e as ofertas pacíficas


Conforme previsto nas sagradas escrituras, e dentro do plano da salvação para humanidade, o processo do juízo investigativo está em andamento, sendo que é no estudo da Bíblia onde os crentes aprendem a fortalecer seu comportamento para que o julgamento em curso no céu resulte favorável. Assim, tomando em conta o juízo investigativo, perceber como o processo de expiação está organizado resultará em alcançar o papel da igreja e como os fiéis deverão se comportar.
A teologia bíblica tem seu principal ponto de apoio no santuário construído por Moisés - tendo como modelo o santuário celeste - após o recebimento da Lei dos Dez Mandamentos no Sinai. Todas as dinâmicas evidenciadas nos serviços do santuário expressavam o processo através do qual, todo pecador encontrava expiação pelos pecados e, consequentemente, o perdão nacional outorgado numa cerimônia anual chamada Yom kippur ou dia do perdão. Os rituais pictóricos apropriados do santuário apontavam para o Messias. Com a vinda deste, o santuário terrestre completou sua finalidade, sendo a atenção de todos agora encaminhada ao santuário celeste, onde Jesus está atualmente ministrando. Ora, se há um santuário no céu, então o santuário terrestre, uma cópia do superior, nos ensinou muitíssimo sobre como ocorre agora mesmo toda expiação. Por esse motivo, olhar o ritual no santuário terrestre nos ajuda a compreender como a igreja cristã deve se comportar para alcançar os padrões celestes e ensinar o caminho da salvação para os que a buscam.
Foi através do santuário que Deus se tornou ainda mais imanente conosco. Neste, as principais interfaces de aproximação entre humanidade e a divindade são os sacrifícios. Por que sacrifícios e não outro tipo culto? Porque o pecado original foi a cobiça. Esta é amplamente oposta ao princípio fundamental do reino de Deus, qual seja, a cooperação ou altruísmo. Assim, o contragolpe ao estado de cobiça se dá através de sacrifícios, ou seja, o inverso do egoísmo. Por essa razão, sem derramamento de sangue não pode haver remissão de pecados (Mat.26:28).
Se pudéssemos ver o santuário de cima, observaríamos principalmente três tipos de sacrifícios: 1. Sacrifício pelo pecado; 2. Sacrifício queimado ou holocausto; 3. Ofertas pacíficas.
O sacrifício pelo pecado tinha o propósito de remir a culpa, purificar da profanação e de crimes perpetrados. Neste sentido, somente quem pode purificar é Deus. Assim, aquele sacrifício era oferecido por Deus através do sacerdote. Em outras palavras, objetivava restabelecer a comunhão com Deus, a qual fora rompida devido a transgressão. Tal sacrifício não era comumente oferecido, mas necessariamente em ocasiões especiais. Eis alguns exemplos onde ocorreu sacrifício pelo pecado: no Éden, logo após o pecado; Deus mesmo restabelece ligação com Adão (História da Redenção p. 48). Depois foi oferecido na inauguração do tabernáculo e do templo de Salomão; sempre no dia da expiação; na festa das cabanas (Sucot); no pentecostes; na festa de ano novo. Quando o Messias veio, ao ser crucificado por nossos pecados, Ele ofereceu o verdadeiro sacrifício pelo pecado, fazendo cessar qualquer oferecimento deste no futuro. O sacrifício pelo pecado era a parte realizada por Deus no processo da expiação.
O sacrifício queimado ou holocausto (holo=tudo causto=fogo; queimar tudo) era inteiramente consumido sobre o altar. Tudo se queimava e subia a Deus em chamas como cheiro suave. Significava entrega total a Deus, indicando consagração completa. Era oferecido de duas formas: A primeira, pelo sacerdote, duas vezes por dia. Pela manhã e pela tarde. Tinha como finalidade cobrir a nação inteira até que cada pessoa viesse para oferecer o seu holocausto pessoal. No capítulo 1, verso 5 do livro de Jó, encontramos o patriarca oferecendo esse tipo de sacrifício pelos filhos. Tal sacrifício é também denominado de contínuo, porque era oferecido duas vezes ao dia, durante o ano.
A segunda forma era o holocausto pessoal. Cada pecador deveria trazer o seu particular sacrifício para oferecer ao Senhor. Pelo menos uma vez por ano, cada pessoa haveria de levar ao santuário um cordeiro para ser sacrificado e queimado sobre o altar. A carne era consumida pelo fogo e o sangue era levado ao interior do santuário para aspersão sobre o véu. Conforme dito acima, significava consagração a Deus. O sacrifício consumido pelo fogo em favor do pecador demonstrava arrependimento e fé no Messias vindouro, o qual seria o holocausto definitivo. Essa misericordiosa medida feita em favor dos pecadores de antigamente, constitui uma grande esperança para o pecador de hoje. Há vezes quando pecamos, mas não nos damos conta disso até mais tarde, e, portanto, não fazemos uma confissão imediata.  Que consolo é saber que Cristo está sempre preparado a "nos cobrir" com o manto de sua justiça até nos precavermos de nossa condição; saber que Jesus nunca nos deixa nem nos abandona; que até antes de que nos aproximemos dele, já tem feito a provisão necessária para que sejamos salvos. Graças a Deus por esta maravilhosa provisão!  Entretanto, ninguém deve aproveitar-se indevidamente deste benefício e demorar a confissão. Pelo raciocínio acima, Jesus foi também o holocausto que o sacerdote oferecia diariamente (duas vezes) para cobertura temporária. Sua morte fez cessar mesmo o contínuo. Se o contínuo cessou, resta-nos o holocausto pessoal.
O terceiro tipo de sacrifícios era chamado de ofertas pacíficas. Essa denominação vem da palavra hebraica shélem, de uma raiz que significa “fazer paz” (Jos.10:4) ou “estar em paz” (Jó 22:21), “fazer restituição (Êx.22:5), “completar um pagamento” (Sal.50:14). Este tipo de sacrifício completava um ciclo de três.  A marca distintiva da oferenda de paz era a comida em comum, celebrada dentro do recinto do santuário, na qual prevaleciam o gozo e a alegria, e durante a qual conversavam o povo e os sacerdotes.  Não era esta a ocasião para efetuar a paz, mas sim se tratava de uma Festa de regozijo porque a paz já existia.  Geralmente era precedida por uma oferenda pelo pecado e por um holocausto.  O sangue tinha sido aspergido, efetuando-se a expiação; outorgou-se o perdão, e se tinha recebido a segurança da justificação.  Para celebrar isto, quem tinha devotado o sacrifício convidava seus parentes, seus servos e aos levitas a comer com ele.  Toda a família se reunia no átrio da congregação para festejar a paz que tinha sido efetuada entre Deus e o homem, e entre o homem e seu próximo.
O processo da expiação somente se completava com o ciclo dos três sacrifícios, conforme o gráfico abaixo:
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A oferta pelo pecado correspondia à parte de Deus. Esse item trazia ao pecador o perdão e a justificação. A oferta queimada, conforme já mencionado, correspondia à parte do homem. Tal sacrifício simbolizava a fé no Messias vindouro e as obras que provinham da fé, pois o pecador fazia acontecer o sacrifício no momento do oferecimento e em obras meritórias durante a vida. Uma vez que estavam realizadas as responsabilidades de ambos (Deus + homem), então o ciclo da expiação encerrava-se com uma celebração da paz, através das ofertas pacíficas.
Visto de outra forma, o esquema abaixo dá-nos uma visão mais particularizada do processo da expiação:


Boa parte da igreja entende que estes sacrifícios ficaram obsoletos, por considerarem que o Messias os cumpriu quando esteve entre nós. Seria isso verdade?
Se o que vimos acima era o ciclo da expiação ocorrendo no santuário, e se o santuário terrestre era uma cópia do santuário celestial, então, qual parte desse ciclo está no passado?
 O sacrifício de Jesus representou o sacrifício vicário pelo pecado. A palavra vicário implica separação de dois eventos nos quais, um substitui outro, logo, o ciclo da expiação em termos cósmicos tem duas partes. A primeira tornou-se completa com a vinda do Messias. Ele foi o sacrifício pelo pecado e o holocausto (contínuo) que o sacerdote oferecia (duas vezes ao dia) para cobertura nacional. Portanto, do ciclo completo da expiação restam ainda o holocausto pessoal e as ofertas pacíficas. A pergunta que não quer calar é: onde, nos ritos e emblemas da igreja cristã vemos e praticamos as partes que restaram?
Na transição entre o judaísmo e a igreja cristã o holocausto pessoal passou dos sacrifícios para as ordenanças e ritos promovidos pela igreja, os quais estimulam os crentes à cópia do modelo que é Jesus. Assim, o holocausto pessoal agora é representado por atos de fé e obras, ou seja, crer no modelo e agir tal qual o mesmo. Tais sacrifícios podem ser divididos em dois gêneros: os obrigatórios e os voluntários.
Os obrigatórios são realizados, por exemplo, na ocasião do batismo, na devolução dos dízimos e na ajuda ao próximo demandada pela Lei dos Dez mandamentos. No batismo, sacrificamos o velho homem para dar surgimento a um novo homem que nasce para guardar a Lei. Significa, conforme vimos acima, entrega total a Deus e consagração completa. No dízimo oferecemos ao Senhor o nosso egoísmo, portanto queimamos a nós mesmos com o fogo purificador da santificação. Na ajuda ao próximo, queimamos ainda mais nosso egoísmo oferecendo obras de justiça, que são o resultado de uma vida em santificação.
Os voluntários são efetuados, por exemplo, quando damos ofertas, quando aceitamos responsabilidades nas atividades da igreja ou quando estamos disponíveis para uma vida de serviços. Todas essas são obras de justiça que requerem parcela representativa daquilo que recebemos. As ofertas não podem ser compreendidas como doações sem compromissos, oferecimentos daquilo que não nos faz falta. Segundo Ellen White, elas deverão ser planejadas tal qual um segundo dízimo, portanto, requerem holocausto. “Os cristãos devem agir como tesoureiros de Deus — Os pobres são herança de Deus. Cristo deu Sua vida por eles. Ele reclama daqueles a quem indicou para agir como Seus mordomos, que deem liberalmente dos meios a eles confiados para aliviar os pobres e sustentar Sua obra na Terra. O Senhor é rico em recursos. Ele designou homens para agirem como Seus tesoureiros neste mundo. O que lhes tem dado devem eles usar em Seu serviço.” —Ellen White, Manuscrito 146, 1903.
Em relação às ofertas para os campos missionários Ellen White diz: “Uma caixa de ofertas em casa — Tenha cada um uma caixa de economias em seu lar, e quando desejar gastar dinheiro para satisfação pessoal, lembre-se dos necessitados e famintos na África e na Índia e os que estão às suas portas. Há pobres entre nós. Praticai a economia, e em todos os casos apresentai o problema a Deus. Pedi-Lhe que vos dê o espírito de Cristo, a fim de serdes em todo o sentido da palavra discípulos de Cristo e receberdes Suas bênçãos. Ao voltardes da adoração do eu e procurardes aliviar o sofrimento da humanidade, orai para que Deus vos dê uma verdadeira obra missionária a fazer pelas almas. Então os que vierem ao culto na casa de Deus verão um povo vestido com modéstia em harmonia com a fé e a Palavra de Deus. São essas coisas que roubam ao povo de Deus o amor, a certeza e a confiança que devem ter nEle, que maculam a experiência religiosa e desenvolvem o egoísmo que Deus não pode contemplar.” — Manuscrito 52, 1898. Pelo acima exposto, devemos nos organizar para ajudar, como requer o nosso holocausto pessoal.
Há recomendações sobre um segundo dízimo: “O segundo dízimo — A fim de promover a reunião do povo para serviço religioso, bem como para se fazerem provisões aos pobres, exigia-se um segundo dízimo de todo o lucro. Com relação ao primeiro dízimo, declarou o Senhor: “Aos filhos de Levi tenho dado todos os dízimos em Israel.” Números 18:21. Mas em relação ao segundo Ele ordenou: “Perante o Senhor teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o Seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto, e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer ao Senhor teu Deus todos os dias.” Deuteronômio 14:23, 29; 16:11-14. Este dízimo, ou o seu equivalente em dinheiro, deviam por dois anos trazer ao lugar em que estava estabelecido o santuário. Depois de apresentarem uma oferta de agradecimento a Deus, e uma especificada porção ao sacerdote, os ofertantes deviam fazer uso do que restava para uma festa religiosa, da qual deviam participar os levitas, os estrangeiros, os órfãos e as viúvas. ... (Beneficência Social, cap. 36).
Quanto às ofertas pacíficas temos que raciocinar da mesma forma como nos tempos do Antigo Testamento; somente serão oferecidas se os holocaustos estiverem cumpridos. Então, poderemos participar, por exemplo, da mesa do Senhor. A participação na Santa Ceia pressupõe que fizemos nosso holocausto. Sem isso estaríamos participando de forma indigna, uma vez que as ofertas pacíficas completam o ciclo da expiação. A ceia do Senhor é a celebração da paz, nela necessariamente deveremos estar em paz com Deus e com o próximo. A ceia é um dos importantes rituais que completa o ciclo da expiação no ambiente da Igreja Adventista.
Agora, vamos olhar a guarda do sábado. Muitos de nós pensamos que é suficiente comparecer à igreja, mal assistir as partes que ali são apresentadas e depois voltar para casa e dormir o restante do dia. Mas, a guarda do sábado é o cumprimento da Lei. É uma celebração. Celebramos o que? Primeiramente, celebramos Deus como criador. Celebramos a criação, ou seja, a obra de Deus. Se o mundo foi criado por Deus, então pertence a Ele. Logo, as regras para celebrar são as dEle.
A Bíblia diz que o sábado foi feito por causa do homem e não o homem por causa do sábado. A compreensão desta assertiva leva-nos ao quarto mandamento. Devemos guardar o sábado porque em seis dias fez o Senhor os céus e a Terra. Portanto, no sábado devemos olhar e lembrar que Deus já fez a sua obra. Contudo, o mandamento prossegue dizendo que também nós deveremos fazer toda a nossa obra em seis dias. Qual é a nossa obra? Se o sábado foi feito para o homem, ele não existia antes da criação do mundo. Logo, ele é um marco no tempo para prossecução do processo da expiação e, se assim, então a nossa obra é o holocausto pessoal, a prática da justiça que deve abranger obras em favor da família, dos outros que estão sob nossa responsabilidade, dos estrangeiros e até dos animais. Cumprida nossa tarefa, poderemos ir ao templo para a celebração que, no ambiente adventista é a festa semanal que representa a comemoração da paz, porque tanto Deus como nós fizemos nossas obras. Mas, mesmo no ambiente interno da igreja, ainda somos convocados a oferecer holocaustos pessoais, uma vez que somos instados a ofertar. A oferta da Escola Sabatina é a solução para quem não fez toda a sua obra em seis dias. A cada sábado concluímos um ciclo expiatório de sete dias. No gráfico abaixo está o esquema do referido ciclo:

Sobre o sábado Ele põe Sua misericordiosa mão. No Seu próprio dia Ele reserva à família a oportunidade da comunhão com Ele, com a natureza, e uns com os outros. Educação, 250. Assim, o sábado como um todo, é a celebração que corresponde a ofertas pacíficas, o qual fecha o ciclo da expiação semanal. Se fizermos conforme Isaías capítulo 58, seremos julgados pelo juízo investigativo e absolvidos, ou seja, seremos justificados.
Do ponto de vista cósmico, as ofertas pacíficas acontecerão após a volta de Jesus. Os remidos terão passado por momentos de grandes sacrifícios, conforme assinala a Bíblia: “...Estes são os que vieram da grande tribulação, e lavaram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro.” (Apoc. 7:14). Assim, depois de haverem sido concluídos o sacrifício pelo pecado, feito por Jesus, e os sacrifícios oferecidos pelos salvos, então haverá a grande ceia: “E ouvi como que a voz de uma grande multidão, e como que a voz de muitas águas, e como que a voz de grandes trovões, que dizia: Aleluia! pois já o Senhor Deus Todo-Poderoso reina. Regozijemo-nos, e alegremo-nos, e demos-lhe glória; porque vindas são as bodas do Cordeiro, e já a sua esposa se aprontou. E foi-lhe dado que se vestisse de linho fino, puro e resplandecente; porque o linho fino são as justiças dos santos. E disse-me: Escreve: Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro. E disse-me: Estas são as verdadeiras palavras de Deus.” (Apoc. 19:6-9). Esta ceia encerrará a expiação cósmica. Nunca mais será necessário este processo. “Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem sol nem calma alguma cairá sobre eles.  Porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará, e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima.” (Apoc. 7:16-17).

terça-feira, 18 de setembro de 2018

As time goes by (conforme o tempo passa)


Quando minha mãe completou 80 anos fez uma observação que não esqueci: “a vela está apagando, passou muito rápido”. Agora estou quase chegando aos 70 anos, a sensação que tenho é de que passou muito rápido.

Não imaginava que a velhice chegaria. Chegou. Começo a sentir os seus efeitos quando faço algum esforço que exige dos músculos. Mentalmente não sinto a idade, pois ainda vivo buscando alguns empreendimentos que demandam bastante energia. Porém, terei que pensar, a curto prazo, na minha aposentadoria. Nunca pensei que esse momento chegaria. Chegou. Ainda tenho muita energia e vontade de realizar.

Minha trajetória de vida não obedeceu aos padrões dos jovens da minha geração. A maioria deles estudou medicina, direito ou engenharia. Eu fiz biologia, ciência que naqueles idos ainda engatinhava no Brasil e muito particularmente na região norte. Meu pai estremeceu por causa da minha escolha. Havia feito vestibular para medicina, mas resolvi cursar biologia sem pensar em arrependimento. Depois da graduação fiz o exame de seleção para o mestrado. Passei por uma pesada sabatina; dois dias de provas cobrando conhecimentos de física, química, português, matemática, genética, inglês, biologia. Fui aprovado em primeiro lugar e saí da minha cidade (Belém, Pará) para passar dois anos em Manaus, Amazonas, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia -INPA. Meus planos não contemplavam a permanência em Manaus, mas, a instituição ofereceu uma posição de pesquisador e, após uma luta pessoal resolvi aceitar. Após minha defesa de dissertação no mestrado (aprovado com nota 10 e com louvor e distinção), comecei a buscar o doutorado. Veio uma excelente oportunidade para estudar na Universidade de São Paulo- USP. Passei excelentes quatro anos. Após a defesa da tese doutoral (também aprovado com nota 10 e com louvor e distinção), regressei a Manaus com a sensação de que deveria contribuir na Amazônia (na ocasião não havia ainda 1000 doutores na região) e não em outro lugar, porque não seria eu mais um a praticar estelionato, uma vez que estudei em escolas públicas, portanto, pago pelo povo amazônico, sendo minha obrigação retribuir ao esforço dos contribuintes locais.

Se passaram quase 40 anos desde que retornei do doutorado, e empreendi a construção de uma vida quer como pessoa, quer como profissional. Não tenho nenhum arrependimento em razão do meu investimento na Amazônia. Obtive muitos ganhos pessoais considerando que cresci como pessoa, conquistei respeito dos meus amigos, além de ter experimentado momentos de fortes embates e realizações que forjaram em mim tirocínio e resiliência. O tempo transcorrido foi o grande professor e educador que ensinou lições importantes, aprofundando o polimento, aplicando camadas de conhecimento que, talvez, não estariam tão disponíveis em outra situação.

Adquiri conhecimento religioso muito importante, o qual me proporciona enxergar meus erros e corrigi-los. Cultura religiosa é imprescindível para formação ética e conduta moral. Quanto mais aprendemos sobre Deus, mais vemos nossas incoerências, como é enganoso o coração, percebemos nossa teimosia, nossa insensatez. Percebi que a religião melhora a vida social, proporciona sentir mais o valor de uma vida, das amizades, do grande privilégio da existência nas cidades, do valor da cooperação e principalmente compreender que a sociedade é muito maior que a soma das pessoas.
Profissionalmente, o INPA deu-me muitos privilégios. Pude liderar uma parcela significativa de setores importantes adquirindo visão privilegiada sobre aspectos sensíveis do labor científico. Por estar no INPA, pude servir outras instituições federais como consultor. Uma delas, a Financiadora de Inovação e Pesquisas (FINEP), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) , deu-me grande oportunidade de conhecer o sistema de Ciência e Tecnologia (C&T) brasileiro. Viajei por todas as regiões do nosso país conhecendo investimentos e sentindo pessoalmente as dificuldades de planejamento, execução e manutenção de projetos científicos e de desenvolvimento. Percebi as diferenças regionais no que tange as percepções de prioridades, a maturidade profissional, capacidade de liderança e especialmente como os governos estaduais enxergam C&T. Agradeço muito à FINEP por esse aprendizado. Talvez poucos tenham tido esse aprimoramento.

No quesito pioneirismo, fui o responsável pela implantação e consolidação do departamento de Entomologia do INPA, auxiliei no primeiro planejamento estratégico institucional quando atuei como assessor especial do diretor do INPA e logo depois como coordenador de Ações Estratégicas, ocasião em que implantei os projetos institucionais que mudaram a administração científica do INPA. Mais tarde atuei como coordenador de Relações Institucionais, sendo em seguida convidado a coordenar toda área de capacitação institucional, onde reestruturei todo o sistema de pós-graduação implantando informatização de procedimentos e atualização das secretarias dos cursos. Após, fui chamado para ajudar na Coordenação de Biodiversidade, uma das quatro diretorias de área resultantes da modernização administrativa institucional que transmudou treze departamentos em quatro grandes setores científicos visando o trabalho em grupos, sendo o maior deles a Coordenação de Biodiversidade, correspondendo a 60% da área de pesquisas do INPA, a qual implantei e consolidei. Passei por muitas comissões importantes de planejamento institucional, mas atualmente estou membro do Conselho Técnico e Científico do INPA (CTC), a instancia consultiva mais alta, cuidando das políticas que norteiam a instituição, minha última contribuição administrativa.

De outro lado, no final dos anos 90 fui cedido ao Ministério do Meio Ambiente, para exercer o cargo de gerente do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular -PROBEM, sendo este programa o responsável pela implantação do Centro de Biotecnologia da Amazônia – CBA. Trabalhei intensamente na construção da base física do CBA, um elegante edifício que deveria desenvolver um polo de bioindústrias, bem como a criação de um ambiente regional para bionegócios, alternativa consistente para o fortalecimento de uma vertente econômica baseada na maior riqueza amazônica, a floresta. Tudo estava planejado para agregação de valores à floresta em pé. Infelizmente, com a mudança política na esfera federal e a entrada de um governo de esquerda, a possibilidade de utilização da riqueza natural tornou-se inviável, pois criaram-se mecanismos para inibir qualquer possibilidade de acesso à biodiversidade, matando iniciativas privadas e estatais. Esse atraso foi causado pela visão nacionalista canhestra, pelo discurso neocomunista que saiu da boca de políticos e acadêmicos da Amazônia e do Brasil, taxando de biopiratas as empresas nacionais e estrangeiras, assim como pesquisadores futuristas que se dispuseram a utilizar os recursos naturais amazônicos, o que poderia ter modificado o mercado e exportado bens de consumo de alto valor ao invés de exportar commodities. Falsos brasileiros impuseram à Amazônia mais 20 anos de subdesenvolvimento e atraso.

Os anos 90 foram de muita atividade. Na companhia de alguns amigos idealistas, fundamos a Fundação Vitória Amazônica – FVA, voltada para educação ambiental, e decidiu-se que seu foco territorial seria a bacia do rio Negro. Éramos um grupo muito especial formado por empresários, cientistas, professores universitários, profissionais liberais e estudantes de graduação e pós-graduação. Logo começaram as atividades e a FVA consolidou-se com auxílio de outras fundações, alcançando bastante respeito local e mesmo internacional. Um dos empreendimentos mais auspiciosos daquele início foi a realização do plano de manejo do Parque Nacional do Jaú, uma área muito valiosa, mas que até então estava apenas no papel. A partir da vivência com o Parque, foi-se tomando consciência da necessidade de modificação da legislação sobre parques e travou-se uma frutífera batalha com as autoridades sobre a manutenção de populações tradicionais dentro dos parques, mas até o momento, pouco progresso pode ser contabilizado. Tive o privilégio de presidir o Conselho da FVA por oito anos. Ali travei conhecimento com vários homens e mulheres importantes no Amazonas, pessoas que me ajudaram a compreender melhor esse tão rico território. Também durante minha passagem pela FVA, foi realizada gestão junto à prefeitura de Manaus, para transformar uma área preservada no bairro do Parque Dez no que hoje se conhece como Parque do Mindú. A FVA ajudou na vinda de uma réplica de um navio viking a Manaus, no período da famosa reunião Rio 92. Nesse barco estavam crianças de muitos países que trouxeram pedras de suas terras para lastrear o navio, mas intencionalmente, essas pedras serviram como matéria prima à construção de um monumento comemorativo à visita do navio a Manaus, o qual está na entrada do Parque do Mindú. Dentro do referido monumento existem capsulas com cartas escritas pelas crianças que estavam no navio, mas também por crianças ao redor do mundo, cujo assunto era a preservação ambiental. Por um período de quase 10 anos a FVA fez cooperativamente a gestão do Parque do Mindú com a Prefeitura de Manaus. Sinto alegria de ver um legado físico que resultou da atuação do grupo que iniciou a FVA.

De volta ao INPA, gostaria de acrescentar que ajudei a realizar algumas mudanças estruturais importantes. No início dos anos 1990, o Dr. José Seixas Lourenço assumiu a direção geral do INPA e, como era do seu feitio, promoveu a mais importante modificação estrutural que a instituição experimentou. Pela primeira vez fora realizado um planejamento estratégico. Era um momento muito alvissareiro, considerando que o Banco Mundial estava patrocinando o Programa Piloto para a Proteção das FlorestasTropicai (PPG-7), com recursos para melhorar infraestruturas de pesquisas no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia- MCT. O INPA fora um dos institutos contemplados com recursos e, consequentemente, iniciaram-se as tratativas para a implantação do Programa do PPG-7. Naquele momento fui chamado a ocupar a chefia do gabinete de implantação do programa, com a tarefa de reorganizar a estrutura de pesquisas, além de inserir o escritório de gestão do referido programa.

Do planejamento estratégico sacou-se a necessidade de criar um novo paradigma para o gerenciamento das pesquisas, criando-se então os Programas de Pesquisas Institucionais – PPI, que deveriam funcionar de forma matricial e multidisciplinar, buscando responder perguntas científicas fundamentais. Assim, os projetos eram pensados para atuação de grupos multidisciplinares de pesquisas, uma inovação que somente algum tempo depois tornou-se como que obrigatório no panorama científico mundial. Não se pensou em exportar esse modelo, mas a percepção da complexidade dos problemas estava demandando da comunidade científica mundial o afastamento da forma disciplinar de fazer pesquisa e a aproximação do desenho multi e transdisciplinar, uma forma mais eficaz de gerar conhecimento. No caso do INPA, participei de forma decisiva para o modelo acima, pois estava como responsável por fazer surgir um novo paradigma. Senti como foram importantes os anos passados na Universidade de São Paulo - USP, em contato com mestres muito sábios que incentivavam a leitura de obras básicas do pensamento humano. Como foi importante estar num ambiente onde se respirava vanguarda, tal qual era a USP nos anos 1980.  No caso do INPA, obviamente, a comunidade científica foi coesa em discutir o modelo e por fim implantá-lo. Para o MCT, o INPA foi a primeira instituição a apresentar uma agenda de pesquisas. Por esse motivo, ficou bem mais fácil conseguir aporte financeiro e discutir prioridades com a área financeira do MCT.

Entre os anos 2010 e 20013, o INPA passa outra vez por nova modificação estrutural e orgânica para alcançar nível mundial em pesquisa científica. Como já explicado acima, as treze Coordenações de Pesquisas existentes foram reagrupadas em quatro coordenações que atuavam como diretorias de áreas. Dentro das coordenações foram alocados grupos de pesquisas que funcionavam como as unidades básicas de labor científico. Essa nova organicidade foi pensada para que a transdisciplinaridade fosse provocada e os resultados pudessem dar à luz trabalhos de maior relevância com níveis de generalizações amplos. Até 2013 trabalhou-se forte para que a mentalidade de grupos fosse cristalizada. O modelo assumido pelo INPA também foi uma inovação para o sistema de gerenciamento científico no Brasil, sendo que o agora Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação- MCTI, tomou o INPA como modelo para outras instituições. Todavia, veio a periódica troca de diretor. A pessoa que assumiu em 2014 não fez uma leitura correta da situação (vale dizer que ele nem conhecia o INPA) e, empreendeu uma gestão completamente sem interesse nas conquistas anteriores. Apenas manteve funcionando o que encontrou sem aportar nenhuma novidade ou consolidar o que estava andando. Findou o seu período de gestão de forma patética solicitando sua exoneração antes da posse do novo diretor, uma forma pouco corajosa de se livrar de um grande problema.

O modelo de pesquisas em grupos não foi também bem compreendido pelos pesquisadores locais. A razão é que a geração atual não fora treinada para a transdisciplinaridade. Preferiram persistir produzindo trabalhos onde as coautorias são pouco buscadas. Atualmente, os grupos apenas existem como mera formalidade; não há procura de parcerias entre próprios membros dos grupos. Perderam-se quatro anos preciosos nos quais poderíamos ter avançado mais na transdisciplinaridade, caso a direção tivesse buscado compreender a essencialidade da organicidade que encontrou.

Não poderia deixar de relatar onze anos vividos na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), entre os anos 2000 e 2011, lecionando no Programa de Pós-graduação em Biotecnologia e na graduação para Escola Superior de Ciências da Saúde.

O Programa de Pós-graduação em Biotecnologia foi pensado por causa do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), para suprir a necessidade de líderes locais. Na época, o governo federal contratou uma Organização Social (OS) chamada BIOAMAZÔNIA para executar o PROBEM (explicado acima). Naquele então, eu prestava consultoria à OS para ajudar na montagem de cadeias produtivas regionais e, por isso, fui convocado para auxiliar na concepção e implementação do programa de pós-graduação. O lócus preferencial deveria ser a UEA, uma vez que o envolvimento do governo estadual com o CBA precisaria ser promovido. Assim pensado, assim executado. Fiz parte da primeira comissão para admissão de alunos ao programa. Atuei também como docente e como membro do Conselho do programa.

Na graduação fui admitido após um concurso de títulos promovido pelo governo estadual. Minha opção foi a Escola Superior de Ciências da Saúde, onde permaneci por onze anos lecionando Metodologia da Pesquisa Científica para os cursos de Medicina, Odontologia e Enfermagem. O período ali despendido trouxe-me muitos dividendos, principalmente o privilégio de entreter convívio com alunos muito jovens e poder influenciá-los. Alguns alunos, pude verificar, continuaram seus estudos de pós-graduação por causa do que lhes aconselhava. Tal desdobramento é uma recompensa excelente. Modificar pessoas tornando-as melhores é o dever de todo adulto. Porém, o professor pode exercer esse mister com maior amplitude. Na graduação conheci muitos outros professores que se tornaram bons amigos, os quais guardo no lado esquerdo do peito.

Minha caminhada ainda está em processo, pude realizar muitas tarefas importantes até mesmo participar de reuniões internacionais com vários organismos e até em reuniões da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA, além de ter participado de cinco missões diplomáticas lideradas pelo Ministério das Relações Exteriores, a países sul-americanos. Nessas ocasiões é inevitável sentir a força de liderança exercido pelo Brasil. Temos uma obrigação com nossos vizinhos. O seu desenvolvimento é essencial para manter essa liderança e o fortalecimento das relações sul-sul. Embora já esteja pensando na aposentadoria, ainda me sinto capaz de oferecer minha ajuda.

Meu futuro ainda está em construção, embora eu tenha consciência do tempo. Estou como a criança que ganha uma boa quantidade de doces e passa a comê-los com sofreguidão. Mas quando se dá conta que está a terminar, passa a saborear um por um sentindo o prazer de cada doce. Assim viverei os anos que me restam.


quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Ensinando e demonstrando a justiça


Olhando o modo como Deus lidou inicialmente com o pecado pode-se ter uma ideia sobre como fazer para salvar pessoas.

A primeira atitude de Deus após a queda do homem não foi criar uma igreja e incentivar adesão religiosa, mas constituir exemplos morais essenciais para serem imitados. Assim, os patriarcas fizeram um papel importante na formação moral do mundo antigo. A Bíblia sempre se refere a eles com muito respeito, ainda que tenham cometido erros. Não há registros de que qualquer patriarca tenha pensado em criar algum movimento religioso, apenas figuravam com exemplos morais dignos. Todos foram unânimes em entender o sistema de Deus e viveram o mais próximo possível do ideal divino. Alguns deles, como é o caso de Enoque, não experimentaram a morte, por não pertencerem absolutamente ao sistema desenvolvido após o pecado.

Depois dos patriarcas, Deus pede a Abraão que faça uma viagem, saia da sua terra, e vá para onde Ele indicaria. Nesse caminho até a chamada terra prometida Abraão faz uma extensa demonstração do sistema divino a muitos por onde passava e, até mesmo nas situações de conflito familiar Abraão demonstrou ser altruísta cedendo sempre, como o fez no caso com o sobrinho Lot. A razão é que o sistema de Deus e o sistema do pecado são diametralmente opostos. Deus reina em absoluta justiça que, por sua vez, gera a paz; este sistema Ele implantou quando criou a Terra e todo conjunto de fatos que estão unidos à criação. Em tudo, conforme diz o salmista, pode-se ver a justiça (Sl. 35:5) como o motor da cooperação que passou a existir. Tudo como decorrência do Lei que é a lei do céu.

Por Abraão veio Isaac depois Jacó e seu descendentes, a raiz dos israelitas. Israel foi a nação escolhida para demonstrar o sistema divino de justiça. Em Deuteronômio capítulo 4 encontramos o modo como Deus gostaria que fosse demonstrado processo de salvação daqueles envolvidos no sistema pecaminoso, ou seja, a injustiça: “[...] os povos dirão: em verdade esta grande nação é constituída de um povo sábio e inteligente [...]”(Dt.4:6). Isto seria verdadeiro se Israel observasse a Lei da justiça dada por intermédio de Moisés. Deus não pensou numa religião. Porém, por causa da ambiguidade observada nos israelitas, ora no sistema de Deus ora fora dele, foi necessário estabelecer um protocolo para o perdão e o restabelecimento do sistema divino, o qual é chamado no Antigo Testamento de processo da expiação. A utilização desse protocolo ensejou, por parte dos sábios de Israel, incrustações de percepções humanas que desfiguraram a base conceitual dada por Deus e, uma série de ritos foram tomados como meios suficientes de alcançar favores de Deus, transformando o protocolo primário em religião repleta de tradições humanas, derivando para um sistema de exclusividade para Israel. Com isso, mesmo que os povos observassem sabedoria na sociedade israelita, não lhes era permitida adesão simples ao sistema de Deus através da observação, somente se cumprissem rituais impostos pelos homens. Por causa desse sistema religioso hebraico foram necessários profetas – estes não eram palradores religiosos, mas porta vozes de Deus – para orientação à norma celeste. Salomão referiu-se à orientação da profecia dizendo: “Onde não há profecia, o povo se corrompe; mas o que guarda a lei esse é bem-aventurado” (Prov. 29:18).

Com a chegada do Messias, embora Jesus Cristo fosse judeu e pregasse nas sinagogas, a principal preocupação do Messias era o ensinamento dos princípios de justiça, os quais o mundo não tinha mais conhecimento, portanto não os praticava. Apesar da Torá (cinco primeiros livros do Antigo Testamento) esclarecer o sistema de justiça nas leis que demarcavam a sociedade israelita, os judeus da época de Jesus haviam perdido todas as noções do sistema cooperativo de Deus. Há exemplos tais como o de Zaqueu que sendo judeu, era corrupto e que ao compreender os ensinos de Jesus, fez uma conversão de 180 graus, devolvendo, de acordo com Levítico, quatro vezes mais o que havia usurpado, ao que Jesus exclamou: “Hoje entrou a salvação nesta casa...”(Lc.19:9), no entanto, não referiu-se a um retorno religioso, mas a resposta de Zaqueu ao sistema da justiça. Outro exemplo foi o do moço rico que ao ser instado ao sistema de cooperação e justiça, entristeceu-se porque era dono de muitos bens, neste caso não ocorreu resposta positiva à justiça. Na realidade, Jesus não estabeleceu nenhuma igreja enquanto esteve conosco, mas utilizou todo o Seu tempo ensinando e demonstrando a justiça, ou seja, o sistema divino, para qualquer que quisesse ouvir e crer.

Com o transcorrer do tempo, após a ascensão, o sistema de justiça ensinado por Jesus foi se transformando em cristianismo e logo em igreja cristã. Do mesmo modo como no antigo Israel, os protocolos para expiar os erros foram sendo transformados em ritos, e a esses foram sendo incrustadas filosofias humanas, desembocando num mar de religiões cristãs, até com derivações não cristãs (ex. muçulmanos), cuja principal preocupação é fazer prosélitos. A premissa que embasa tal ação é a salvação dos homens à qual, somente terão acesso se a buscarem através dos ritos de cada religião. O reino dos céus é, no conceito cristão atual, um lugar geográfico mítico onde os salvos que praticaram os ritos (o bem) viverão eternamente em êxtase, onde não terão mais as aflições sofridas na Terra, gozando de inúmeros privilégios. Tal concepção é equivocada por carregar enorme julgamento de injustiça. O reino dos céus é um conceito. Onde quer que se estabeleçam princípios de justiça, ali estará o reino dos céus. Aliás, um poeta já falou que o céu é Jesus, ou seja, onde os princípios ensinados por Ele estiverem prevalecendo ali será o céu.

Neste sentido, as igrejas erram por desviarem as mentes dos seus membros do conceito de justiça de Deus. A começar pelo raciocínio exclusivista que cada religião apregoa, dizendo-se, cada qual, mais detentora da verdade. Exclusividade significa injustiça. Se alguma religião for a detentora da verdade deverá necessariamente ensinar a justiça, consumirá investimento de tempo e dinheiro construindo pessoas moralmente justas. No entanto, o que mais se promove no ambiente cristão são eventos ritualísticos que agenciam a sensação de exclusividade, envolvendo os fiéis numa atmosfera mística profundamente enganadora, de inaplicabilidade prática, mas muito divertida. Qualquer movimento religioso que esteja mesmo preocupado com o reino dos céus tratará de cultivar melhorias morais através de processos para construção de um mundo social justo. Isto não permite a exclusividade. Essa era a preocupação de Deus a partir do Éden. Foi a preocupação do Messias. Igrejas são centros cognitivos onde são ensinados e praticados os princípios de justiça imitáveis por quem quer ser salvo.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Algoritmos parecem ditadores


Mudanças comportamentais são muito difíceis por demandarem novos hábitos. Quase ninguém tem facilidade para alterações de algoritmos aos quais estão afeitos e que têm funcionado no automático. Todos nós estamos submetidos a inúmeros algoritmos (sequência finita de raciocínios) que tornam o cotidiano ameno ou facilitado. Ter que aprender novos significa reprogramação comportamental e, consequentemente, esforço para automação de novos modos de realizar tarefas.

Em nossas casas, fazemos sempre as mesmas coisas. Acordamos do mesmo jeito, realizamos todas as tarefas pessoais que nos permitem encarar o mundo sempre do mesmo jeito. Saímos e utilizaremos o mesmo caminho até o trabalho. Se temos transporte pessoal, repetimos o mesmo roteiro dia após dia. Repetimos nosso comportamento em frente ao computador: lemos e-mails, respondemos mensagens urgentes, lemos notícias, redigimos textos, preenchemos planilhas; sempre usando os mesmos algoritmos. Mesmo alterações prosaicas, tais como, mudar o mouse do computador para a mão esquerda, com intenções de treinar o cérebro e evitar lesão por esforço repetitivo - LER   custa coragem que, na maioria dos casos não progride. Nossos algoritmos parecem ditadores que não toleram liberdades.

Num mundo tão competitivo, as mudanças são inovações que nos permitem vantagens e aumentam a chance para ocupar um lugar na rede de interações. Mas, hábitos há muito exercitados são como barreiras que comparecem com ares de intransponibilidade e, como consequência, não queremos enfrenta-los com as novidades. Depois de uma certa idade, tudo fica mais difícil por causa das exigências que acariciamos, levando sempre ao temor que manieta. Quer nos parecer que para formar um idoso virtuoso, é na fase da vida onde a energia é mais abundante que o exercício da mudança constante deve ser incorporado ao comportamento e, nesse caso, será mais fácil consentir em mudanças até o final da vida. Idosos que não podem acompanhar as mudanças sociais e tecnológicas, geralmente têm pouco respeito das gerações jovens. Talvez, a falta de honorabilidade na terceira idade ocorra pela cristalização comportamental dos idosos. Os jovens não podem aproveitar a sabedoria do idoso por estarem estes distantes das formas de comunicação mais recentes, além de falarem de uma anti-realidade imutável que já não esclarece o presente.

O apóstolo Paulo refere-se a essa questão em Romanos 12:2 quando adverte: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento...”. Assim, ele demonstra que mudanças algorítmicas são o drive do aperfeiçoamento. Nas religiões cristãs, as tradições têm performado um ambiente estagnado que matam novos conhecimentos e desprezam quaisquer esclarecimentos sobre verdades antigas. Não é muito bem-vinda qualquer interpretação que proponha reflexão sobre o establishment, pois causa instabilidade aos algoritmos existentes. Todavia, mudanças são requeridas para o aperfeiçoamento.

A redação da Bíblia foi permitida como principal meio para provocar modificações. Ela é como espada, no sentido de quebrar algoritmos; “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hebreus 4:12). Assim, cristãos que abraçam a fé em Jesus – o modelo que difere do algoritmo do mundo – e que não apresentam modificações relativas a compreensão do seu papel na sociedade, da sua tarefa de influenciador para o que é direito e justo, mas perpetua ou mantem os algoritmos anteriores, procurando oportunidade para moldar o cristianismo aos velhos algoritmos, não abarcaram o significado da escolha.

A maior revolução alcançada pela humanidade foi a escrita. Quando lemos um livro entramos em contato com a mente daquele que o escreveu. Porém, ao autor é dada também oportunidade para entrar em contato com nossa mais profunda intimidade, a mente. Neste contexto, através da Bíblia, Deus habitará nas mentes humanas, alcançando um nível de intimidade e ligação com os humanos que somente a leitura permite. Nosso corpo se transforma na habitação de Deus, e nosso comportamento será modificado aos padrões celestes. Nossos antigos algoritmos serão substituídos pelos algoritmos do céu, num processo que será indolor porque a informação neuronal cambiará as respostas que, por influência celeste, serão diferentes das que estávamos acostumados por causa dos antigos algoritmos.

Vale salientar que a leitura bíblica deverá ser realizada com a percepção dos novos algoritmos que estão expostos nas histórias relatadas, mas especialmente através do comportamento de Jesus Cristo, o justo. Nossa inteligência nos permite observar padrões e estes, nos conferem habilidades para mudar o mundo.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Orei a Deus entregando-lhe meu futuro


Era o final de uma viagem a Belém do Pará, quando enfrentei uma maratona muito cansativa como candidato ao posto de diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi. Fora uma semana de muita adrenalina e muita tensão, considerando os eventos que ocorreram. Minha candidatura ao referido cargo fora estimulada por um grupo de pessoas lideradas pelo Dr. José Seixas Lourenço, nome muito experimentado e reconhecido como um dos mais importantes lideres da academia amazônica, com incomensurável contribuição ao sistema de ciência e tecnologia regional e nacional. O fato de ter sido estimulado pelo Dr. Lourenço me deu muito ânimo e, deste modo, me lancei na empreitada. Também enfrentei oposição pouco elegante e leal. O que resultou foi minha inclusão numa lista tríplice, encabeçando a referida lista por determinação de uma comissão composta por 4 experts definidos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação do governo brasileiro.

Era o dia 10 de fevereiro de 2018. Um dia que amanheceu com muito sol. Havia feito arranjos para retornar num voo da Força Aérea. Estava com a sensação do dever cumprido. Assim, cheguei a base aérea de Belém com bastante antecedência. Os voos militares são muito incertos para civis e a antecedência pode dissolver muitos problemas. Depois de confirmado o embarque, despachadas as bagagens, esperava pacientemente a hora da decolagem.

O voo foi autorizado e decolamos com destino a Manaus brindados com um céu muito limpo. A aeronave militar não oferece qualquer conforto, mas a tripulação que comandava o voo era muito solícita. Belém foi diminuindo sob nós e avançamos rumo a Santarém, uma escala necessária para reabastecimento. Éramos uns vinte passageiros. A conversa enchia o ar enquanto o avião ganhava altitude e prosseguíamos ao nosso destino intermediário. Tomei meu tablet e abri um livro que estivera lendo, para concluir seu conteúdo. Todos estavam muito animados e logo as primeiras duas horas do voo passaram e estávamos sobrevoando Santarém. Fizemos um pouso tranquilo.

Após as dinâmicas corriqueiras, estávamos outra vez voando para nosso destino. Nesta etapa também o céu estava limpo e nosso voo transcorreu sem anormalidades. A tripulação buscou maior conforto para os passageiros oferecendo café e a chance para ver a cabine de comando. Eu como sou piloto aviador não quis ir até a cabine, mas quase todos foram. Considerei uma atitude muito positiva da tripulação, uma interação oportuna. Assim, passadas mais duas horas e já estávamos sobre Manaus. A paisagem próxima de Manaus é muito impressiva. Muitos lagos ao longo do caudaloso Amazonas. Os lagos são como fazendas onde os peixes encontram alimento e proteção, usando o rio apenas para mudar de lago. Assim, pode-se ver nas proximidades de Manaus a bondade de Deus disponibilizando lagos e muito peixe.

Manaus é uma bela cidade localizada num dos rios mais bonitos que conheço. O sobrevoo feito pela aeronave militar foi muito diferente daqueles realizados pelos voos comerciais. Da janela apreciamos um panorama completo da orla da cidade a uma altitude reveladora de uma face manauara da qual não tinha conhecimento. A cidade estava banhada pelo sol da tarde e suas cores e contornos estavam à mostra. Ver a face de Manaus por aquele novo ângulo causou-me uma sensação de alegria e de agradecimento por estar vivo e desfrutando daquela cidade tão singular. Ainda voávamos sobre o rio Negro, passando por sobre a majestosa ponte tendo a impressão que a terra crescia ante nossos olhos. A aproximação à cabeceira da pista de pouso foi tranquila e finalmente tocamos no solo. Meu cérebro assinalou aquela experiência e provocou em mim um tipo de emoção muito feliz reconhecendo a benção de Deus por me ter dado uma cidade para morar.

Havia eu participado de um certame para tornar-me o novo diretor do Museu Goeldi. Agora, ao ver minha cidade novamente, estava cheio de dúvidas se seria uma boa estratégia sair de Manaus, a cidade onde vivera muitos e bons momentos. Orei a Deus entregando-lhe meu futuro.

A escolha do Diretor dependia agora da escolha do Ministro pautada na indicação da lista tríplice entregue pela comissão acima referida. Meu nome havia sido o primeiro e, pela lógica da meritocracia, eu deveria assumir a direção do museu. Passaram-se os dias e finalmente saiu a decisão do Ministro. Por força das negociações partidárias, a pessoa que estava em segundo lugar fora a indicada. Ao receber a notícia agradeci a Deus por ter cuidado do meu futuro e me permitido ficar na minha morena cidade.

A história nunca terminará?



Compreendemos o livro de Números no seu todo? É dos cinco livros de Moisés o mais difícil, o mais desafiador. Contém uma extraordinária gama de textos e assuntos. Ele inicia no ponto em que deixamos a história no final do livro do Êxodo. Naquele ponto, o povo tinha deixado o Egito e jornadeado até o monte Sinai. Lá eles receberam a Torah. Lá eles fizeram o bezerro de ouro. Lá eles foram perdoados após a súplica apaixonada de Moisés, e lá eles fizeram o tabernáculo (MISHKAN). Este fora inaugurado no 1º dia do 1º mês no segundo ano (Êx. 40:17). O livro de Números começa um mês depois, no 1º dia do segundo mês do segundo ano (Num.1:1). Após uma prolongada permanência no deserto do Sinai, o povo estava pronto para começar a segunda parte da jornada, do deserto à terra prometida (a primeira foi do Egito ao Sinai).

Porém, o livro de Números não parte do começo da segunda jornada. Há um retardamento na narrativa. Os dez capítulos iniciais não relatam o começo da viagem (Num. 10.33). O que os estava detendo? Ou melhor, o que estava fazendo a história andar mais devagar? Antes de podermos juntar o povo à sua jornada, teremos que ler sobre o censo. Então vem uma descrição do arranjo das tribos ao redor do tabernáculo (Ohel Moed) a tenda da reunião. Há uma longa descrição dos Levitas, suas famílias, e respectivos papeis. Há leis a respeito da pureza do acampamento, leis sobre restituição de roubos, leis sobre uma mulher suspeita de adultério, e o nazireato. Neste espaço excessivo lemos ainda sobre os dons trazidos pelos príncipes das tribos na inauguração do tabernáculo. Então vem mais passagens descrevendo a preparação final da jornada. Somente então a jornada começa. Por que essa longa série de digressões?

Uma característica dos livros de Moisés (Torah) que confundiu os estudiosos bíblicos durante, pelo menos, dois séculos é que eles constituem um único gênero. Eles não são história no senso convencional, um mero relato do que aconteceu. Um excelente exemplo é o livro de Números, o qual silencia sobre quase trinta e oito anos dos quarenta anos no deserto. Os eventos não são descritos na Torah simplesmente porque aconteceram. Eles estão narrados porque ensinam sobre a condição humana sob Deus. A Torah também não é um tipo convencional de livro da lei. Há substantivas similaridades entre certas leis bíblicas e outros códigos antigos tal como o de Hammurabi. Um importante distintivo é que a Torah se move da lei para a narrativa e da narrativa para lei novamente; a narrativa jurídica é interrompida por histórias e, ao mesmo tempo, as histórias são descontinuadas por leis. Ela intercala outros tipos de materiais. No caso de Números, inclui uma lista do censo, um itinerário, alguns casos judiciais reais, relatos de batalhas, uma canção de vitória sobre os  Amorreus, e os oráculos de um não israelita, Balaão. Embora a Torah contenha leis, ela não se assemelha a qualquer código de leis.

Estudiosos bíblicos têm buscado entender o texto desmembrando-o, separando-o em fragmentos menores e tentando entende-los isoladamente. Isto é um erro: é precisamente como não ler um livro. Nós não entendemos uma sinfonia desagregando seus temas musicais. É precisamente o modo como a partitura os une, geralmente com tensão e mudanças de humor, o que constitui a sinfonia como uma unidade artística. Do mesmo modo com a Torah – com pelo menos esta diferença: nós não temos nada comparável a ela, nada nem mesmo na literatura religiosa antiga, nem tampouco com outros livros da Tanakh (Torah são os cinco livros de Moisés, a Tanakh outros livros bíblicos).

Não há nada acidental na mistura entre lei e narrativa na Torah. A propósito, a Torah reflete a compreensão israelita de Deus como a unidade sobre a diversidade. Se tudo o que podemos ver é a diversidade, não a unidade, não compreendemos a Torah como um todo.

A Torah oferece um contraste único com a forma de pensamento que consideramos como distintamente ocidental, cujas origens estão na Grécia antiga. Ela mostra três coisas incomuns: primeiro, inclui filosofia no modo narrativo. Ela ensina a verdade não como um sistema, mas como história. Segundo, ela retrata a lei não como reflexo da vontade ou a sabedoria do legislador, mas tal como a lei emerge na história, como se dissesse: isso é o que deu errado no passado, e isto é como evitar no futuro. Terceiro, ela considera a história em si como um comentário sobre a condição humana. A Torah trata das verdades que emergem através do tempo.

Há grandes diferenças entre antigo Israel e a Grécia antiga. A Grécia antiga procurava a verdade na contemplação da natureza e da razão. A contemplação da natureza deu origem à ciência, a contemplação da razão deu origem à filosofia. O antigo Israel encontrou a verdade na história, nos eventos e no que a Torah nos convida a aprender com eles. Ciência tem a ver com a natureza; judaísmo e, consequentemente, cristianismo, tem a ver com natureza humana. Há uma grande diferença entre os dois.

Natureza não cogita sobre livre arbítrio. Cientistas frequentemente negam que exista livre arbítrio. Mas, a humanidade está estabilizada por sua liberdade. Nós somos o que escolhemos ser. Nenhuma planta escolhe ser hospitaleira. Nenhum peixe escolhe viver na água. Nenhum pavão escolhe ser vaidoso. Humanos fazem escolhas, e neste fato nasce o drama sobre o qual a Torah inteira é um comentário: como pode a liberdade coexistir com a ordem? O drama está montado no palco da história, e se desenrola através de quatro atos, cada um com várias cenas. A forma básica da narrativa é praticamente a mesma em todos os quatro casos. Primeiro Deus cria a ordem. Então as pessoas criam o caos. Terríveis consequências seguem. Deus começa novamente, às vezes profundamente triste, mas nunca perdendo sua fé em uma forma de vida na qual ele colocou sua imagem e à qual Ele deu o dom singular que tornou a humanidade parecida com Deus, ou seja, a liberdade.

O Ato 1 está contado em Genesis 1-11. Nesta versão da história, o assunto é a humanidade como um todo. Deus cria um universo ordenado e molda os seres humanos do pó da terra nos quais ele sopra seu próprio fôlego. Mas, os humanos pecam – Primeiro Adão e Eva, então Cain, depois a geração do dilúvio. Deus traz um dilúvio e recomeça novamente, fazendo uma aliança com Noé. A humanidade ainda não aprendeu a lição. O povo peca novamente, desta vez não por ser menos do que humano (violentos) mas por buscar ser mais que humano, construindo uma torre que encontraria o céu (Gen. 11:1), e por impor uma unidade artificial (uma língua com palavras uniformes) na diversidade humana.

Assim, Deus começa novamente. O Ato 2 está contado em Gênesis 12-50. É a história da família da aliança: Abraão e Sarah e três gerações de descendentes. A nova ordem está baseada na família e na fidelidade, no casamento e no parentesco, no amor e confiança, na educação dos filhos nos caminhos do Senhor, como expressos na caridade e justiça (Gen. 18:19). Mas, isto também começa a falhar. Há uma tensão entre Esaú e Jacob, entre as esposas de Jacob, Leah e Raquel, e entre seus filhos. Dez filhos de Jacob vendem o décimo primeiro, José, como escravo. Isso é uma ofensa contra liberdade, e uma catástrofe segue – não por dilúvio, mas por uma fome; como resultado a família de Jacob vai exilada para o Egito, sendo eventualmente escravizada.

O Ato 3, colocado no livro de Êxodo, diz respeito aos israelitas como uma nação em aliança com Deus. Começa com o resgate dos israelitas do Egito do mesmo modo como Ele resgatou Noé do dilúvio. Sua aliança com eles no monte Sinai é muito mais extensiva do que as duas predecessoras, a primeira com Noé e depois com Abraão. Trata-se de um plano arquitetônico para uma ordem social com base na lei e na justiça, informado pela memória do povo, da forma como eles foram tratados no Egito. Sua sociedade seria diferente. Eles não imporiam aos outros o que lhes fora imposto. Por segurança, não seria abolida a escravidão (isto não aconteceu por trezentos anos), nem poriam fim às guerras (não havia acontecido nenhuma guerra). Mas, envolveria a aceitação pelo povo da soberania de Deus. Quase imediatamente a aliança ficou perto de ser inteiramente danificada, quando os israelitas fizeram o bezerro de ouro, meros quarenta dias após a grande revelação. Deus ameaçou destruir a nação toda, começando novamente a partir de Moisés, do mesmo modo com o fez com Noé e Abraão (Ex. 32:10). Somente o apelo apaixonado de Moisés impediu que acontecesse. Deus, então, instituiu uma nova ordem.

O Ato 4 é invulgarmente longo. Diz respeito a um povo com a divina presença no meio deles. Deus não está mais simplesmente distante como o majestoso criador e interveniente na história. Ele está perto, o Shekhinah, Deus imanente e transcendente: Deus como vizinho. Esta história começa em Êxodo 35, e continua através do livro de Levítico, dominando até os primeiros dez capítulos de Números. Seu símbolo mais tangível é o Tabernáculo no centro do acampamento. O edifício do Tabernáculo ocupa o último terço do livro do Êxodo. O Tabernáculo representa um lar para a divina presença na Terra, e quem tentasse entrar no Tabernáculo tinha que estar puro e santo. As leis da pureza e santidade tomam quase todo o livro de Levítico. Quando o livro de Números inicia, espera-se que os israelitas comecem sua jornada à terra santa. Os primeiros dez capítulos são, portanto, inesperados, e apontam para algo que somente se torna claro mais adiante.

Uma vez que os israelitas estavam para tornar-se um povo livre na terra prometida aos ancestrais, eles necessitariam ser capazes de se auto impor ordem. De outra forma eles iriam meramente repetir os erros já cometidos três vezes: a violência antes do dilúvio, as divisões no seio da família de Abraão, e a fundição do bezerro de ouro. Os primeiros dez capítulos de Números dizem respeito à criação do discernimento da ordem no interior do acampamento.

Essa foi a razão do censo e a detalhada disposição das tribos, e a longa descrição dos levitas, a tribo que mediava entre o povo e a presença divina. Essa também foi a razão das três leis – a respeito da restituição (roubos), do adultério e do nazireato – dirigidas contra as três forças que sempre colocam em perigo a ordem social: roubo, infidelidade e álcool.  Nesses capítulos iniciais, é como se Deus estivesse dizendo aos israelitas: isto é o que ordem deve ser. Cada pessoa tem seu lugar dentro da família, da tribo e da nação. Cada um foi contado pelo censo e cada pessoa tem sua responsabilidade. Há uma ordem na maneira como as tribos estão acampadas ao redor do Tabernáculo, e também há ordem para a forma como procedem quando em jornada. Preservar e proteger esta ordem era imprescindível, porque sem ela ninguém poderia entrar na terra, lutar suas batalhas, e criar uma sociedade justa e livre.

Tragicamente, de acordo como o livro de Números demonstra, vemos que os israelitas não tinham internalizado essa mensagem. Eles reclamavam sobre o alimento. Miriam e Aarão criticaram Moisés. Então veio a catástrofe: o episódio dos espias. O povo desmoralizado, mostrou que não estava ainda pronto para liberdade. Como anteriormente no caso do bezerro de ouro, há caos no acampamento. Novamente Deus cogita destruir a nação e recomeçar com Moisés (Num.14:12). Novamente, somente a poderosa petição de Moisés salva o dia. Deus decide uma vez mais recomeçar, desta vez com a próxima geração e um novo líder. O livro de Deuteronômio é o preludio de Moisés para o ato 5, o qual toma lugar nos dias do sucessor, Josué.

A história israelita é muito estranha. Outra vez os israelitas se separaram: nos dias do primeiro templo quando o reino foi dividido em dois, no período do segundo templo quando fracionado em grupos rivais e seitas, e na era moderna, no início do século XIX, quando se fragmentou em religiosos e seculares na Europa oriental, ortodoxos e outros na Europa ocidental. Tais divisões não foram curadas.

Assim, os israelitas continuam repetindo a história contada cinco vezes na Torah. Deus cria a ordem. Humanos criam o caos. Deus representa a unidade. O povo representa a desunidade. Coisas ruins acontecem; Deus e Israel começam novamente. A história nunca terminará? Uma coisa é certa. Deus não desiste. Nem tampouco cessa de falar a nós através da atemporalidade da Torah, lembrando-nos que o desafio central humano, em todas as eras é que a liberdade pode coexistir com a ordem. Tal situação é possível quando humanos livremente escolhem seguir as leis de Deus, dadas universalmente à humanidade após o dilúvio e em concreto particularmente aos israelitas após o Êxodo.

A alternativa, antiga e moderna, é a regra do poder, na qual, o forte faz como quer e o fraco sofre como pode. Mas, essa não é a liberdade como a Torah entende, nem é também a receita para justiça e compaixão. A Torah é o chamado de Deus para criar a liberdade que honra a ordem e uma ordem social que honra a liberdade humana, para respeitar tanto o que é universal em nossa humanidade compartilhada, como o que é especial na nossa especificidade histórica. O desafio permanece.

Texto baseado no Livro “Números: os anos no deserto” Jonathan Sacks

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Justiça pela Unidade


Lendo o livro “A invenção da natureza” de Andrea Wulf, deparei-me com os comentários de Alexander von Humboldt – o maior cientista do século XVIII – onde declara ser o novo mundo muito superior à Europa. O espaço geográfico na América do Sul surpreendeu Humboldt, estava repleto de novidades geológicas, mananciais de água, minerais de toda sorte, além de que havia uma superabundância de formas de vida incomparável. A riqueza do reino vegetal e do reino animal impressionou Humboldt, mas o que o deixou mais impactado foi a inteligência e a beleza dos ameríndios, cuja cultura, em muitos aspectos, superava a europeia com abstrações complexas sobre noções morais e sobre ciência. Disse Humboldt que se os povos americanos pensassem numa unidade política continental, nenhuma potência europeia seria capaz de conter a América.

Para nós que habitamos a América, não nos chama atenção a riqueza de vida e a densidade dos indivíduos encontrada aqui. Porém, numa dessas manhãs de folga, pude observar o meu jardim, um espaço de aproximadamente 30 m2. Curvei-me para limpar as ervas que não faziam parte do gramado, e me dei conta da dinâmica que organizava aquele pequeno espaço de terra. Os vegetais invasores, compreendi, não disputavam o espaço das gramíneas, antes buscavam ocupar espaços vazios como a ensinar uma lição importante. As chamadas “ervas daninhas” simplesmente desfrutavam o que lhes cabia, sem estar lançando seus pequenos ramos por sobre o gramado. Uma quantidade surpreendente de ervas diferentes, pelo menos umas cinco espécies formavam um arranjo bem distribuído, desenvolvendo populações que não estavam misturadas. Para minha surpresa deparei-me com um universo bem organizado onde os vários vegetais buscavam ocupar espaços de forma arguta e cooperativa. Do ponto de vista do jardineiro, os vegetais que não são gramíneas não são também adequados, assim, arranquei todas as ervas diferentes. A quantidade de biomassa arrancada surpreendeu-me mesmo. Pude verificar a bondade de Deus, além da sua sabedoria, ao criar tantas formas vegetais, dando a cada uma função determinada, sendo que os humanos não conhecem suas contribuições.

No meio das plantas está um microcosmo de vida animal muitíssimo diverso, para o qual não atentamos. Ali naquele espaço encontrei três espécies de formigas que fazem ninhos periepigéicos proporcionando um turnover de terra importante, arejando o solo, facilitando o enraizamento do capim e sua nutrição. Encontrei também muitos grilos e paquinhas que perfuram o solo, comem raízes das gramíneas provocando crescimento de novas raízes. Vi ainda cigarrinhas em altíssima densidade, centenas delas alimentando-se da seiva da grama. Sobre esses insetos há o domínio dos passarinhos que a cada momento pousavam para comer insetos. Quão magnífica cooperação num espaço tão diminuto. Encontrei muitos vagalumes adultos e larvas e outros besouros pequenos do grupo das joaninhas que buscavam proteção e alimento nas plantas, além dos beija-flores que sugavam o néctar de um único hibisco que produz flores vermelhas. Entendi que a quantidade de biomassa arrancada por mim era suficiente para sustentar parte daqueles animais que estavam lá. Uma explosão de vidas numa teia de cooperação cuja complexidade foge da percepção comum. Por baixo do solo percebi o trabalho das minhocas que processam a terra produzindo o húmus tão necessário às plantas. Que importante laboratório de estudos apenas no meu jardim. Nunca havia parado para sentir a pujança da vida que nos cerca, mas que está ali, mesmo que não tenhamos a oportunidade para observar e sentir. Através dos olhos de Humboldt, um fascinante cientista europeu, pude me dar conta da enorme riqueza que temos à disposição.

Enquanto observava a dinâmica naqueles 30 m2 lembrei-me da afirmação de Jesus em Mateus 6:25-34, quando explicou que não devemos estar preocupados com o que vestiremos ou comeremos, porque nosso Deus cuidará assim como cuida dos animais. No entanto, observou Jesus que deveríamos buscar primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais nos seria acrescentado.

Geralmente quando ouvimos este trecho do discurso de Jesus, o contextualizamos como no ambiente religioso cristão. Aceitamos que buscar o Reino de Deus é praticar atos beatos, contemplativos e místicos. Mas a busca não é religiosa e sim da justiça e, neste caso, todas as pessoas devem necessariamente ter tudo. Foi o que pude observar ali no meu jardim com as outras formas de vida. Todos tinham seu espaço, sua liberdade para crescer, sua quantidade de ar, luz e água, seu alimento, seu direito à reprodução e sua parte na cooperação.

Em II Pedro 3:13 lemos: “Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça”. Enquanto esperamos, devemos nós estabelecer a justiça procurando estar no Reino de Deus e deste modo, permitir uma vida feliz enquanto estamos na superfície da Terra.

Voltando aos comentários de Humboldt, ao falar sobre o comportamento sócio-político na ibero américa, ele observou desunião continental, bem como desunião no âmago das nações onde os vários estratos sociais pelejavam por direitos.  Tal situação era vantajosa à coroa espanhola que auferia vantagem na discórdia, mantendo a submissão de um território muitas vezes maior que a Espanha em virtude do enfraquecimento pelo fracionamento.

Assim ocorre na igreja de Deus. A falta de unidade provoca enfraquecimento de princípios e ruptura moral, dando enorme vantagem ao inimigo. Se marchasse unida a igreja venceria, mas o fracionamento abre espaço para ideias novas e contrárias à dinâmica de Deus. Deste modo, o inimigo faz prevalecer a injustiça e o Reino de Deus fica inviável.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Religação Requerida pela Religião



Muitos cristãos têm uma leitura danificada pelo misticismo a respeito do procedimento religioso. Seu comportamento não aponta segurança, por força de exagerada demonstração de espiritualidade, que vai muito além do próprio conceito bíblico, tornando a religião um ideal pouco prático.

Na verdade, de acordo com as escrituras sagradas, bem como a revelação deixada pelo comportamento de Jesus quando viveu entre nós, a religação com Deus e seu Reino se dá pela via da cooperação entre Deus e os homens, mas também entre os próprios homens.

O conceito de cooperação está logo no capítulo primeiro do livro de Gênesis, onde vemos a elaboração da criação como um ato conjunto da trindade: façamos. Aliás, essa cooperação entre os membros da trindade expressa, com toda ênfase, o princípio da Lei dos dez mandamentos, onde a cooperação é uma ordenação que comanda colaboração com Deus e cooperação entre os homens. A ação conjunta da trindade é, além disso, ressaltada, por exemplo, quando da intervenção, após dilúvio, na torre de Babel (Gên.11:7). Mas, a ação mais espetacular da trindade deu-se na encarnação de Jesus, seu nascimento, desenvolvimento, sacrifício e ressurreição. Em todos os momentos da experiência  vivida por Jesus na Terra, havia uma ligação infringível da trindade na consecução do plano para redenção para os homens. No capítulo 16 do evangelho de João, Jesus demonstra a atuação cooperativa da trindade de uma forma evidente, ensinando como se dá a administração celeste e qual o ideal para os homens.

Já na criação, no jardim do Éden, ao determinar a função humana, a Adão foi dada a responsabilidade de cuidar do jardim. Nessa ordem pode-se ver que a dinâmica imposta por Deus determinou que deveria necessariamente haver cooperação entre Deus e o homem. Deus criara o mundo físico, obedecendo a claros padrões de cooperação (Salmos 19:2), mas ao homem caberia a conservação do mundo físico e a criação do mundo social, obedecendo os mesmos critérios. E assim foi. Quando Adão despertou do sono e foi-lhe entregue a sua mulher, ele exclamou: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada” (Gên. 2:23), significando que ele iria cooperar com ela. Porém, logo após a queda, Adão mostrou comportamento oposto, quando disse que “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi” (Gên. 3:12), demonstrando que a cooperação parecia estar extinta.

Desauxiliar, desassistir, foram os verbos que entraram em ação após o pecado ter entrado na criação de Deus. Um bom exemplo é o dos irmãos Caim e Abel. Quando foram oferecer um culto a Deus, ficou evidenciada a desfiguração da obra da criação. Caim matou Abel e em seguida, Deus dialoga com Cain: (Gên.4:9) “E disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?” Na resposta de Caim encontra-se o resultado de um novo estado moral; ausência da Lei de Deus, ambiente de desauxilio.

Na situação pós pecado, o assunto da cooperação não ficou preterido, mas foi salientado através do culto sacrifical. Os altares erguidos eram obras do homem, mas o cordeiro imolado era obra de Deus. É importante deixar sempre manifesto que a Lei de Deus requer cooperação, assim, todos os atos religiosos, ou seja, os que produzem a religação com Deus, são atos cooperativos entre criador e criatura, uma exigência do sistema de administração divino.

Quando da construção do santuário, Deus atuou oferecendo o modelo ou a planta do edifício, com todos os utensílios obrigatório, mas ao homem coube o gerar os recursos necessários, o desenvolver da obra dos artífices, os quais foram abençoados com dotes especiais por Deus, assim a construção do edifício portátil deu-se da melhor forma. A dobradinha Deus-homem explicitamente operada resultou na aceitação por Deus daquele espaço feito pelo homem. Mas, muito além do edifício, todo ritual do santuário era uma cooperação entre Deus e os homens. O raciocínio que comandava os principais rituais tinha na cooperação o motivo e a força.

Três eram os principais sacrifícios oferecidos no santuário: O sacrifício pelo pecado, o sacrifício queimado ou holocausto e as ofertas pacíficas.

O sacrifício pelo pecado, uma dádiva de Deus, era oferecido somente em ocasiões especiais. Era o sumo sacerdote na condição de representante de Deus quem o oferecia, para o caso de pecados que não eram conscientemente cometidos. Algumas ocasiões onde fora oferecido: no Éden, logo após a queda; na inauguração do tabernáculo; no dia da expiação; nas três principais festas (Dia da Expiação, Ano novo, festa das cabanas).

O sacrifício queimado ou holocausto estava na responsabilidade do homem; era oferecido diariamente (manhã e tarde) pelo sacerdote para cobrir as faltas do povo, no caso de não ser possível ao israelita oferecer imediatamente um holocausto pelo pecado conhecido. Todavia, o pecador teria que, pelo menos uma vez ao ano, espontaneamente oferecer seu holocausto pessoal. Colocando as mãos sobre a cabeça do cordeiro, transferia ao cordeiro a sua culpa. O sacrifício era totalmente queimado, simbolizando o total arrependimento do pecador. Agora chamamos a atenção para a equação montada pela providência de Deus e pela ação humana; o primeiro sacrifício era de Deus, o segundo era do homem. Tal soma produzia o terceiro termo do silogismo matemático, ou seja, após a execução dos dois sacrifícios deveria ocorrer o terceiro sacrifício chamado de oferta pacífica. Este simbolizava a religação entre Deus e o homem. Neste sacrifício havia a comemoração da paz. O pecador oferecia bolo feito de flor de farinha e vinho, elementos que eram compartilhados com o sacerdote e com os amigos. Os três sacrifícios desenvolviam o que a Bíblia chama de expiação, um processo no qual vemos a cooperação exigida pelo princípio da Lei que embasa o governo de Deus.

Quando Jesus esteve pessoalmente entre os homens, várias vezes ensinou o princípio da cooperação Deus-homem.  Quando um jovem rico O procurou depois de Jesus ter proferido o famoso discurso ao lado do mar da Galileia, perguntando “Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?” (Mat.9:16-23), Jesus demonstrou com muita ênfase a cooperação que ele deveria buscar com Deus, guardando os mandamentos, depois Ele ensinou como deveria ocorrer a cooperação entre os homens. Mas o jovem não ficou feliz, uma vez que não acolhera a cooperação entre semelhantes. Em outra ocasião quando Jesus entrava em Jericó, um homem chamado Zaqueu foi privilegiado com uma visita de Jesus. No término da conversa (aliás, o relato mostra apenas Zaqueu falando (Lucas 19)) Zaqueu diz: “Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado”. Então Jesus dialoga dizendo: “Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão”. Aqui manifestamente Jesus explica que a cooperação é o motivo do Seu Reino. O roubo havia retirado Zaqueu da comunhão com Deus e com o próximo, mas agora a religação havia ocorrido. No milagre da multiplicação dos pães narrado no evangelho de João (capítulo 6), há um diálogo onde Jesus parece examinar se a cooperação estava compreendida pelos discípulos.  Ele pergunta a Filipe: “Onde compraremos pão, para estes comerem? Mas dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o que havia de fazer”. A resposta de Filipe dá ares de que havia um pouco de dúvidas: “Duzentos dinheiros de pão não lhes bastarão, para que cada um deles tome um pouco”. Tal quantidade de dinheiro era o pagamento por um ano de trabalho assalariado. Filipe como que demonstra que seria necessária uma fortuna e muito trabalho para alimentar a multidão. Porém, André parece ter compreendido estar na presença do grande legislador dos Dez Mandamentos e exclama: “Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas que é isto para tantos?” Jesus percebendo a dimensão da fé manada que todos se assentem “tomou os pães e, havendo dado graças, repartiu-os pelos discípulos, e os discípulos pelos que estavam assentados; e igualmente também dos peixes, quanto eles queriam”. Outra vez ensinou e demonstrou que no seu universo o natural são as ações realizadas por Deus e por suas criaturas, e sempre que a cooperação Deus-criaturas acontece, grandes feitos são realizados.

O grande apóstolo Paulo, em sua carta aos Filipenses (capítulo 2:12) exorta que “assim também operai a vossa salvação com temor e tremor”, ou seja, contribuam com Deus pois a salvação ocorre a partir da cooperação Deus-homem. A graça ou o conhecimento dado por Deus conduz a boas obras (Rm 6:11-16). Desta forma, as obras são a consumação da graça que efetua nossa salvação (Rm 6:18; 2Co 6:1). O SDA Bible Commentary explicando Filipenses 2:12, diz o que segue: “Muitos são atraídos ao cristianismo, mas não estão dispostos a preencher as condições pelas quais a recompensa do cristão pode ser alcançada. Se pudessem obter a salvação sem esforço, estariam mais que felizes em receber tudo o que o Senhor poderia lhes dar. No entanto, as Escrituras ensinam que cada pessoa deve cooperar com a vontade e o poder de Deus”.

A compreensão do sistema administrativo divino levará a um novo sistema religioso. Muitos de nós pensamos que Deus está muito longe e que a religião deve ser um meio muito diáfano e etéreo de comunicação com Deus. Por essa razão o misticismo pode muito explicar como proceder. Mas, diferentemente desse raciocínio, a religião (religação) verdadeira estabelece um serviço de cooperação Deus-homem, o próprio sistema celeste de administrar. É claro que Deus é maior que qualquer criatura, assim, o que o homem não pode fazer Deus faz, mas é imprescindível a cooperação. A salvação não é pelas obras, mas deve ser desenvolvida. Ela decorre apenas da mediação de Cristo, mas é vivida por cooperação pessoal. Por mais que reconheçamos nossa profunda dependência dos méritos, da obra e do poder de Cristo, também devemos estar cientes de nossa obrigação pessoal de viver diariamente, pela graça de Deus, uma vida coerente com os princípios divinos.

Qual a obra que o homem pode fazer? Na igreja cristã atual há em sua dinâmica ocasiões para cooperar com Deus (através dos dízimos, por exemplo) como também cooperar com o próximo (ajudas de qualquer ordem e ofertas missionárias, por exemplo), são essas cooperações que dão o verdadeiro caráter da religação promovida pela religião. Em Mateus 25:31-46 encontramos as características daqueles que estarão religados a Deus e, consequentemente, serão levados com Ele às mansões eternas, mas também estão relatadas as características dos que não serão religados: “E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas; E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?  E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

 Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos; Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes. Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos? Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim. E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna.

Qualquer sistema religioso que não estiver ensinando e praticando a cooperação Deus-homem não é digno de confiança e deverá ser abandonado. Qualquer sistema religioso que estabeleça o serviço a Deus como meio, em muitos casos repleto de misticismo, para atingir benefícios pessoais sem a necessária preocupação com a prática da justiça, ou o bem estar do próximo, é necessariamente falso.