segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

A miséria do imediatismo


A grande controvérsia cósmica criada por satanás está muito além do que podemos ver e entender; profundamente e ameaçadoramente além da nossa prosaica visão da realidade. Há realizações que não podemos perceber por tratar-se de operações muitíssimo elaboradas, envolvendo camadas da realidade que estão veladas aos nossos sentidos. Por essa razão, é tudo muito perigoso. A Bíblia nos adverte: “Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Efésios 6:12).

O grande conflito ocorre bem diante de nós e envolve nossos destinos. A posse da nossa capacidade de escolha, do nosso livre arbítrio, da nossa adesão, da nossa aquiescência, da nossa militância, é o grande objetivo. Neste contexto, ou somos protagonistas críticos, ou somos vítimas. O ser vítima é a pior das situações, uma vez que envolve nossa inocência despreocupada, bem como, nossa inércia ignorante em não saber que estamos envolvidos até o pescoço, fato que não desculpa ninguém por não compreender o que nos diz respeito.

O inimigo de Deus tem vantagens muito decisivas em virtude das nossas condições morais. A nossa fragilidade moral e mental é um trunfo muitíssimo importante que satanás usa para nos tornar inertes e sem vontade. Sabemos que a carne é fraca e aceitamos que haja contínuo abatimento, por força dos nossos comportamentos e hábitos degradantes, os quais reforçamos durante nossa existência. Sair dessa situação requer mudança mental profunda. Nosso entorno social e cultural conspira para que mantenhamos nosso status quo. O sistema educacional terrestre reforça nossa conformidade com os pressupostos do inimigo, nosso arcabouço legal nos faz pensar que o cumprimento das leis humanas é o suficiente para termos capacidade moral; tudo fica ainda mais complicado porque nossas leis são antropocêntricas e, portanto, favoráveis aos pressupostos do inimigo.

Contra nós está a nossa condescendência com o imediatismo e nosso raciocínio concupiscente. Tal situação nos coloca imediatamente no centro do conflito e ao lado do inimigo, uma vez que a paciência e a pacificação são qualidades do sistema de Deus. Trazemos o imediatismo para o centro do nosso quotidiano, para o centro dos nossos interesses, queremos todas as realizações imediatas, trazemos essa percepção para o centro de nossa relação com Deus. Porém, no ambiente bíblico, não há espaço para imediatismos, uma vez que o ego não está no centro do comportamento dos seres inteligentes que operam no sistema de Deus.

O inimigo conhece as dimensões da alma humana. Ele opera o sistema social humano para que o imediatismo esteja marcando o compasso das negociações sociais humanas, logo, quanto mais rápido conseguirmos nossas metas, mais sucesso percebemos. Tal pensamento também está no âmbito das ações religiosas. O sucesso dos sistemas religiosos espúrios, em relação à Bíblia, está na possibilidade do atendimento imediato às demandas dos fiéis. Milagres, experiencias místicas, cartomancia, necromancia, astrologia, entre outras formas religiosas, sempre buscam solucionar ou desvelar coisas ocultas e de forma imediata. E qual o problema com esse comportamento? O imediatismo é o resultado do reinado ou supremacia do ego.

As formas mais inteligentes utilizadas pelo inimigo para vencer o grande conflito estão no atendimento imediato das exigências humanas, de acordo com o querer antropocêntrico. A assertiva da serpente lá no paraíso “sereis como Deus” se evidencia no culto ao homem e no atendimento das suas demandas imediatamente. Os deuses criados pelo paganismo, requerendo o atendimento imediato das suas demandas, em troca de um suposto apaziguamento, refletem, portanto, a condição moral humana egocêntrica, pois os deuses são criados à semelhança humana, à semelhança do seu criador. Os sistemas religiosos humanos tendem a corrigir a demora no atendimento às demandas; o antropocentrismo não poderia criar nenhum sistema onde o homem não fosse central.

As igrejas cristãs estão sendo solapadas por uma verdadeira onda de imediatismo religioso. Os chamados movimentos carismáticos cristãos (católicos e protestantes) sempre operam milagres – demandas imediatas - e buscam experiências místicas sensoriais que deem possibilidade de uma interação física imediata com a divindade; os cultos carismáticos são apelativos e buscam ordenar que a divindade atenda os interesses em jogo. Neste sentido, não são os homens que fazem uma translação ao redor de Deus, mas Deus translaciona em torno dos fiéis. Esta é uma situação de erro fatal, porque o homem não é Deus e está colocando a si mesmo no centro: sereis como Deus.

Na Bíblia, não se pode encontrar apoio ao antropocentrismo. Aliás, o homem não possui nenhuma maneira de controlar Deus.

Uma das experiencias esclarecedoras de como não se pode controlar Deus, está no relacionamento de Abraão com Deus. Em Gênesis capítulo 15, Deus fala com o patriarca e anima-o prometendo um filho. Abraão não tem qualquer controle da situação. O tempo passa e dez anos depois da promessa, Sara a sua esposa (Gênesis 16), invocando o código mesopotâmico de Hamurabi, destarte, utilizando-se da legalidade social humana, e atendendo ao imediatismo, que é, na verdade, a antítese da fé, entra em aliança com Abraão e consente em dar sua escrava Agar para gerar um filho que Sara consideraria como seu. O que acontece em seguida? Agar não querendo manter a aliança, começa a desvalorizar Sara. Porém, Sara, novamente se utilizando do código de Hamurabi e não observando a lei de Deus - veja o perigo da legalidade social puramente humana e do imediatismo - passa a maltratar Agar conforme permite a lei de Hamurabi. É importante notar que um erro leva sempre a outro erro. Agar, muitíssima humilhada por Sara resolve fugir, numa atitude ilegal, mas que resolvia sua humilhação imediatamente. Ao se aproximar da fronteira egípcia, Agar para e descansa à beira de um poço, quando é interpelada por um anjo, da parte de Deus, que aconselha a que volte e se humilhe diante de Sara. O parecer do anjo nos mostra que Deus tem o controle de todas as situações. Agar era serva e teria que continuar assim. A questão da humilhação Deus resolveria por ela com Sara. Nosso dia a dia está sob controle de Deus e não no mando do imediatismo ditado pelo egoísmo humano. Entretanto, Sara dispensou Agar e teve que esperar por Deus. As ações de Deus não são pautadas pelo egoísmo humano, mas, por sua misericórdia que sempre usa as oportunidades para educar aqueles a quem ama. O resultado das ações de Deus, no seu devido tempo, gera a fé.

O imediatismo é muito utilizado pelo inimigo para impedir o desenvolvimento da fé. Confiança é uma construção demorada. José, no Egito, esperou mais de uma década pela resposta de Deus às suas orações, enquanto prisioneiro. O crer nas promessas de Deus não significa concretizações de imediato, sendo necessário àquele que crê esperar, porque se não espera, não crê.

A esperteza do inimigo é muitíssimo fina. Se não temos uma lente para ampliar o engano não o percebemos. Se não o percebemos, somos presas inocentes. A ilusão do imediatismo está nas tentativas de trazer para o culto a Deus formas de cerimônias que resolvem demandas urgentes. Assim, por exemplo, a tentativa de evangelizar, às pressas, por causa da urgência das profecias, produzindo interesse de que o ambiente cristão seja imediatamente aceito por parte dos pagãos, e por esse motivo, a metodologia aplicada pelos cristãos é a redução das formalidades rituais, a camuflagem religiosa que chega a usar serviços sociais, que oferecem soluções imediatas, como principal produto religioso, ao invés de ajudar na construção de uma confiança nas promessas de Deus. Trata-se de uma dessas armadilhas sutis, que trazem ao centro do culto o próprio homem. Tais atualizações são formas inteligentes de antropocentrismos que, à esmagadora maioria dos crentes passam desapercebidas. Cultos antropocêntricos são necessários aos propósitos satânicos porque não produzirão jamais uma fé viva, apenas sensações místicas. Fé viva tem a ver com espiritualidade, e esta, com aprimoramento do discernimento, o qual é a capacidade de distinguir o certo do errado, distinguir o bem do mal. Somente o aprimoramento do discernimento poderá livrar os crentes do engano colossal do imediatismo. O seguidor de Cristo não deve condescender com nenhuma satisfação antropocêntrica, mas repelir qualquer onda do mal.

Então, não acontecem milagres imediatos da parte de Deus? Milagres imediatos estão relacionados com perigos iminentes. Geralmente, tais situações estão completamente fora do controle humano. Se nossas demandas podem ter algum tipo de controle de nossa parte, Deus nos fará esperar para que venhamos a construir confiança nele e, consequentemente, a fé.