terça-feira, 31 de agosto de 2021

O Sábado é o êxtase da fé

 Nos conhecidos Diálogos de Platão, literatura quase obrigatória para quem usa a argumentação como infantaria, o autor estabelece imediatamente antes de cada assunto, ou seja, a priori, os parâmetros e as definições dos alvos a serem discutidos, para evitar interpretações inconvenientes e dubiedades semânticas. No diálogo entre Deus e Jó (Jó 38) também são colocados os parâmetros e as definições daquilo que importa para as explicações. Ao dizer Deus “Quem é este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento?” está identificando a falta de saber que torna o diálogo quase impossível. Mas, tal qual um educador, pede que Jó “cinja os seus lombos, como homem”; coloque-se na posição de aprendiz para que Ele possa perguntar e, na tentativa de responder-lhe Jó possa construir o seu próprio conhecimento.

Em seguida Deus pergunta: “Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência. Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? Sobre que estão fundadas as suas bases, ou quem assentou a sua pedra de esquina, quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam?

As perguntas acima querem mostrar ou desvelar a importância capital para os seres humanos saberem sobre os mistérios envolvidos na semana da criação. As medidas ou o cordel com que foram realizadas as medidas, ou quem assentou a pedra de esquina indicam perguntar em quais princípios a Terra foi construída, ou quais os motivos determinantes ou ações motrizes que fundamentaram a criação da maneira como foi efetuada, tudo cercado por uma atmosfera de júbilo mantendo todos os filhos de Deus (aqueles que parecem com Ele) em regozijo. É intuitivo entender que o que dá júbilo aos filhos de Deus é a Lei eterna em funcionamento, logo, a criação da Terra espelhava o pleno domínio da Lei.

A semana da criação pode ser dividida em duas etapas. Na primeira, compreendida pelos quatro primeiros dias, Deus constrói os domínios, ou os locais apropriados para apoiarem as outras criações vindouras. Sempre que terminava um dia Deus examinava e definia que era bom. A teologia hebraica afirma que a frase “viu que era bom” significava bom para o que haveria de vir. Assim, os domínios eram perfeitos para sustentarem os animais, os quais vieram à existência na segunda etapa da semana da criação (5º e 6º dias). Quando o povoamento dos domínios estava completo, Deus cria em seguida o homem, evidenciando que tudo o que fora criado anteriormente ao homem, o fora para apoiar a própria existência humana. Na semana da criação está explicitado todo caráter de Deus. Assim como um dia mostra sabedoria a outro dia, nenhuma criatura vive para si mesma. Silenciosos, mas incessantes, os objetos criados fazem seu trabalho designado de cooperação, uma benção de utilidades, do mesmo modo como Jesus encarnado operou seu trabalho terrestre fazendo o bem a todos e em todo tempo (Mateus 6:30).

Após o surgimento do homem, no sexto dia, Deus o submete, no sétimo dia, ao descanso. Não porque estivesse cansado, mas, porque nada lhe faltara e por esse motivo poderia descansar sem preocupações por quaisquer motivos, uma vez que tudo estava pronto para o seu apoio. Entretanto, o descanso sabático tem sua base não na criatura, mas, no criador, no autor da natureza, quem garante que tudo irá operar em favor do homem, pois é quem fez e mantém tudo.

O primeiro sábado foi vivido na companhia do criador, aprendendo os fundamentos da Terra. A semana inteira da criação é um grande painel demonstrativo dos princípios do Reino de Deus. Cada ato criador antecede apoio ao que virá. Essa é a noção que foi perguntada a Jó. Na semana da criação encontramos o pensamento de Deus e base do deu governo de forma física, qual fio de ouro, onde cada domínio e cada criatura, em cada associação da vida, ensinam lições da grande verdade divina. O percebível sistema de cooperação que está em toda a criação é o grande fundamento Terra. No primeiro sábado Adão foi levado pelo criador a perceber o referido fundamento. O descanso sabático naquele primeiro sétimo dia objetivou levar Adão a reconhecer que poderia descansar no Deus todo poderoso, quem criara tudo para o bem e o deleite do homem e, portanto, sustentaria tudo ad infinitum.

Por essa razão, passados tantos séculos daquele primeiro sábado, os homens necessitam entender os fundamentos da Terra para alcançarem o descanso. Cada término de semana deveríamos sair das cidades ou nos retirarmos a lugares mais à natureza, para vermos a face de Deus na criação, e assim aprender sobre o Seu caráter, enchendo nosso pensamento sobre o sistema de cooperação para que pudéssemos entretecer os dias da semana com o sistema de Deus.

Quando os hebreus são retirados do Egito, ao atravessarem o mar Vermelho encontraram-se do outro lado no sábado; deveriam descansar depois de todo estresse pré travessia, confiando inteiramente no Deus todo poderoso. Foram levados ao Sinai onde lhes foi dada a Lei. Ali, Deus lhes alerta que estavam saindo da escravidão do Egito, retirados por Sua forte mão (Êxodo 20:2). Sair da escravidão foi um ato de misericórdia que somente aconteceu porque Deus atuou. Agora estavam sob a jurisdição do domínio de Deus. Outros costumes, outra cultura, outros resultados, outros interesses. Ato contínuo foi a descida do maná. Este fato tem a ver com a primeira noção dada a Adão; Deus é o criador de tudo o que apoia a humanidade, portanto, deveriam celebrar o descansando Nele. No deserto, sem comida e sem água, sem comércio, sem mercados, a sobrevivência dependia da fé no criador. Durante quarenta anos nada lhes faltou, a não ser quando lhes desfalecia a fé.

Do mesmo modo, os cristãos ao serem batizados atravessam o mar Vermelho e devem entrar no descanso; outros costumes, outra cultura, outros resultados, outros interesses. Chamamos a atenção ao quarto mandamento (Êxodo 20:8-11): “Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou”.

Deus dá ao homem seis dias para que realize toda a sua obra. Depois ordena que também descanse, porque Ele descansou, porque descansando santificam o Sábado. O que está exposto neste comando é que há um trabalho humano que deverá ser totalmente concluído antes do descanso. A pergunta que deve ser feita é: qual trabalho deverá ser concluído?

É na semana da criação que vemos a resposta. Se todas as obras cooperam, então a obra humana também deve ter o caráter cooperativo. Em cada novo dia que nos entrega a semana, ou seja, nos seis sétimos que nos são dados, as obras realizadas devem cooperar. Se todos os domínios e seu povoamento foram realizados para apoiar o homem, então nossa obra deverá seguir o modelo original; iremos construir domínios e povoá-los com objetos para apoiar outros humanos. Essa obra traremos diante Deus no Sábado. Santificaremos o Sábado porque participamos, nas obras da semana, da natureza divina, nos tornamos semelhantes a Deus.

Enquanto o sistema mundano nos instila a trabalhar para nós mesmos, tornando-nos escravos idólatras porque dependemos do nosso braço para superar outros humanos e acumular energia causadora de entropia, o sistema de Deus promete liberdade porque não estaremos escravos dos nossos desejos, nem sujeitos ao que outros nos dizem, mas libertos da concupiscência e titulares da nossa própria razão, vivendo um nível mais elevado de sociedade, no qual o acréscimo social do semelhante é a meta.

O Sábado é o êxtase da fé porque ratificamos que Deus é o criador e entendemos que nada nos faltará. Por essa razão, não nos é necessário trabalhar. Não dependemos do nosso braço para sobreviver, pois entendemos que assim como no deserto o maná não estragava no sábado, Deus nos assegurará a sobrevivência. A semana da criação foi a demonstração da forma como Deus estruturou tudo, para que pudéssemos chegar, trabalhar e descansar. Devemos operar nos seis dias para descansar no sétimo, no sentido de obra terminada.

A noção acima está na sequência de ideias do capítulo 58 do livro de Isaías. O trabalho em favor dos necessitados, ou seja, a prática da justiça antecede o descanso sabático. Se tão somente atendermos aos nossos semelhantes teremos saúde e estaremos voltados à direção das bençãos de Deus. A celebração do sábado, de acordo com Isaías 58 somente se dará se durante os seis dias realizarmos toda a nossa obra. Reiteramos que cada dia dos seis que temos deverá construir as bases para os outros dias visando o soerguimento dos semelhantes. Era assim que Jesus operava a semana e no Sábado ia à Sinagoga, onde descansava no Pai. A última benção do capítulo 58 de Isaías é uma promessa de sucesso terreal.

No contexto atual, o sábado significa mais do que nunca a celebração da nossa liberdade. Vivemos a mais densa era do assédio do inimigo de Deus que, demonstrando habilidade quase insuperável enreda quase todos no sistema egoísta dos prazeres da carne. Em todos os lugares há armadilhas para que o egoísmo seja desenvolvido. As cidades são consideradas desenvolvidas na medida em que possuem infraestrutura para o consumo. Nosso conceito de boa vida está definido na possibilidade de sentir sensações, quer adquirindo bens, quer usufruindo diversões. Em outras palavras, viver bem significa aproveitar do consumo e dos prazeres. Todavia, a Bíblia define a vida conforme Paulo diz: “portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta” (Hebreus 12:1). A carreira que nos está proposta é a mesma do capítulo 58 de Isaías. Mas, nosso processo civilizatório comanda egoísmo, embora nos prometa liberdade enquanto nos submete à corrupção e nos sujeita ao sistema do inimigo, conforme 2 Pedro 2:19. Os cristãos no ambiente das igrejas deveriam ser educados para o serviço, para que possam apresentar-se a Deus em liberdade.

 

              

 

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Preparando quem dominará o mundo

 As iniquidades foram o alvo da atuação de Jesus para destruir a obra do inimigo (1 João 3:8). “Ele é o que perdoa todas as tuas iniquidades, que sara todas as tuas enfermidades, que redime a tua vida da perdição; que te coroa de benignidade e de misericórdia” (Salmos 103:3-4). Na poesia hebraica, os quiasmas ou elementos dispostos de forma cruzada, são utilizados para explicar ideias, tal como é o caso da citação acima. Ali está a afirmação de que ele perdoa as iniquidades, ligando-as com as enfermidades e, de forma cruzada, confirma que as iniquidades são a perdição, sendo que a sua retirada promove a benignidade e a misericórdia.

Iniquidades são intolerâncias que fazem parte do aprendizado ou do processo educacional mundano, cuja finalidade é a competição que prepara os homens para serem vencedores no mundo, sendo tal competição o motor da coletividade. Tais intolerâncias podem estar de forma velada. A maneira como falamos e como nos vestimos pode demonstrar quão intolerantes somos.

No Brasil verificamos que há intolerância, por exemplo, por parte dos sulistas em relação aos que vivem mais ao norte. Sempre que famílias migram de regiões meridionais para latitudes mais baixas, os pais instilam nas crianças preconceitos que se exteriorizam logo no sotaque; as crianças sulistas não perdem o jeito de falar meridional e cristalizam a ideia de que aquele sotaque é mais elaborado, logo, perdê-lo significa involução. No entanto, a evolução na linguagem não está relacionada com o sotaque, mas, com a profundidade do encadeamento das ideias, de modo a tornar mais explícitos conceitos que demonstram uma visão de mundo mais ampla. Obviamente, os filhos imitam os pais, sendo que na linguagem é inevitável, porém, crianças absorvem naturalmente a cultura que os cerca, e na questão do sotaque, se não há absorção daquilo que é comunitário, significa a existência de filtros preconceituosos.

Se para Deus iniquidades são disfuncionalidades em relação ao sistema divino, então, os pais deveriam observar com muita prudência como educam seus filhos, de modo a evitar que sejam iníquos sem que o saibam. Muitas intolerâncias são consideradas inocentes e vão se transferindo de geração em geração. Nos anos 70 do século passado, muitos sulistas brasileiros buscaram alcançar seus objetivos educacionais migrando para a região Norte. Em Belém do Pará, a universidade Federal atraiu muitos estudantes que após sua formação universitária voltaram às suas regiões ou permaneceram no Norte e construíram carreiras, em muitos casos, com brilhantismo. Porém, naqueles idos, os sulistas faziam questão de não absorver quase nada da cultura local. O açaí, a bebida tipicamente paraense, era rechaçada pelos sulistas porque, diziam alguns, tinha gosto de mato. No entanto, alguns sulistas da classe média, que voltaram para suas regiões, e até mesmo estrangeiros que estiveram em Belém, levaram o costume da bebida paraense e forçaram a comercialização do açaí fora do Pará. O açaí ganhou o mundo e hoje, japoneses e americanos, bem como os brasileiros do sul, tomam e estimulam o uso do açaí, fato que tornou o preconceito sulista inicial nulo. Tal episódio exemplifica que iniquidades são puros preconceitos. Desigualdades são oriundas da vontade ser diferente, mas podem ser plenamente superadas.

A proposta do cristianismo é que afastemos as iniquidades influenciando pessoas a um nível de convivência mais elevado. Sempre que são permitidas as iniquidades também são perdidas oportunidades. Misturas culturais podem acrescentar visões de mundo mais inteligentes. Preconceitos somente levantam barreiras que produzem separação e litígio.

A principal premissa do reino de Deus é o relacionamento fluido entre os seres humanos. Em Lamentações 4:6 vemos como Deus enxergou o preconceito ou iniquidade em Israel: “Porque maior é a iniquidade da filha do meu povo do que o pecado de Sodoma, a qual foi subvertida como num momento, sem que mãos lhe tocassem. Também, em Ezequiel 16:49 aparece o profeta ratificando a consequência da iniquidade quando diz: “Eis que esta foi a iniquidade de Sodoma, tua irmã: Soberba, fartura de pão, e abundância de ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado”. A primeira advertência é contra a soberba que enraíza a iniquidade. Quanto mais iniquidades, mais problemas e mais juízos. A segunda advertência vem pelo excesso de comida; não há problemas em colheitas fartas, mas, em armazená-las para si, pois o texto termina informando o desprezo pelos necessitados como o motivo da destruição.

As iniquidades são de vários matizes, os quais deverão ser evitados pelos cristãos. Aliás, ao invés de serem assimilados pela sociedade desigual deveriam liderar uma tomada de posição por uma sociedade melhor, porque Deus deseja que os cristãos formatem a sociedade sem iniquidades, e punirá os cristãos se falharem, tal qual está na história sagrada. Há intolerância racial, intolerância regional, intolerância religiosa, intolerância laboral por causa do sexo, intolerância cultural, intolerância social, intolerância de aparência, entre outras. Todas são formas de iniquidades. O dever de cada cristão é operar em sua esfera de influência para diminuí-las.

A principal tarefa do cristianismo é tornar mais similares todos os seres humanos que o pecado desfigurou e que foram criados à semelhança de Deus. O fator de risco que produz a disfuncionalidade social é a desigualdade educacional. Não é suficiente matricular crianças em escolas, mas garantir-lhes educação equivalente qualquer que seja a escola. Além disso, assegurar não somente qualidade acadêmica, mas, que os princípios do cristianismo não sejam suplantados pelo ensino humanista que submete nosso sistema educacional. O sistema humanista prega isonomia social, mas, em nome da igualdade descarta os valores cristãos que necessariamente levam ao equilíbrio social, pois o humanismo reforça o sistema predador da competição. Escolas cristãs são instâncias de formação que preparam quem dominará o mundo; se estiverem preocupadas somente com a qualidade acadêmica falharão na sua missão de conduzir o mundo ao equilíbrio social, o qual somente é alcançado na ausência das iniquidades.