quinta-feira, 24 de maio de 2018

Religação Requerida pela Religião



Muitos cristãos têm uma leitura danificada pelo misticismo a respeito do procedimento religioso. Seu comportamento não aponta segurança, por força de exagerada demonstração de espiritualidade, que vai muito além do próprio conceito bíblico, tornando a religião um ideal pouco prático.

Na verdade, de acordo com as escrituras sagradas, bem como a revelação deixada pelo comportamento de Jesus quando viveu entre nós, a religação com Deus e seu Reino se dá pela via da cooperação entre Deus e os homens, mas também entre os próprios homens.

O conceito de cooperação está logo no capítulo primeiro do livro de Gênesis, onde vemos a elaboração da criação como um ato conjunto da trindade: façamos. Aliás, essa cooperação entre os membros da trindade expressa, com toda ênfase, o princípio da Lei dos dez mandamentos, onde a cooperação é uma ordenação que comanda colaboração com Deus e cooperação entre os homens. A ação conjunta da trindade é, além disso, ressaltada, por exemplo, quando da intervenção, após dilúvio, na torre de Babel (Gên.11:7). Mas, a ação mais espetacular da trindade deu-se na encarnação de Jesus, seu nascimento, desenvolvimento, sacrifício e ressurreição. Em todos os momentos da experiência  vivida por Jesus na Terra, havia uma ligação infringível da trindade na consecução do plano para redenção para os homens. No capítulo 16 do evangelho de João, Jesus demonstra a atuação cooperativa da trindade de uma forma evidente, ensinando como se dá a administração celeste e qual o ideal para os homens.

Já na criação, no jardim do Éden, ao determinar a função humana, a Adão foi dada a responsabilidade de cuidar do jardim. Nessa ordem pode-se ver que a dinâmica imposta por Deus determinou que deveria necessariamente haver cooperação entre Deus e o homem. Deus criara o mundo físico, obedecendo a claros padrões de cooperação (Salmos 19:2), mas ao homem caberia a conservação do mundo físico e a criação do mundo social, obedecendo os mesmos critérios. E assim foi. Quando Adão despertou do sono e foi-lhe entregue a sua mulher, ele exclamou: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada” (Gên. 2:23), significando que ele iria cooperar com ela. Porém, logo após a queda, Adão mostrou comportamento oposto, quando disse que “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi” (Gên. 3:12), demonstrando que a cooperação parecia estar extinta.

Desauxiliar, desassistir, foram os verbos que entraram em ação após o pecado ter entrado na criação de Deus. Um bom exemplo é o dos irmãos Caim e Abel. Quando foram oferecer um culto a Deus, ficou evidenciada a desfiguração da obra da criação. Caim matou Abel e em seguida, Deus dialoga com Cain: (Gên.4:9) “E disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?” Na resposta de Caim encontra-se o resultado de um novo estado moral; ausência da Lei de Deus, ambiente de desauxilio.

Na situação pós pecado, o assunto da cooperação não ficou preterido, mas foi salientado através do culto sacrifical. Os altares erguidos eram obras do homem, mas o cordeiro imolado era obra de Deus. É importante deixar sempre manifesto que a Lei de Deus requer cooperação, assim, todos os atos religiosos, ou seja, os que produzem a religação com Deus, são atos cooperativos entre criador e criatura, uma exigência do sistema de administração divino.

Quando da construção do santuário, Deus atuou oferecendo o modelo ou a planta do edifício, com todos os utensílios obrigatório, mas ao homem coube o gerar os recursos necessários, o desenvolver da obra dos artífices, os quais foram abençoados com dotes especiais por Deus, assim a construção do edifício portátil deu-se da melhor forma. A dobradinha Deus-homem explicitamente operada resultou na aceitação por Deus daquele espaço feito pelo homem. Mas, muito além do edifício, todo ritual do santuário era uma cooperação entre Deus e os homens. O raciocínio que comandava os principais rituais tinha na cooperação o motivo e a força.

Três eram os principais sacrifícios oferecidos no santuário: O sacrifício pelo pecado, o sacrifício queimado ou holocausto e as ofertas pacíficas.

O sacrifício pelo pecado, uma dádiva de Deus, era oferecido somente em ocasiões especiais. Era o sumo sacerdote na condição de representante de Deus quem o oferecia, para o caso de pecados que não eram conscientemente cometidos. Algumas ocasiões onde fora oferecido: no Éden, logo após a queda; na inauguração do tabernáculo; no dia da expiação; nas três principais festas (Dia da Expiação, Ano novo, festa das cabanas).

O sacrifício queimado ou holocausto estava na responsabilidade do homem; era oferecido diariamente (manhã e tarde) pelo sacerdote para cobrir as faltas do povo, no caso de não ser possível ao israelita oferecer imediatamente um holocausto pelo pecado conhecido. Todavia, o pecador teria que, pelo menos uma vez ao ano, espontaneamente oferecer seu holocausto pessoal. Colocando as mãos sobre a cabeça do cordeiro, transferia ao cordeiro a sua culpa. O sacrifício era totalmente queimado, simbolizando o total arrependimento do pecador. Agora chamamos a atenção para a equação montada pela providência de Deus e pela ação humana; o primeiro sacrifício era de Deus, o segundo era do homem. Tal soma produzia o terceiro termo do silogismo matemático, ou seja, após a execução dos dois sacrifícios deveria ocorrer o terceiro sacrifício chamado de oferta pacífica. Este simbolizava a religação entre Deus e o homem. Neste sacrifício havia a comemoração da paz. O pecador oferecia bolo feito de flor de farinha e vinho, elementos que eram compartilhados com o sacerdote e com os amigos. Os três sacrifícios desenvolviam o que a Bíblia chama de expiação, um processo no qual vemos a cooperação exigida pelo princípio da Lei que embasa o governo de Deus.

Quando Jesus esteve pessoalmente entre os homens, várias vezes ensinou o princípio da cooperação Deus-homem.  Quando um jovem rico O procurou depois de Jesus ter proferido o famoso discurso ao lado do mar da Galileia, perguntando “Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?” (Mat.9:16-23), Jesus demonstrou com muita ênfase a cooperação que ele deveria buscar com Deus, guardando os mandamentos, depois Ele ensinou como deveria ocorrer a cooperação entre os homens. Mas o jovem não ficou feliz, uma vez que não acolhera a cooperação entre semelhantes. Em outra ocasião quando Jesus entrava em Jericó, um homem chamado Zaqueu foi privilegiado com uma visita de Jesus. No término da conversa (aliás, o relato mostra apenas Zaqueu falando (Lucas 19)) Zaqueu diz: “Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado”. Então Jesus dialoga dizendo: “Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão”. Aqui manifestamente Jesus explica que a cooperação é o motivo do Seu Reino. O roubo havia retirado Zaqueu da comunhão com Deus e com o próximo, mas agora a religação havia ocorrido. No milagre da multiplicação dos pães narrado no evangelho de João (capítulo 6), há um diálogo onde Jesus parece examinar se a cooperação estava compreendida pelos discípulos.  Ele pergunta a Filipe: “Onde compraremos pão, para estes comerem? Mas dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o que havia de fazer”. A resposta de Filipe dá ares de que havia um pouco de dúvidas: “Duzentos dinheiros de pão não lhes bastarão, para que cada um deles tome um pouco”. Tal quantidade de dinheiro era o pagamento por um ano de trabalho assalariado. Filipe como que demonstra que seria necessária uma fortuna e muito trabalho para alimentar a multidão. Porém, André parece ter compreendido estar na presença do grande legislador dos Dez Mandamentos e exclama: “Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas que é isto para tantos?” Jesus percebendo a dimensão da fé manada que todos se assentem “tomou os pães e, havendo dado graças, repartiu-os pelos discípulos, e os discípulos pelos que estavam assentados; e igualmente também dos peixes, quanto eles queriam”. Outra vez ensinou e demonstrou que no seu universo o natural são as ações realizadas por Deus e por suas criaturas, e sempre que a cooperação Deus-criaturas acontece, grandes feitos são realizados.

O grande apóstolo Paulo, em sua carta aos Filipenses (capítulo 2:12) exorta que “assim também operai a vossa salvação com temor e tremor”, ou seja, contribuam com Deus pois a salvação ocorre a partir da cooperação Deus-homem. A graça ou o conhecimento dado por Deus conduz a boas obras (Rm 6:11-16). Desta forma, as obras são a consumação da graça que efetua nossa salvação (Rm 6:18; 2Co 6:1). O SDA Bible Commentary explicando Filipenses 2:12, diz o que segue: “Muitos são atraídos ao cristianismo, mas não estão dispostos a preencher as condições pelas quais a recompensa do cristão pode ser alcançada. Se pudessem obter a salvação sem esforço, estariam mais que felizes em receber tudo o que o Senhor poderia lhes dar. No entanto, as Escrituras ensinam que cada pessoa deve cooperar com a vontade e o poder de Deus”.

A compreensão do sistema administrativo divino levará a um novo sistema religioso. Muitos de nós pensamos que Deus está muito longe e que a religião deve ser um meio muito diáfano e etéreo de comunicação com Deus. Por essa razão o misticismo pode muito explicar como proceder. Mas, diferentemente desse raciocínio, a religião (religação) verdadeira estabelece um serviço de cooperação Deus-homem, o próprio sistema celeste de administrar. É claro que Deus é maior que qualquer criatura, assim, o que o homem não pode fazer Deus faz, mas é imprescindível a cooperação. A salvação não é pelas obras, mas deve ser desenvolvida. Ela decorre apenas da mediação de Cristo, mas é vivida por cooperação pessoal. Por mais que reconheçamos nossa profunda dependência dos méritos, da obra e do poder de Cristo, também devemos estar cientes de nossa obrigação pessoal de viver diariamente, pela graça de Deus, uma vida coerente com os princípios divinos.

Qual a obra que o homem pode fazer? Na igreja cristã atual há em sua dinâmica ocasiões para cooperar com Deus (através dos dízimos, por exemplo) como também cooperar com o próximo (ajudas de qualquer ordem e ofertas missionárias, por exemplo), são essas cooperações que dão o verdadeiro caráter da religação promovida pela religião. Em Mateus 25:31-46 encontramos as características daqueles que estarão religados a Deus e, consequentemente, serão levados com Ele às mansões eternas, mas também estão relatadas as características dos que não serão religados: “E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas; E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?  E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

 Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos; Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes. Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos? Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim. E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna.

Qualquer sistema religioso que não estiver ensinando e praticando a cooperação Deus-homem não é digno de confiança e deverá ser abandonado. Qualquer sistema religioso que estabeleça o serviço a Deus como meio, em muitos casos repleto de misticismo, para atingir benefícios pessoais sem a necessária preocupação com a prática da justiça, ou o bem estar do próximo, é necessariamente falso.