quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Relatos desastrosos de pessoas dissimuladas

Nosso limite histórico-temporal impõe algumas aflições intelectuais. Não sabemos nada sobre a origem do universo, por exemplo, temos algumas suposições apenas. Em razão de que a mente humana não aceita que perguntas fiquem sem respostas, em muitos casos, inventam-se fábulas; o big bang ou a explosão inicial é uma destas fábulas. Por que são fábulas? Porque não há registro testemunhal. Nenhum ser humano ou ET esteve no início,  para trazer um relato testemunhal. 

Para os cristãos Deus tem sua existência à parte do universo. Nem poderia ser confundida a existência de Deus com o universo, pois Deus o criou, portanto, Deus mesmo não é parte do universo. Comentaristas dizem que Deus entrou no universo para poder interagir com a sua gloriosa criação. Portanto, Deus fez uma concessão tornando-se imanente ao universo.

O limite intelectual humano sobre as origens do universo e outros assuntos somente é ultrapassado na Bíblia, livro que o cristianismo afiança ser dado por Deus como revelação formal, sendo a única fonte de informações sobre momentos históricos nos quais não há testemunho humano porque simplesmente não existiam humanos.

Um desafio intelectual gigantesco, mesmo tendo a Bíblia, é a origem do pecado. A própria Bíblia chama de mistério do pecado. O relato bíblico diz que um anjo muito elevado, chamado de querubim cobridor, originou o mal no céu (Ezequiel 28:13-19). Como aconteceu? o que sabemos é apenas o relato do profeta Ezequiel: “Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; [...] pela multidão das tuas iniquidades, pela injustiça do teu comércio profanaste os teus santuários[...]”. Então, o elevado status do querubim o fez pensar que ele era superior, constituindo a iniquidade no céu. Também o texto informa que pela injustiça ocorreu a profanação ‘dos santuários’, ou seja, houve a transgressão de princípios e regras, violação e infração dos valores do reino de Deus.

Bom, por que um querubim se torna o violador mor dos valores? O  texto do profeta Ezequiel diz que foi por causa da posição exercida por esse querubim, ele era o querubim cobridor. Era o mais excelso dos seres criados, e o mais elevado incumbido de revelar os propósitos de Deus para o universo. Temos uma noção da tarefa do querubim cobridor, olhando para os dois anjos que estavam na tampa que cobria a arca da aliança no tabernáculo israelita, o propiciatório. As asas estendidas simbolizavam a proteção oferecida à lei que estava dentro da arca. Para aquele querubim estava reservada a tarefa de explicar os propósitos de Deus e o alcance da lei do governo divino. Por essa razão, Deus havia dotado ao querubim cobridor de muita sabedoria. Porém, o texto de Ezequiel explica que o referido querubim tomou como inerente a si mesmo toda virtude originada por Deus, tornando-se, consequentemente, a iniquidade original. Passou então a cobiçar a posição de comandante supremo.

O universo fora criado tendo como fundamento a justiça. Portanto, não se achou mais lugar para o querubim que cobria ou protegia o fundamento do Reino de Deus.

No entanto, a expulsão de Lúcifer não ocorreu sem que houvesse a demonstração de justiça e do amor por parte de Deus. Por seu turno, Lúcifer não deixou que sua cobiça fosse percebida por seus comandados, os outros anjos. A dissimulação foi usada para que não percebessem o real caráter que o querubim cobridor havia cultivado. Deus, todavia, percebera a transformação, e esperou até que as ideias e o caráter do querubim estivessem patentes. A dissimulação é a pior situação em que a criatura pode estar. Em tal circunstância, o mal age para produzir descontentamento e revolta. Orgulho, egoísmo, ódio, inveja, ciúme, obscurecem o poder perceptivo porque são deméritos dissimulados e travestidos de bondade e progresso; tal ambiente é profundamente ofensivo a Deus. O texto de Ezequiel capítulo 28 informa que Lúcifer foi tornado cinza e nunca mais subsistirá.

Na Bíblia há relatos desastrosos de pessoas dissimuladas. Um desses relatos descreve a juventude de Jacó (filho de Isaque e Rebeca), cobiçando a primogenitura. Dissimulou-se diante do pai fazendo-se parecer Esaú. O resultado não foi promissor. Porém, depois de alguns anos, Jacó, no regresso à sua terra natal, pede a Deus que o cure do grave problema moral nutrido há muito, e que ainda lhe abençoe com a virtude da integridade.

Outro forte exemplo de dissimulação veio do rei Saul. O texto bíblico narra que Saul era de porte formoso, mas de intelecto muito pequeno e deficiente em conhecimento. Deus concedeu ao rei o Espírito Santo e instruções específicas e, como consequência, ele obteve melhor compreensão política e mais capacidade de análise tática e militar. Saul, entretanto, pensou que as virtudes desenvolvidas eram produto de sua capacidade mental e passou a pensar e decidir de forma autossuficiente, sem consultar a Deus e ao profeta Samuel. Todos os comandos de Deus tiveram sua análise pessoal e foram reformulados ou não cumpridos. Saul resolveu realizar serviços sacerdotais em Gilgal ultrapassando as fronteiras do cargo real como resultado da avaliação pessoal sobre o que estava acontecendo. Não satisfeito com as ordens dadas através do profeta, se atreveu à exaltação própria e desonrou a Deus pela incredulidade e desobediência. Completado um ano de reinado aconteceu a rejeição de Saul por Deus para o cargo, morrendo em seguida em batalha. Saul dissimulava obediência e persistiu obstinadamente na justificação própria.

A dissimulação leva à separação de Deus. A tarefa de todo cristão é buscar a integridade. Orações precisam ser encaminhadas a Deus para que a virtude da integridade possa ser adquirida. Sempre ocorrerá tragédia enquanto persistir a dissimulação. Enganar é diametralmente oposto ao sistema de Deus. Engano sempre leva a prejuízo, logo, não pode haver solidariedade ao semelhante porque o engano proíbe dependência recíproca.

A escritora Ellen White explica que satanás é cheio de maldade e dissimulação (História da Redenção, p.45), e informa que não deve haver abrandamento da verdade bíblica nem dissimulação pois esse método é satânico (Evangelismo, p.230). Então, tentar atrair pessoas com dissimulações, mudança de identificação, abrandamento dos ritos religiosos pode causar desastre e desonra a Deus. Pior, uma adesão ao caráter do inimigo de Deus. Em tal situação, muitos poderão ser rejeitados.

Voltemos à experiência de Jacó quando trabalhava para seu tio Labão. Jacó sofreu por ser seu tio dissimulado, áspero, enganoso, causando grandes prejuízos emocionais e materiais a Jacó. Um dos maiores pecados no mundo cristão é a dissimulação no trato com Deus. Tomam nas mãos responsabilidades que não são satisfeitas, como se responsabilidades diante de Deus não impusessem nenhuma obrigação. Esta falta de integridade é prevalecente tornando cristãos indignos do nome. “Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil” (Mateus 5:26), é a sentença que no juízo final se ouvirá se não se buscar a integridade e a veracidade.

A dissimulação tem causado prejuízos às comunidades cristãs através dos tempos. Há pessoas que parecem estar operando em reciprocidade, mas, estão agindo por autossuficiência e exaltação. Muitas vezes paralisam projetos importantes e impedem o progresso geral. Operam no planejamento satânico, em muitos casos, sem se darem conta de estarem cooperando com os poderes das trevas. Desde que foi expulso do céu, Satanás e seu exército de confederados têm sido inimigos declarados de Deus em nosso mundo, guerreando constantemente contra a causa da verdade e justiça. Tal empenho tem levado homens a agirem em favor da rebelião contra Deus e tem ganho o mundo para o seu lado. Mesmo as igrejas professadamente cristãs se têm posto ao lado do primeiro grande apóstata. Facções no interior das igrejas são alimentadas, e além disso, cisões e partidarismos são provocados e, às vezes, desastres morais tão intensos que não permitem restaurações. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça...

domingo, 18 de setembro de 2022

Tradições passadas de geração a geração

A igreja cristã está necessariamente ligada à saga dos filhos de Deus em manter viva a chama da verdade através das eras. Cada geração dos filhos de Deus resolveu manter-se ligada aos princípios celestes e manteve seu amor à verdade, fato que levou a geração seguinte a aprender a amar a Deus. Nenhuma geração está obrigada a seguir os critérios da anterior porque é livre para determinar sua própria visão de mundo. Há somente uma força que torna possível que uma nova geração suceda a anterior. O amor com que a antiga geração viveu a sua verdade e, por seu exemplo, ensinou-a aos seus filhos, de modo que eles decidiram segui-la.

Em outras palavras, se fosse perguntado aos atuais filhos de Deus, por que são cristãos? A resposta teria que ser: Nossos antepassados eram cristãos porque seus pais o eram também, assim, nossos avós e os avós dos avós eram cristãos. Por essa razão nosso amor pela verdade cristã sobreviveu e chegou até nós; herdamos uma tradição religiosa daqueles que nos antecederam e vamos segui-la e transmiti-la aos que vêm depois de nós. Ser cristão é ser um dos elos de uma corrente que liga gerações.

Entendese a tradição como um conjunto de sistemas simbólicos que são passados de geração a geração e que tem um caráter repetitivo. A tradição deve ser considerada uma orientação para o passado e uma maneira de organizar o mundo para o tempo futuro. Herança ou legado passado de uma geração para outra. A Tradição é conhecimento deixado por Jesus Cristo e que vem sendo lembrado às várias gerações pelo Espírito Santo quem tem tornado possível a continuidade da experiência das origens.

A principal diferença entre cultura e tradição é que cultura são as ideias, costumes e comportamento social de um determinado grupo social, localizado no tempo e no espaço. Enquanto que a Tradição é a transmissão de uma geração para outra de costumes e crenças originados por causa da graça divina, mas que não estão limitadas no tempo e no espaço.

Os significados acima são importantes por causa do pensamento que desde o renascimento vem formatando a visão de mundo ocidental, ou seja, acreditar que a partir do momento em que escolhemos como viver, estamos livres para nos desvincular do passado.  Pensadores como David Hume (século XVIII), Immanuel Kant (final do século XVIII início do século XIX) e Jean-Paul Sartre (século XX) impuseram uma ótica quase axiomática de que o ser não poderia, em instância alguma, implicar dever. Fala-se de autonomia no centro da vida moral, ou que a escolha da identidade é pessoal e livre de qualquer vínculo com o passado. Para os membros atuais da humanidade a história não determina nosso papel.

A Bíblia diz que o contato que temos com Deus se dá através da palavra. Logo, a Bíblia é nossa fonte autoritativa das tradições. Assim, somos informados que para os cristãos a história de uma única geração não é toda a história. Tal como em música, uma melodia é mais do que uma reunião de notas, assim como um quadro é mais do que um conjunto de pinceladas, a sequência da história compõe um todo, sendo que as vidas individuais escrevem partes do todo, sendo a somatória das vidas formadora do drama em andamento, cujo começo está nas gerações ancestrais e deverá continuar com as gerações futuras, ou seja, o cristianismo é a insistência de que a história tem um significado. Por esse motivo, cada geração e cada indivíduo tem um significado preciso dentro da história do plano da redenção. Somos indivíduos devotados a certas ideias e não átomos flutuando livremente no espaço. Facilmente podemos entender que a geração atual de cristãos tem a solene responsabilidade de não descontinuar a história que ainda não está concluída. Filhos deverão ser ensinados “assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te” (Deut.6:7). A razão para tal preocupação é que cada geração faz parte de universos culturais característicos de cada país, mas, nascemos cristãos, consequentemente, somos herdeiros da história dos nossos antepassados e responsáveis pelo destino que une nossas vidas com as dos antepassados. Não importa onde estamos, mas, o que somos. O fato de termos nascido cristãos não é um fato qualquer, pois somente pode ter acontecido porque dezenas de gerações ancestrais resolveram permanecer cristãs, assim transmitindo nossa identidade aos descendentes, uma notável história de continuidade.

Atualmente parece haver incompreensão dessa jornada, uma vez que as igrejas estão buscando quebrar as tradições. Chama atenção a falta de compromissos assumidos por agentes de um passado recente e que às gerações atuais parece não significar nada. No Brasil, tem-se testemunhado o descompromisso constitucional, por exemplo. Tal situação é muito desequilibradora e causa aflição no presente e fortes suspeitas de infelicidade no futuro. A falta de compromisso com a história é avassaladora. Este clima está ambientando as igrejas também.

A morte da Rainha Elizabeth II do Reino Unido tem ensinado lições importantes sobre as tradições. O funeral de sua majestade consiste em um processual rigoroso. Mentes simples não conseguem aquilatar o significado de cada passo das exéquias. Parece que as ações são exageradamente realizadas com metodologia complexa e exata. No entanto, cada passo no processual reflete o nível civilizatório dos cidadãos do Reino Unido. Aquele tipo de ritual é absolutamente único e próprio da realeza britânica e não poderá ser achado em outros países. Tais tradições identificam os ingleses.

A tradição deve ser considerada uma orientação para o passado e uma maneira de organizar o mundo para o tempo futuro. Se para uma Rainha morta o processual é rigorosamente executado, o que diremos sobre o processual para um Deus que está vivo e que determinou como deseja ser cultuado? Será que a atual geração de cristãos tem o direito a mudar as tradições confundindo cultura com tradição? Confundindo modernidade com tradição? O que poderá resultar de ações que anulam as tradições cristãs? Há tradições sendo anuladas nos rituais dos cultos a Deus. Há tradições sendo anuladas na maneira como a geração atual ensina os filhos sobre as mesmas tradições. Há passos sendo tomados sem a sabedoria necessária para atender comandos divinos que são anulados porque as fábulas humanísticas-cientificas atuais são fascinantes e parecem mais adequadas que as tradições bíblicas. Difícil imaginar que a atual geração será a que anulará a tradição que vem senda tenazmente mantida pelas gerações anteriores, tornando-se responsável por um desastre.