sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A única forma de cruzar o abismo entre o finito e o infinito

O sistema religioso supõe poder mediar as relações entre a humanidade e Deus. Nesta ação, as religiões lidam com um nível crítico de subjetividade que é, na maioria dos casos, frustrante para o fiel, pois este não alcança o desenvolvimento espiritual que imagina estar a sua disposição no âmbito confessional abraçado. Há, portanto, um embaraço que pede uma solução. O que fazer?

Dois conceitos são importantes para que possamos traçar algum norte: Transcendência e Imanência. O primeiro vem do latim transcendo e significa passar subindo, atravessar, ultrapassar, transpor; transcendente significa que Deus está completamente além dos limites cosmológicos. Neste sentido Ele é completamente imprevisível; há ocasiões em que Ele pode punir ou perdoar, galardoar ou subtrair e, para a humanidade, é necessária a experiência da confiança que, na maioria das vezes vem da previsibilidade. Por outro lado, o conceito de imanência defende que Deus é uma manifestação e está totalmente presente no mundo e nas coisas que cercam ao mundo. Assim, para a humanidade, a imanência é mais pragmática e tem se mostrado útil no trato das coisas religiosas, considerando que nas religiões antigas, as divindades criadas pela humanidade são uma espécie de mediação que funciona no terreno físico, com imanência clara. No caso do cristianismo, ter um Deus que está além da realidade humana, cujo poder é tremendo causa uma espécie de inquietação que desfavoreceu o contato entre Deus e a humanidade. Poderia o Deus de Abraão, Isaque e Jacó ser transcendente e imanente ao mesmo tempo?

A resposta a esta questão encontra-se no episódio do bezerro de ouro (Êxodo 32). Deus comanda Moisés para preparar o povo para encontrar-se com Ele no pé do monte Sinai. No momento aprazado, Deus se manifesta de forma poderosa e fala pessoalmente a todo povo. Porém, os israelitas ficaram muito assustados com a possibilidade de morte coletiva e solicitaram a Moisés que intermediasse e não Deus falasse diretamente. Aqui está uma situação muito crítica, mas esclarecedora da relação entre a humanidade e Deus; a transcendência de Deus é assustadora. Há uma impossibilidade entre seres que estão dentro do universo e um Deus que o transcende, porque Ele é muito maior do que as criaturas, está em todos os lugares e além da realidade humana. Assim, Moisés torna-se o mediador entre Deus e os israelitas. A razão é que Moisés é imanente e estando dentro da realidade do povo isto o torna previsível.

Moisés sobe ao Monte Sinai e fica ausente por muito tempo, o suficiente para causar insegurança no povo. Com um Deus imprevisível logo ali no Sinai e Moisés ausente, o povo entrou em depressão e desespero por ver-se sem mediação. Consequentemente, aglutinaram-se em torno de Arão, o líder substituto, e pressionaram por uma solução. Então, Arão fabricou o bezerro de ouro, o qual não representava um ídolo, mas a intermediação necessária, uma solução buscada por causa da longa vivência no Egito, onde os deuses estavam próximos sendo imanentes com a natureza.

Moisés no cume do Sinai não percebeu o que sucedera. Deus foi quem tangeu Moisés a descer e buscar ver de perto o desastre moral ocorrido. Moisés imediatamente intercede pedindo que Deus perdoe o povo. Depois desce, vê a cena, joga as tabuas da lei quebrando-as, queima o bezerro e o transforma em pó, mistura o pó com água e obriga a todos beberem, separa os levitas e executa a punição dos culpados. Então retorna a Deus e novamente intercede por perdão ao povo. O que acontece posteriormente não é de compreensão simples; começa com Deus comandando o povo levantar acampamento e prosseguir sua jornada em direção a terra prometida. Porém, Deus diz que não iria mais no meio deles (Ex. 33:1-3), ao invés disso, enviaria um anjo diante deles. A leitura bíblica deixa transparecer que Deus viu perigo em estar perto do povo, dada a sua tendência em provocar-Lhe a ira. Mas, quando o povo ouviu que Deus não iria no meio deles ficou em extrema angustia.

Logo após, Moisés moveu a sua tenda para fora do acampamento. Era a referida tenda o lugar onde a nuvem que acompanhava o povo baixava quando Moisés lá estava e, consequentemente o lugar onde Deus falava com Moisés, por essa razão era chamada a tenda da reunião. Ali, começou um diálogo entre Moisés e Deus, quando Moisés argui sobre a possibilidade de reconsideração da decisão de Deus em não ir com o povo: “Então lhe disse: Se tu mesmo não fores conosco, não nos faças subir daqui” (Êxodo 33:15). Daqui em diante vemos uma interlocução sobre algo que parece metafísico, sobre a natureza divina, Moisés fala sobre a face, sobre os caminhos e sobre a glória de Deus. Então Deus coloca Moisés dentro de uma fenda na rocha e passa diante dele. Tal foi a impressão causada em Moisés que exclamou: “O SENHOR, o SENHOR Deus, misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado; que ao culpado não tem por inocente; que visita a iniquidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até à terceira e quarta geração” (Êxodo 34:6-7). Estas palavras ficaram conhecidas como os treze atributos da misericórdia.

Duas coisas nos chamam a atenção neste episódio: Por que Moisés discutiu pontos tão críticos de teologia enquanto o povo vivia a mais intensa crise de relacionamento com Deus? Por que, justamente antes disso, ele moveu a sua tenda para fora do acampamento? Parece haver uma história dentro da história que necessita ser levantada.

Uma vez que o episódio do bezerro de ouro estava superado, Moisés proferiu a mais audaciosa oração, de tal modo que a Torá nos mostra apenas alguns fragmentos, forçando-nos a completar a narrativa. O Rabbi Jonathan Sacks, em seu livro sobre Levítico completa dizendo que Moisés teria argumentado assim: “Soberano do universo, eu movi a minha tenda para fora do acampamento para sinalizar que não é a minha distância do povo a causa do problema. É a Sua distância. A maneira como os israelitas poderiam vivencia-Lo com o Senhor assim distante é como uma força terrificante e esmagadora. Eles presenciaram como o Senhor forçou o mais poderoso império no mundo a ficar de joelhos. Eles testemunharam o Senhor tornar o mar em terra seca, mandar alimento do céu e tirar água da rocha. Eles sabem que ninguém poderá vê-Lo e viver. Eles também sentiram que ninguém poderá ouvi-Lo e viver. Quando o Senhor se revelou a eles na montanha, clamaram a mim dizendo: fala conosco e nós ouviremos, porque se Deus falar conosco, morreremos. Quando fizeram o bezerro de ouro, mal orientados como estavam, pensaram numa maneira de encontrar Deus sem terror. Eles necessitam do Senhor próximo”.

Moisés arguiu Deus sobre a sua transcendência quando discutiu teologia falando da face, dos caminhos e da glória de Deus, parâmetros fundamentais do relacionamento entre a divindade e a humanidade. Poderia Deus se relacionar com a humanidade não somente dos céus, mas, no meio do povo no acampamento? Como poderia alguém dentro do universo começar a compreender alguém que estava além do universo?

A mais profunda crise experimentada no episódio do bezerro de ouro aconteceu porque Moisés era a única conexão entre o céu e a terra. A sua ausência trouxe terror.

Agora, chamamos a tenção para outro fato. Quando os israelitas deixaram o Egito levaram consigo o alfabeto, considerado o maior tesouro que poderiam ter carregado. O alfabeto tornou possível a comunicação entre eles e o mundo e tornou-se a resposta ao fundamental problema da comunicação com Deus. Palavras são a única forma de cruzar o abismo entre o finito e o infinito, entre os humanos finitos e um Deus infinito. Deus falou a Adão, Cain, Noé, aos patriarcas e a Moisés.

Deus respondeu a Moisés dizendo: “E me farão um santuário, e habitarei no meio deles”. O edifício sagrado tornou-se o lar de Deus entre os homens, de lá a sua palavra foi ouvida pelo povo e deu-Lhes a Torá. Ao longo das eras tem Deus se comunicado com homens através da escrita. A leitura da Bíblia, a palavra de Deus, coloca a humanidade em contato com Ele, o fosso entre os céus e a terra foi aterrado e temos a presença de Deus diretamente conosco. Por essa razão, a leitura constante da palavra escrita nos permite ouvir Deus, dialogar com Ele e, se o ouvirmos e praticarmos seus comandos, seremos transformados à semelhança Dele. Todo o processo religioso deve necessariamente levar à transformação, a qual vem pelo ouvir. Nossa ligação com o céu não ocorre num plano místico, mas na leitura da palavra e na obediência a ela.

Na própria Bíblia há recomendações explícitas sobre a leitura e a prática, como por exemplo em Josué 1:8 “Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido”; Josué 23:6 “Esforçai-vos, pois, muito para guardardes e para fazerdes tudo quanto está escrito no livro da lei de Moisés; para que dele não vos aparteis, nem para a direita nem para a esquerda”; I Reis 2:3 “E guarda a ordenança do SENHOR teu Deus, para andares nos seus caminhos, e para guardares os seus estatutos, e os seus mandamentos, e os seus juízos, e os seus testemunhos, como está escrito na lei de Moisés; para que prosperes em tudo quanto fizeres, e para onde quer que fores”. Finalmente o apóstolo Paulo recomenda em Romanos 15:4 “Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança”.


Através das Escrituras Sagradas o Deus transcendente torna-se imanente e podemos tocá-lo. Por outro lado, Deus dá à humanidade algo que é próprio Dele, o dom maravilhoso da fala e da escrita, assim, torna possível um tipo de mediação que não termina com ausência de um mediador. Embora saibamos que Deus é poderoso e terrível em força, podemos nos aproximar dEle sem medo através da sua palavra e dialogar diretamente com um Deus que está muito além da humanidade.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O projeto de Deus para a colonização da Terra

(Este texto foi escrito para o sexagésimo aniversário do Templo Adventista do Sétimo Dia da Cachoeirinha,  Manaus, AM)

O projeto de Deus para a colonização da Terra, após a criação, tinha como modelo o Jardim no qual fora colocado o primeiro casal. Ali estava diante de Adão e Eva o livro da natureza, que estendia suas lições vivas, ministrando uma fonte inesgotável de instrução e deleite.

A criação necessitou sete dias para sua conclusão. A cada passo, ou seja, a cada dia terminado Deus checava a sua obra:  “e viu Deus que era bom”. Em cada elemento criado estava a glória de Deus, o seu caráter estava em tudo, a sua lei trabalhava com orientador de todas as dinâmicas bióticas e abióticas.

“O Jardim do Éden era uma representação do que Deus desejava se tornasse a Terra toda; e era Seu intuito que à medida que a família humana se tornasse mais numerosa, estabelecesse outros lares e escolas semelhantes à que Ele havia dado. Dessa maneira, com o correr do tempo, a Terra toda seria ocupada com lares e escolas em que as palavras e obras de Deus seriam estudadas e onde os estudantes mais e mais ficariam em condições de refletir pelos séculos sem fim a luz do conhecimento de Sua glória” ( Ellen White, Educação p.21).

Demonstramos aqui o modelo escolhido por Deus. Porém, uma pergunta se levanta quando lemos sobre o projeto de colonização: Teria o modelo escolhido por Deus permanecido de lado após a queda do homem?

“O método de educação instituído ao princípio do mundo deveria ser para o homem o modelo durante todo o tempo subseqüente. Como ilustração de seus princípios, foi estabelecida uma escola-modelo no Éden, o lar de nossos primeiros pais. O Jardim do Éden era a sala de aulas; a Natureza, o manual; o próprio Criador, o instrutor; e os pais da família humana, os alunos” (Educação p.21).  Se o método estabelecido deveria ser para todos os tempos subsequentes, então, onde esse modelo vigorou?

Depois da queda e consequente saída do primeiro par do Jardim, Deus estabelece uma variante do sistema implantado inicialmente. Considerando que a natureza também foi atingida pela queda moral do homem, tornando-se hostil e, em muitos casos, assustadora, o estudo das palavra e obras de Deus passou a ser garantido pelos patriarcas bíblicos, dos quais há muita informação não somente na Bíblia, mas na literatura teológica. Esses homens detinham conhecimento e ensinavam suas casas, as quais representavam as famílias e os demais agregados. Esse modelo era, portanto, a continuação do Jardim; cabia ao patriarca entender a vontade de Deus e utilizar o livro da natureza para elucidar o Seu caráter.

A era patriarcal deu sequência ao estabelecimento da nação israelita, através da qual Deus deveria ser dado a conhecer para o mundo. O plano de Deus para Israel era que as nações da Terra deveriam observar o modelo de desenvolvimento sócio-religioso e, com admiração, se chegariam a Israel e ao seu Deus. Neste aspecto, Israel era o Jardim ou o modelo que deveria provocar um efeito multiplicador cujo objetivo era encher a Terra. Todavia, Israel não cumpriu cabalmente seu papel, mas, não se pode dizer que não influenciou o mundo. Todo o sistema moral que está em vigência, pelo menos no mundo ocidental, tem como pano de fundo os princípios judaicos. Além disso, o pensamento filosófico originado a partir do século XVIII tem o protagonismo judaico o qual influenciou profundamente o comportamento sócio-político do mundo. Todavia, o conhecimento de Deus e da excelência do Seu caráter para a salvação dos homens deixou de ser ensinado, uma vez que os israelitas se fecharam em si mesmos, com sentimentos de insegurança, em muitos casos, ou de exclusivismo em outros.

O Judaísmo foi substituído, como modelo, pelo cristianismo. O jardim muda de lugar e, mediante Cristo, podemos contemplar a face de Deus e ter comunhão com Ele através da cópia do proceder de Jesus. Este nos permite contemplar a Deus. A "iluminação do conhecimento da glória de Deus" é revelada "na face de Jesus Cristo". II Cor. 4:6. Deus está "em Cristo reconciliando consigo o mundo". II Cor. 5:19. Assim, o mundo que não mais enxergava a excelência moral de Deus, através de Cristo passa a ter um portal para o estudo do caráter daquele que comanda o universo.

O estabelecimento da igreja cristã foi o prosseguimento do plano divino que começou no Éden. A igreja cristã é uma escola com salas de aulas onde a imagem e glória de Deus deveria ser plasmada nos homens. Todas as faculdades do espírito e da alma deveriam ser treinadas para refletirem a glória do Criador. Favorecidos com elevados dotes espirituais e mentais, os cristãos foram feitos um pouco menores do que os anjos (Heb. 2:7), para que não somente pudessem discernir as maravilhas do universo visível, mas também compreender as responsabilidades e obrigações morais. A igreja cristã tal como concebida por Deus ou o Jardim do Éden é uma representação do que Deus deseja se torne a Terra toda; e é Seu intuito que à medida que a família cristã se torne mais numerosa, estabeleça outras igrejas semelhantes à que Ele havia dado. Dessa maneira, com o correr do tempo, a Terra toda será ocupada com lares e escolas em que as palavras e obras de Deus sejam estudadas e onde os estudantes mais e mais ficarão em condições de refletir a luz do conhecimento de Sua glória.

As assertivas acima não refletem a realidade religiosa cristã. As comunidades religiosas não estão interessadas em princípios morais elevados, mas, em encontrar um protocolo que lhes permita ter os benefícios das bênçãos sem o compromisso moral consequente. Buscam prosperidade material com fins egoístas, uma situação moral oposta àquela encontrada no Jardim do Éden. Plantar novas igrejas é para o mundo cristão sinônimo de prosperidade econômica e não de prosperidade moral. Há um aparente empenho no conhecimento da glória de Deus, mas, na realidade há grandes interesses humanos.

Em 1844 Deus fez mais um cometimento para manter um jardim no mundo. Com a proclamação das três mensagens angélicas, portanto, no devido tempo profético aparece o movimento Adventista, justamente após o caos de fé provocado pelo grande desapontamento. Aos adventistas foi dada a missão de proclamar que o estudo do caráter de Deus é tarefa urgente, pois chegou o tempo em que Deus julgará a Terra. 

Estamos vivendo uma verdadeira confusão (Babilônia) religiosa, onde proliferam igrejas cristãs de múltiplos matizes e méritos, boa parte nascidas por presunções egoístas. Mas, é hora de buscarmos a excelência moral pois a avalanche de corrupção que está se sobrepondo ao mundo busca tragar a todos. Igrejas cristãs são Jardins escolas cuja finalidade é encher a Terra com a luz do conhecimento da glória de Deus e, por esse motivo, são bastiões ou cidadelas de excelência moral, uma contracultura do bem para que a glória de Deus cubra a Terra.

Em seu sexagésimo aniversário, a Igreja Adventista do 7º Dia da Cachoeirinha precisa assumir protagonismo no antagonismo ao rebaixamento moral do nosso tempo. Tal como cidadela da excelência e da equidade, deve nossa comunidade anunciar as virtudes daquele nos tirou das trevas e nos colocou em sua maravilhosa luz. É nosso dever estabelecer a justiça, a paz e a igualdade de oportunidades, uma consequência de nossa defesa da guarda da lei de Deus. Não deveríamos sair dessa reunião sem um pacto pela alegria mais elevada por um mais dilatado serviço no mundo.   Refletindo, como um espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória." II Cor. 3:18.

sábado, 22 de agosto de 2015

O sonho dos feixes curvados

Em Gênesis 37:5-8 a Bíblia nos conta sobre um sonho que José, filho de Jacó, tivera e que narrara aos seus familiares: “Teve José um sonho, que contou a seus irmãos; por isso o odiaram ainda mais. E disse-lhes: Ouvi, peço-vos, este sonho, que tenho sonhado: Eis que estávamos atando feixes no meio do campo, e eis que o meu molho se levantava, e também ficava em pé, e eis que os vossos feixes o rodeavam, e se inclinavam ao meu molho. Então lhe disseram seus irmãos: Tu, pois, deveras reinarás sobre nós? Tu deveras terás domínio sobre nós? Por isso ainda mais o odiavam por seus sonhos e por suas palavras”.

No domínio da teologia judaica há um aviso importante sobre os fatos narrados na Torá. Dizem os sábios que se a Torá diz, então deve-se prestar muita atenção. Baseados nessa premissa vamos analisar um pouco do sonho acima.

Na verdade, o capítulo 37 de Gênesis fala de dois sonhos; um ligado ao trabalho no campo, ou seja, às coisas deste mundo e outro onde aparecem o Sol a Lua e onze estrelas, nos informando que as coisas terrenas estão ligadas às coisas dos céus. Do mesmo modo, no sonho de Jacó, era vista uma escada que ligava a Terra ao Céu. Estes sonhos parecem informar que os acontecimentos terrenos não estão desligados da percepção celeste.  No entanto, vamos focar no primeiro sonho de José e tentar ver o que podemos aprender ali e trazer para nossos dias.

O sonho começa com a aproximação de hastes que estavam separadas e foram atadas em feixes. O sonho começa com trabalho, e por este motivo, é útil entendermos o que significa trabalho. Avodá é a palavra que aparece, e esta significa o esforço envolvido no serviço a Deus. O serviço a Deus deve envolver ações físicas que levam à santidade. Deve haver diligente trabalho para satisfazer as exigências da Lei.  Veja bem, no domínio profano não há esforço para o serviço a Deus, há esforço para o serviço egoísta, e no caso do sonho de José todos trabalhavam para juntar feixes.

O Rabi Jonathan Sacks, em sua obra Lições da Torá, narra um episódio sobre o Rebe Maharash, que discutia com os seus dois filhos pequenos sobre as virtudes do judeu, e para demonstrar o seu argumento, ele perguntou ao seu criado: “Bentsion (filho de Sião) – você comeu? Sim, respondeu o servo. Você comeu bem? Estou satisfeito, graças a Deus. Por que você comeu? Para viver. Por que você vive? Para ser um judeu e para fazer aquilo que Deus deseja. Ao dizer isto, o servo suspirou”. Mais tarde o Rebe Maharash disse aos seus filhos: “Vejam, um judeu tem uma intenção espiritual em toda ação física, os próprios atos são espiritualizados.

A história acima traz luz à mensagem contida no sonho de José. O fato de estarem trabalhando e atando feixes significa que num mundo separado de Deus, num mundo de ocultação que é como um campo, as coisas e as pessoas crescem separadas. Esta é a orientação do inimigo, a orientação do ego, que cria a dessemelhança e a separação. No entanto, o cristão deve ir além disso, atando feixes, ou seja, atando como feixes as muitas facetas do próprio ser unificando-as num serviço transcendente ao ego e a separação, num serviço a Deus. Esta é uma tarefa pessoal e intransferível, a qual deve ser auxiliada pela educação, pelo estudo, pela dedicação no aprimoramento moral. A semelhança do servo do Rebe Maharash, que comia para ter saúde e assim servir a Deus, temos obrigação de prover nosso desenvolvimento num mundo físico para poder atuar no serviço a Deus, atando os feixes.

Há ainda uma perspectiva coletiva. O realizar feixes significa que ao cristão foi destinada a tarefa de juntar os dispersos, os homens a serviço do mundo, a serviço do ego, e junta-los em feixes tornando-os unidos para que ao invés de membros individuais atuem em harmonia na direção a um objetivo adequado. Chamamos a atenção para o propósito da Igreja de Deus. Em Romanos 12:3-11 lemos: ”Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um. Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação, assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros. De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria. O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros. Não sejais vagarosos no cuidado; sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor”.

Cabe aos líderes religiosos trabalhar para que os feixes sejam atados. O pastor de uma comunidade, o pai de uma família, todos devem trabalhar para que os feixes estejam construídos. No entanto, a segunda parte do sonho é ainda mais importante. Os feixes depois de atados e adicionados curvaram-se diante do molho de José. Estamos falando do aprimoramento no serviço; o ato de curvar-se ou submeter-se àquilo que é ainda mais elevado do que nós. Os cristãos formam uma unidade como se fossem membros de um mesmo corpo. Assim como um corpo é coordenado somente quando seus músculos obedecem ou respondem às ordens do sistema nervoso central, também a saúde espiritual dos cristãos depende de sua submissão à cabeça que é Cristo. É Ele quem instrui aos cristãos para atuarem em harmonia, em direção ao serviço adequado. De fato, sem a unificação e a submissão jamais poderão os cristãos realizarem o serviço a Deus.


A lição importante extraída desse primeiro sonho de José é que primeiro se deverá atar feixes e depois a submissão.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

O regresso de Jesus postergado?


A grande e feliz esperança dos cristãos é ver a chegada do fim dos séculos com a volta de Jesus a este planeta, conforme a promessa feita por Ele quando depois da sua morte voltou aos céus. Os movimentos religiosos cristãos, baseados nas profecias, têm a preocupação de alertar sobre a proximidade desse evento magnifico, mas há sempre um forte sentimento místico permeando as ações que deverão ser realizadas para esperar o fim.

Em artigo publicado na Revista Adventista (maio, 2008), o Pastor Alberto Timm declara que “...houve pelo menos dois momentos cruciais, no século XIX,  em que o cenário global já estava se preparando para os eventos finais, mas acabou sendo detido por intervenção divina, porque a igreja ainda não estava preparada para se encontrar com Deus”. As datas citadas são 1844 e 1888. Na primeira data, o cenário era o seguinte: os grandes sinais do tempo do fim (Mt 24:29; Ap 6:12-14) já se haviam cumprido {Terremoto de Lisboa (1755); escurecimento do sol e da lua (1780); queda das estrelas (1833)}. Além disso, haviam leis dominicais aflorando nos Estados Unidos entre 1843 e 1844; o mundo cristão se dava conta de um momento solene na história e havia uma expectativa de que algo grandioso iria acontecer. Ellen White escreveu dizendo "Houvessem os adventistas, depois do grande desapontamento de 1844, sustido firme sua fé e seguido avante unidos, segundo a providência de Deus lhes abria o caminho, recebendo a mensagem do terceiro anjo e no poder do Espírito Santo proclamando-a ao mundo, haveriam visto a salvação de Deus, o Senhor teria operado poderosamente com os esforços deles, a obra haveria sido concluída, e Cristo teria vindo antes para receber Seu povo para dar-lhe o galardão”(Evangelismo,p.695). Mas, conforme assinala Timm, o povo do advento deixou de cumprir as expectativas divinas.

A segunda data tem o seguinte cenário: os Adventistas já haviam pregado por 40 anos as três mensagens angélicas, dando ênfase na guarda dos mandamentos e na fé de Jesus. Havia forte energia relacionada ao reavivamento e a reforma necessários para a conclusão da pregação do evangelho no mundo. Novamente leis dominicais surgiam nos Estados Unidos. Outra vez Ellen White escreveu: “O tempo de prova está exatamente diante de nós, pois o alto clamor do terceiro anjo já começou na revelação da justiça de Cristo, o Redentor que perdoa os pecados. Este é o princípio da luz do anjo cuja glória há de encher a Terra." (Mensagens Escolhidas, v.1, p.362). Apesar da proclamação da mensagem do terceiro anjo estar em andamento, a volta de Jesus foi novamente postergada. O que teria acontecido, ou melhor, quais as causas dessas tardanças?

Se a divindade preferiu pospor o grande acontecimento torna-se imprescindível buscar as causas desta reação. Assim, vamos ao profeta para pedir-lhe esclarecimentos: “Por quarenta anos a incredulidade, a murmuração e a rebelião excluíram o antigo Israel da terra de Canaã. Os mesmos pecados têm retardado a entrada do Israel moderna na Canaã celestial. Em nenhum dos casos houve falta da parte das promessas de Deus. É a incredulidade, a mundanidade, a falta de consagração e a contenda entre o professo povo de Deus que nos têm detido neste mundo de pecado e dor por tantos anos” (Evangelismo, p. 695-696).

Há na citação acima quatro situações que o profeta assinala como causas da detenção do povo de Deus neste mundo. A primeira é a incredulidade ou descrença nas admoestações do céu. Solicitações para observar a lei, temperança, beneficência, entre outras, são desprezadas e às vezes vituperadas, significando comportamento, discurso ou atitude que demonstra insulto e censura, até mesmo o menosprezo. A mundanidade significa a adoção de tradições humanas as quais passam a ser mais consideradas do que as exigências da lei de Deus. Tais tradições fizeram a decadência do judaísmo e podem estar, conforme o profeta, aluindo a confiança na palavra de Deus. O conhecimento científico é muitas vezes exaltado e considerado em detrimento do conselho divino. A falta de consagração ou dedicação; entrega exclusiva a alguém ou a alguma coisa. Os religiosos não estão dedicados às coisas do reino de Deus, mas agem em conformidade com as tradições humanas. Finalmente a contenda, ação ou efeito de contender (brigar); altercação; circunstância em que ocorre conflitos, discussão ou discórdia. Esta situação é contumaz nas comunidades cristãs e tem sido o combustível à proliferação de igrejas evangélicas. Mas, a Bíblia diz  em I João 1:5-7: “E esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas. Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos em trevas, mentimos, e não praticamos a verdade. Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado”. Portanto, a presença de conflitos nas comunidades cristãs as tira da luz lançando-as nas trevas. Se em Deus não há trevas nenhumas, então, comunidades em conflito não podem pretender ajuda de Deus.

Reitera-se as assertivas de Ellen White: "Por quarenta anos a incredulidade, a murmuração e a rebelião excluíram o antigo Israel da terra de Canaã. Os mesmos pecados têm retardado a entrada do Israel moderno na Canaã celestial"(op.cit).

O que se conclui é que o comportamento dos cristãos tem influência nas decisões divinas e que o retorno de Cristo poderá ser apressado se os fiéis perceberem que há uma expectativa a ser cumprida antes que a grande esperança se torne realidade. Orar pelo Retorno de Jesus é imprescindível, mas é necessário cuidado, pois pode ser que estejamos orando para nossa própria destruição, se as quatro condições acima citadas estiverem operando em nossas comunidades.


O alto clamor do terceiro anjo já começou na revelação da justiça de Cristo, diz Ellen White, significando que aos cristãos cabe realizar a obra que Cristo realizou, sendo esta a maneira através da qual demonstrarão que estão em comunhão com Ele. Somente quando isto ocorrer poderá Jesus retornar.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

NÃO PUDE FICAR TRISTE!


Estar no Amazonas sempre rende surpresas construtivas. No sábado 02.05.2015, juntamente com uma equipe de amigos estivemos em Novo Remanso, Itacoatiara, onde passamos um sábado muito ativo, participando dos ofícios da igreja e visitando irmãos locais. Pessoalmente, ansiava por estar no Novo Remanso, um lugar que me traz muitas reminiscências da infância, quando meu pai estava em pleno vigor da juventude.

Exatamente na data da visita, completava-se três anos do falecimento do meu pai. Ali, no ambiente do Novo Remanso, onde meu pai aplicara grande esforço profissional, construindo uma igreja, construindo relacionamentos, não pude sentir tristeza, a obra que o meu pai fizera estava viva e eu sentia alegria por estar naquele sábado ali, de alguma forma, revivendo os tempos que já estão na história. Vi também que a sabedoria bíblica é verdadeira: fenece o homem, mas, as suas obras o seguem. Deste modo, meu pai se tornou imortal, porque existem aqueles que dele se lembram. A propósito, visitei um senhor chamado Raimundo, o qual ajudou a construir a primeira igreja do Novo Remanso, que era uma igreja flutuante. Nela, meu pai se empenhou muitíssimo, ajudando fisicamente na sua construção. Quando ficou pronta, realizaram a cerimonia de dedicação, para a qual afluíram muitos irmãos usando canoas como veículo. A igreja ficou repleta de irmãos (alguns remaram até quatro horas para chegar). Era um edifício flutuante todo branco, mais parecia um cisne elegante no fundo de um lago chamado Progresso. Segundo depoimentos de pessoas que estavam envolvidas na manutenção da igreja flutuante, o tempo e os cupins determinaram seu desaparecimento. Lamentável que este edifício não mais exista, poderia estar em museu exposto para que os mais jovens conhecessem a nossa história.

O Sr. Raimundo e a sua esposa, quando jovens, conheceram meu pai e minha mãe. Contaram-me do apreço que sentiam por eles e do envolvimento dos pastores de então com os membros das igrejas, lamentando a situação atual pelo distanciamento da liderança. Dirigiram palavras de carinho ao meu pai e, consequentemente, eu colhi ali naquela casa, o que meu pai plantou há 60 anos.

À tarde foi realizado, na igreja Canaã, um programa musical onde o Grupo AmaDeus (grupo musical multigrejas de Manaus) fez apresentações de músicas cantadas em louvor a Deus. A congregação compareceu na quase totalidade. Foram momentos de enlevo e entrosamento inesquecíveis. Senti o quanto aquele esforço dos pioneiros foi importante e efetivo; hoje há cerca mil adventistas no Novo Remanso, quase um décimo da população aceitou a mensagem do advento.

Creio que fiz uma boa homenagem ao meu falecido pai. Justo no dia em que completou três anos do seu passamento, vi o que resultou da obra que fizera. Não pude ficar triste, ao contrário, senti o quanto Deus o amou e como tenho orgulho da minha origem e do que aprendi convivendo com o meu pai.


Um dia desses vou reencontrar com meus pais e, então, nunca mais vou me separar deles. Jesus é a minha certeza de que nos encontraremos. Vou poder contar-lhes dessa experiência no Novo Remanso e creio que eles sorrirão lembrando daquele passado feliz. Sorrirão mais ainda quando virem o que resultou dos seus esforços nos idos dos anos 1950, quando passaram pelos rios da Amazônia onde deixaram suas marcas e as suas juventudes.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Os Céus são mais altos do que a Terra

As reações humanas diante de Jesus foram as mais diversas e desconcertantes possíveis. Alguns preferiram ignorá-lo assumindo que o filho de um carpinteiro não poderia ser o Messias (ungido) e, por sua origem, não era digno de crédito. Os rabinos e sacerdotes não deram crédito a Jesus, por causa da Sua disposição em colocar-Se além das tradições judaicas. Não avaliavam se Jesus acompanhava a verdade bíblica-profética, apenas que Ele não podia ser o Messias, uma vez que se opunha aos ensinamentos rabínicos e as tradições impostas pela liderança.

Hoje, as religiões chamadas cristãs olham de soslaio para os judeus; reprovam as atitudes de rejeição dos contemporâneos de Jesus. Todavia, do mesmo modo, preferem as tradições humanas aos ensinamentos do Mestre. Cada religião estabelece sua própria interpretação dos ensinamentos proféticos, os mesmos que Jesus ratificou no passado reprovando os judeus. Tal atitude demonstra o peso que as tradições possuem em detrimento dos ensinamentos bíblicos.

Apesar de que Jesus reprovasse as tradições humanas que assumiam proeminência ante os dos profetas, usava o título “Filho do Homem” que, segundo a Bíblia era a designação favorita dEle (aproximadamente 100 vezes no livro de Ezequiel e ocorrendo mais de 80 vezes nos Evangelhos) título que designa-O como o Cristo (ungido) encarnado e testemunha muda do milagre pelo qual criador e criatura uniram-se em uma divina-humana pessoa; deidade tornou-se identificada com a humanidade para que a humanidade pudesse ter outra vez a imagem de Deus.

Religião bíblica necessariamente não tem ligação com tradições humanas (transmissão oral de fatos, lendas, dogmas, etc., de uma sociedade, de geração em geração, independentes das Sagradas Escrituras). Estas são invenções que, esmagadoramente, estão calcadas em repetições de fatos que pertencem ao imaginário ou a realidade terrena. Porém, a realidade bíblica está embasada na sabedoria revelada pela divindade ou deidade a qual, em muitos casos, transcende a realidade terrena, por tratar-se de princípios que regem o universo. Em Isaías 55:9 há uma explicação sobre a realidade bíblica: “Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos”.
Pelo exposto no texto de Isaías pode-se perceber a razão pela qual Jesus não advogou a tradição judaica, essa baseada na tradição dos rabinos.

Nossa religião também padece do mesmo mal. Há tradições que se colocam mais altas que a Bíblia. Os líderes religiosos entregam interpretações da realidade e, os membros das igrejas as seguem porque são dadas dadas pelas lideranças e por não saberem da Bíblia. Tal situação provoca uma devoção errada, levando pessoas a acreditar estarem bem com Deus, mas que em realidade estão distantes dEle, seguindo a outros homens.

Uma das tradições mais fortes é a ideia de que necessariamente religiosidade dá acesso às bênçãos, e estas, são traduzidas em bens materiais ou prosperidade financeira. No entanto, o ensinamento bíblico é muito diferente, segundo Deuteronômio 28: 11 E o SENHOR te dará abundância de bens no fruto do teu ventre, e no fruto dos teus animais, e no fruto do teu solo, sobre a terra que o SENHOR jurou a teus pais te dar. 12 O SENHOR te abrirá o seu bom tesouro, o céu, para dar chuva à tua terra no seu tempo, e para abençoar toda a obra das tuas mãos; e emprestarás a muitas nações, porém tu não tomarás emprestado. 13 E o SENHOR te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do SENHOR teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir.

A promessa de Deus é colocar os observadores dos mandamentos por cabeça, significando que eles conduzirão a muitos e serão, portanto, uma benção. Nesse raciocínio, dar é ainda melhor que receber, como está escrito, “e emprestarás a muitas nações, porém tu não tomarás emprestado”.


As tradições humanas sempre carregam um fundo egoísta o qual arroja aos homens para longe de Deus. Religião significa religação; se nossa religação é com as tradições, então, estamos unidos aos homens.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Resta um Descanso III

A Torá evidencia existir uma união entre o sábado do mandamento e o tabernáculo, a qual não parece ser óbvia à maioria dos leitores. É importante salientar que o mundo cristão não raciocina com o sábado e muito menos com o tabernáculo, aceitando que este raciocínio é próprio do ambiente judaico, mas, não pertinente no âmbito cristão. Esta idéia é inadequada, uma vez que o cristianismo deriva diretamente do judaísmo e, portanto, todo e qualquer princípio judaico não pode ser olvidado ou menosprezado, porque aquilo que a Torá apresenta como sendo oráculo (tudo o que é dado diretamente por Deus) não pertence ao conjunto das tradições humanas. Assim, a ligação entre o sábado e o santuário deveria ser examinada.
Em Êxodo 31 vemos Deus explicando a Moisés todo o planejamento para o santuário, sua construção em exaustivo detalhamento, sendo que ao final da explicação Deus ordena ao povo a imprescindibilidade da guarda do sábado do sétimo dia. Porém, no capítulo 35 Moisés aparece instruindo ao povo sobre a construção do santuário e tal explicação inicia com a guarda do sábado e culmina com os pormenores da construção. Nos dois textos vê-se a ligação entre o sábado e a construção do santuário, mas a ordem de comando está invertida, quando Deus causa a explicação, a guarda do sábado vem no final, mas, quando é Moisés quem fala, a guarda do sábado vem no início. A questão que salta diante dos olhos é por que?
O que vê-se é a justaposição do comando do sábado e a construção do tabernáculo. Tal justaposição parece ser intencional para estabelecer que o sábado domina sobre as consecuções humanas e sobre a construção do tabernáculo. Não somente o sétimo dia determina o término do trabalho secular, como também traz o repouso ao labor santo: construir uma casa para Deus. Segundo Jonathan Sacks, em sua obra Exodus, o santuário espelha a criação do próprio universo. Como a criação divina culmina no sábado, assim também a criação humana. A diferença entre o relato das instruções dadas por Deus e aquelas dadas por Moisés para a construção do tabernáculo está na posição do comando para guardar o sábado, sendo que a explicação à referida diferença pode ser encontrada no próprio sábado, o sétimo dia da semana da criação.
Do ponto de vista de Deus, o sábado foi o sétimo dia da semana da criação; do ponto de vista do primeiro ser humano (Adão fora criado no sexto dia) o sábado foi o primeiro dia. Há algo fundamental em jogo: quando vemos a criação divina, não encontramos lacuna entre a intenção e a execução. Deus fala e a palavra se torna em ente ou realidade, ou seja, Deus vê o fim desde o princípio (Isaías 46:10). De outro lado, com os seres humanos ocorre outra coisa, frequentemente não nos é possível ver o fim desde o começo, ou o resultado no início. Apesar dos planejamentos cuidadosamente calculados, há sempre falhas e imprevisões. Por esse motivo, alguns buscam a alternativa de simplesmente deixar as coisas acontecerem, mas, para o povo de Deus este tipo de resignação está completamente fora da história. Para seres humanos criados à imagem de Deus, com poder para produzir trabalho criador, resignar-se é negar sua capacidade de interferir. A solução é buscar revelar o fim desde o começo.
Este é o significado do sábado. Não é simplesmente um dia de repouso, mas, a antecipação do final da história, ou seja, da era messiânica. Nela, recuperaremos a harmonia perdida no jardim do Éden. No sábado não permitimos a manipulação do mundo, nós exaltamos a suprema obra de arte do criador. Não admitimos o exercício do poder ou a dominância sobre outros seres humanos, nem mesmo sobre os animais. Todos são iguais em dignidade e liberdade no sábado, nele vivemos a esperança do mundo porvir quando a lei de Deus estará novamente em pleno funcionamento originando uma era de justiça e paz. Chamamos sua atenção para o fato prático na dinâmica sabática: em cada sábado ensaiamos o mundo futuro, a sociedade ideal que não acontecerá casualmente, uma vez que a objetivamos semanalmente, nós a experimentamos a cada sete dias, ou seja, a cada sábado temos uma visão do final desde o começo. É como se abríssemos uma cortina para ver e viver o futuro, uma vez que o sábado determina direitos iguais, todos têm acesso ilimitado à graça, todos se tornam iguais em dignidade.
Agora poderemos melhor entender o símbolo completo de construir um tabernáculo. No deserto, muito antes de cruzarem o Jordão e entrarem na terra prometida, Deus convidou aos israelitas para construírem uma miniatura do universo. No tabernáculo a ordem fora cuidadosamente calibrada, tal qual o é o universo; todas as constantes físicas e químicas cuidadosamente calibradas para que a vida fosse possível. O tabernáculo foi construído de forma exata; não apenas um edifício, mas, um protótipo simbólico da construção de uma sociedade; um espaço onde todos teriam acesso à justiça e à vida, um lugar de harmonia com Deus e com o próximo. O tabernáculo era o lar terrestre para a presença divina; a sociedade israelita deveria ser também construída de molde a ser um lugar para a presença de Deus, se houvessem honrado aos mandamentos. O acabamento final da sociedade é a harmonia da existência que ainda não experimentamos, pois vivemos num mundo de trabalho e lutas, de conflitos e competições.
Deus, entretanto, deseja que conheçamos aquilo que objetivamos, de modo que não venhamos a perder nosso rumo no deserto do tempo. Esta é razão pela qual, quando pediu a construção do tabernáculo através da execução humana, o sábado veio primeiro, muito embora, em termos globais, a era messiânica, o sábado da história, vem depois. Deus tornou conhecido o fim desde o começo. O cumprimento do repouso que segue ao labor criativo; o lugar que um dia tomará o espaço da disputa – desta forma podemos a cada sábado ter uma visão do nosso destino, antes de começar a jornada. Em Êxodo 31 o sábado está comandado no final porque Deus já sabia o fim, qual seja, o aprendizado e a vivência da harmonia. Em êxodo 35 o sábado aparece primeiro porque Moisés deveria demonstrar que a harmonia deveria ser apreendida antes da montagem da sociedade israelita. Do mesmo modo como aconteceu na semana da criação, Deus vendo o fim desde o princípio estabeleceu o sábado no sétimo dia, mas, para o primeiro ser humano, foi o primeiro dia, ou seja, começou a sua jornada vendo o fim desde o princípio.
Hoje temos a cada sete dias uma oportunidade de treinar a sociedade harmônica. No sábado, quando ocorre o encontro dos irmãos para adoração, há muitas oportunidades para ensaiar a sociedade perfeita. Não deveríamos nos tornar ouvintes passivos dos cultos sabáticos, mas, numa atitude proativa participar na construção de um ambiente mais justo, onde a dignidade de todos deverá ser preservada. Os que têm o dom de ensinar deveriam usá-lo de forma cabal para que todos tivessem acesso à graça. Todos deveriam participar nos projetos coletivos de ajuda financeira, quer sejam de âmbito local ou não. Aliás, se a cada sábado ensaiamos a sociedade perfeita do futuro ou a objetivamos, então, os que possuem maior sabedoria deveriam treinar os menos informados e os novos na fé.

As reuniões sabáticas são parte de um calibradíssimo sistema calculado para possibilitar o treino e o aprendizado para a construção de uma sociedade que, em seu seio traz o caráter de Deus. As congregações quando reunidas no sábado devem estabelecer o ambiente para a morada de Deus. Quando a era messiânica estiver em andamento, os salvos serão o tabernáculo de Deus, logo, a cada sábado temos o privilégio de treinar essa realidade e, em assim procedendo, teremos direito a ela não por uma casualidade, mas, porque a objetivamos. 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Resta um Descanso II

A introdução de ideias gregas no âmago do pensamento cristão tornou quase impossível entender pontos de vista judaicos fundamentais, como por exemplo, o conceito de santo. Para a maioria dos cristãos a ideia de santo está relacionada a presença de algo muito vasto e que inspira temor e, em relação a Deus, sempre há referência ao seu relacionamento com a humanidade, fato que não está errado, porém é incompleto.

Deve-se buscar o entendimento deste conceito no próprio interior do pensamento hebraico e, neste caso, não existe fonte mais segura do que a oportuna Torá. Assim, na Torá, a aparição da palavra santo está relacionada ao Shabbat ou ao santuário.

Segundo o Rabino Jonathan Sacks, quando a palavra santo está relacionada ao shabbat há a necessidade de conhecer a palavra hebraica “tzimtzum”, que significa contração divina ou auto ocultamento, um dos mais gloriosos conceitos dados ao judaísmo. Este conceito está fortemente ligado ao shabbat formando a ideia de que há uma incompatibilidade ou impossibilidade entre o infinito e o finito. Tzimtzum carrega o juízo de que Deus está em todos os lugares; se é assim, como poderia haver outra coisa além dEle? Tzimtzum parece explicar que duas diferentes entidades (Deus e aquilo que não é Deus) não podem ocupar o mesmo tempo/espaço.

Seguindo o raciocínio acima, o ato da criação envolveu autolimitação da parte de Deus, significando que ele contraiu a sua presença para que a finitude (limitada pelo tempo e pelo espaço) com as coisas criadas pudessem surgir ou estar. Esta ideia está presente em alguns textos bíblicos que demonstram a impossibilidade entre o finito e o infinito, como por exemplo em I Reis 8:10-11, onde lemos: “E sucedeu que, saindo os sacerdotes do santuário, uma nuvem encheu a casa do SENHOR. E os sacerdotes não podiam permanecer em pé para ministrar, por causa da nuvem, porque a glória do SENHOR enchera a casa do SENHOR”. Também em Isaías 8:8 “E passará a Judá, inundando-o, e irá passando por ele e chegará até ao pescoço; e a extensão de suas asas encherá a largura da tua terra, ó Emanuel”. Ao mesmo tempo em Êxodo 40:34 “Então a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do SENHOR encheu o tabernáculo”.

A palavra hebraica para espaço e tempo é olam, a qual significa também universo, ou seja, a totalidade do tempo e do espaço, mas que também significa ne´elam, esconder. Está incorporada na língua hebraica a ideia de que espaço e tempo são dimensões da ocultação de Deus, quem está além do tempo e do espaço. Onde Deus está oculto do universo poderia ser, experimentalmente e funcionalmente, como se ele não existisse, daí a sensação que temos da sua ausência; todas as teorias sobre a espontaneidade da vida surgem por causa da sensação da ausência de Deus. Mas, os verdadeiros termos da criação envolvem um paradoxo. Sem Deus o universo não poderia existir; mas, a presença de Deus ameaça a existência de qualquer coisa separada dele. Em Ex.33:20 está explicita a referida impossibilidade entre o finito e o infinito: “E disse mais: Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá”.

Agora, vamos procurar entender um dos conceitos que provocam forte enleio para mentes gregas. O universo foi criado em seis dias; mas, a criação envolveu sete dias. O sétimo dia é declarado pelo próprio Deus como Santo. Se na semana da criação Deus traz à existência coisas finitas, confinadas no tempo e no espaço, as quais incluem o próprio homem, e se existe a impossibilidade entre o finito e o infinito, então, a cada dia da semana da criação tornou-se necessária a contração de Deus para que o finito pudesse estar. A escritora Ellen White em seu livro A Verdade sobre os Anjos, assinalou que a criação da Terra e especificamente a do homem admirou todo universo já criado e aos anjos, sendo que o próprio Deus se alegrou com o que havia criado. Tal ideia nos mostra a razão da criação do sétimo dia, significando que doravante este dia será uma janela no tempo através da qual nós veremos a presença de Deus. Neste dia deverá ocorrer a contração da criatura para que esta possa dar lugar a Deus, uma vez que ambos não ocupam simultaneamente o mesmo espaço. E como realizamos isto? Renunciando nosso próprio status de criador.  No Shabbat, todo melakha, que é definido com trabalho criativo, está proibido. No Shabbat nos tornamos mais passivos do que ativos.  Nos tornamos criaturas, não criadores.  Renunciamos o fazer para experimentar o estarmos feitos. O Shabbat é uma sala que nós fazemos para Deus no tempo.

Jonathan Sacks em seu livro Exodus, assinala que Deus criou o homem com capacidade criadora (somos feitos à imagem de Deus) e, desde então, o homem não cessa de criar. Ao invés de ficar encolhido diante dos problemas e das ameaças, o homem cria meios para solucioná-los, inventa tecnologias e muda a sua própria maneira de lidar com o mundo e, constantemente muda a si próprio tornando-se aquilo que ele mesmo imagina que é. Invés de ajoelhar-se por causa das doenças que matam e resignar-se à sorte ele constrói instrumentos, remédios, hospitais e altera o processo nosológico criando novas possibilidades salvando vidas. Esse poder criador do homem deverá ser colocado de lado no shabbat para que o criador possa estar com o homem. Do mesmo modo como Deus se autolimitou na criação, o homem deve também estar retraído no shabbat. Esta noção aparece completamente em Isaías 58:13-14 “Se desviares o teu pé do sábado, de fazeres a tua vontade no meu santo dia, e chamares ao sábado deleitoso, e o santo dia do SENHOR, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, nem pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falares as tuas próprias palavras, então te deleitarás no SENHOR, e te farei cavalgar sobre as alturas da terra, e te sustentarei com a herança de teu pai Jacó; porque a boca do SENHOR o disse”.

O cessar o trabalho no shabbat não significa apenas parar com os afazeres e ir ao culto na igreja. Muitos imaginam apenas um descanso físico, e esta tese é advogada por muitos teólogos e crentes sabatistas. O conceito do shabbat está ainda além, é a auto contração do homem para dar espaço a Deus. Este conceito está explicado em Êxodo 33:17-23 “ Então disse o SENHOR a Moisés: Farei também isto, que tens dito; porquanto achaste graça aos meus olhos, e te conheço por nome. Então ele disse: Rogo-te que me mostres a tua glória. Porém ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do SENHOR diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer. E disse mais: Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá. Disse mais o SENHOR: Eis aqui um lugar junto a mim; aqui te porás sobre a penha. E acontecerá que, quando a minha glória passar, pôr-te-ei numa fenda da penha, e te cobrirei com a minha mão, até que eu haja passado. E, havendo eu tirado a minha mão, me verás pelas costas; mas a minha face não se verá”.

Como pode ser verificado, nossa presença no tempo sabático deve ser discreta para que Deus possa estar nele. Esse raciocínio provoca uma atitude de reconsideração do nosso comportamento nos eventos que acontecem nos templos durante o shabbat. Corriqueiramente, há muita movimentação e exibicionismo humano, fato que não nos deixa contraídos diante da divindade. Neste sentido, há pouquíssima sabedoria na dinâmica sabática nos templos onde a figura humana está sempre em evidência, indicando que nossa capacidade criativa ou criadora não cessou. Se é assim, pouca chance há de termos tempo de qualidade com Deus onde haja possibilidade de construção humana e aprendizagem, ou seja, mantemos a impossibilidade entre o finito e o infinito. Desta maneira, Deus não fala, mas o homem fala e, nestas circunstâncias passamos o sábado conosco mesmos.

Agora, vamos observar o termo santo em relação ao tabernáculo. Este era uma tenda que, sempre que montada, definia um certo espaço como santo, significando estar separado para Deus. Dentro daquele espaço nada deviria interferir entre o adorador e Deus. O tabernáculo era uma sala feita para Deus no espaço. As instruções imensamente detalhadas para a construção e os serviços do tabernáculo distinguiam que nada em santidade é resultado do empreendimento humano. Ocupar o tempo ou o espaço santo significa renunciar a criatividade humana, de modo a estar existencialmente aberto para a criatividade divina. Talvez fosse interessante ver, pelo menos, um episódio bíblico onde estes conceitos possam estar manifestos.

Em Levítico 10:1-2 está descrito o episódio da morte de Nadabe e Abiú, da seguinte maneira: “E os filhos de Arão, Nadabe e Abiú, tomaram cada um o seu incensário e puseram neles fogo, e colocaram incenso sobre ele, e ofereceram fogo estranho perante o SENHOR, o que não lhes ordenara. Então saiu fogo de diante do SENHOR e os consumiu; e morreram perante o SENHOR”. Este é um episódio muito esclarecedor, pois supostamente, os filhos de Arão estavam realizando o protocolo estabelecido para o serviço sacerdotal, ou seja, tomaram o incensário e puseram fogo, e colocaram incenso. Mas, o texto explica que eles ofereceram fogo estranho perante o SENHOR. Onde está o fato estranho? Acontece que o fogo utilizado para a queima do incenso necessariamente deveria ser o do altar que havia sido acendido por Deus e não pelo sacerdote. Os dois filhos de Arão tomaram brasas de um fogareiro que era usado para aquecer comida, ou seja, era um fogo acendido pelo homem. Seria tão grave assim queimar incenso com fogo de um fogareiro? Fogo é para o homem a força mais poderosa que ele aprendeu a dominar. Em praticamente tudo o que o homem realiza há fogo envolvido, desde a comida que come, até a locomoção, desde um simples acender de uma lâmpada até o voo perigoso de um míssil. Fogo é a mais intensa representação da força criativa humana e, neste contexto, vir à presença de Deus com toda a sua força criativa determina a contração de Deus. Esta mesma situação se repete no sacrifício de Caim.

Santo é o tempo/espaço definido pela divindade e não pela vontade humana. Nós entramos no domínio de Deus, em seus termos, não nos nossos. Portanto, terá que haver uma janela, algum ponto de transparência, na tela entre o infinito e o finito. Isto é o que santidade significa. Santidade é o espaço que nós construímos para Deus. Santidade é para a humanidade aquilo que "tzimtzum" é para Deus (Contração divina ou auto ocultamento). Da mesma forma como Deus oculta a si mesmo para dar espaço para humanidade, nós devemos ocultar-nos para dar espaço para Deus. Realizamos isto através de uma temporária renúncia da nossa criatividade no período sabático. Santidade é aquele limite vazio preenchido pela presença divina. Esta noção ou ideia de santidade é quase incompreensível para o cristianismo.

Santidade é o espaço que fazemos (separamos) para heterogeneidade de Deus. Para ouvi-lo, não para falarmos. Para deixar-se agir e não atuar. Desengajar do fluxo da atividade humana imposta pelos propósitos humanos no mundo, assim, permitindo espaço para o propósito divino emergir. Toda santidade é uma forma de renúncia, neste sentido, a guarda do sábado precisa ser revista pelas congregações que o observam, para que possam alcançar o verdadeiro descanso.


Para concluir, seria necessário olhar a sala mais isolada do santuário, o chamado lugar santíssimo. Ali havia a arca da aliança e dentro desta a lei, a vara de Arão que florescera e o maná. Sobre a arca estava a tampa ou propiciatório e sobre este, dois anjos com as asas estendidas e entre estes anjos estava o shekinah, a presença visível de Deus. O shekinah era como uma esfera luminosa entre os anjos, ou seja, a contração visível de Deus para que ele pudesse estar entre os homens. Da mesma forma, a encarnação de Jesus requereu a contração de Deus. “Para que a pudéssemos contemplar e não ser destruídos, a manifestação de Sua glória foi velada” (Desejado de Todas as Nações, p.23).

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

No limite extremo da pressão

Para os cristãos modernos que estão convencidos da chegada dos tempos finais, estudar o comportamento dos descendentes da Abraão, pelo menos, desde a sua saída do Egito até a entrada deles na terra prometida é de fundamental valor. Estamos nós, os atuais cristãos, na mesma jornada, buscando sair do Egito (as tradições humanas às quais a Bíblia chama de mundo), passar pelo deserto e entrar na terra prometida. Assim, a experiência judaica pode nos ensinar o que fazer ou aproveitar, mas, também pode nos indicar como evitar derrotas.

Um dos mais importantes eventos ocorridos no passado foi exatamente a maneira poderosa como saíram e atravessaram o mar Vermelho. Para visualizarmos melhor os acontecimentos e aproveitarmos da experiência é necessário observar  como os acontecimentos estão narrados no livro de Êxodo. As histórias, pelo menos no início do livro, estão narradas em uma estrutura literária chamada de quiasma, na qual o início está repetido no final como se este fora um espelho do início, tendo o clímax no centro.

O episódio da saída do povo de Israel do Egito começa com uma batalha e termina com outra batalha, no centro está a travessia do mar Vermelho. Se nós olharmos com cuidado para a travessia do mar, encontraremos ali um evento vicário. A história dos israelitas está dividida em antes da travessia e depois da travessia. Antes estavam no Egito como escravos sob o domínio de Faraó, depois estavam no deserto (terra de ninguém) sob o domínio de Deus.

É crucial entender o que ocorreu. Por que Faraó tentou reescravizar os israelitas? O Egito era belicamente a nação mais poderosa naquela ocasião. Havia introduzido uma inovação tecnológica que somente estava disponível aos exércitos egípcios: as bigas (carros puxados por cavalos). Tal inovação era arrasadora, nenhuma outra nação tinha como enfrentar os egípcios. Os carros davam enorme velocidade e mobilidade, além de proteção aos soldados. Agora imaginemos, Faraó tomou seiscentos carros e saiu para perseguir os israelitas; se exércitos treinados não suportavam o poder bélico dos egípcios, quanto mais um bando de escravos desorganizados; deste modo, Faraó não tinha dúvidas que poderia reconquistar os hebreus e, consequentemente, partiu para cima.

Os israelitas foram encaminhados por Deus por uma rota que margeava o mar e, nesta condição, estavam no limite extremo da pressão, ou se lançavam no mar ou voltavam ao Egito. Imaginemos o terror do povo ao saber que Faraó os buscava com seiscentos carros. “E aproximando Faraó, os filhos de Israel levantaram seus olhos, e eis que os egípcios vinham atrás deles, e temeram muito; então os filhos de Israel clamaram ao SENHOR.  E disseram a Moisés: Não havia sepulcros no Egito, para nos tirar de lá, para que morramos neste deserto? Por que nos fizeste isto, fazendo-nos sair do Egito?  Não é esta a palavra que te falamos no Egito, dizendo: Deixa-nos, que sirvamos aos egípcios? Pois que melhor nos fora servir aos egípcios, do que morrermos no deserto” (Êxodo 14:10-12). Moisés respondeu dizendo: “Não temais; estai quietos, e vede o livramento do SENHOR, que hoje vos fará; porque aos egípcios, que hoje vistes, nunca mais os tornareis a ver.  O SENHOR pelejará por vós, e vós vos calareis” (Êxodo 14:13-14). Em outras palavras, Moisés disse ao povo para ficar quieto e não fazer nada porque Deus iria fazer tudo.

Neste episódio, segundo alguns comentadores,  a liderança dividiu-se em quatro grupos. Um grupo disse, vamos nos lançar no mar. Outro grupo disse, voltaremos para o Egito. Outro ainda disse, vamos lutar contra eles. O último disse, vamos gritar e chorar. Para o primeiro grupo que havia dito vamos nos lançar no mar, Moisés respondeu permaneçam firmes e verão o livramento que o Senhor trará. Para o grupo que disse voltemos ao Egito, Moisés afirmou que os egípcios que estavam vendo hoje nunca mais seriam vistos. Para o grupo que disse vamos lutar contra eles, Moisés afirmou que o Senhor lutaria por eles e, finalmente, para o grupo que disse vamos gritar e chorar ele mandou que permanecessem em silêncio.  A batalha contra os egípcios foi um ato divino. Os carros não podiam avançar, pois as rodas quebravam e atolavam, mas, além disso, “o anjo de Deus, que ia diante do exército de Israel, se retirou, e ia atrás deles; também a coluna de nuvem se retirou de diante deles, e se pôs atrás deles.  E ia entre o campo dos egípcios e o campo de Israel; e a nuvem era trevas para aqueles, e para estes clareava a noite; de maneira que em toda a noite não se aproximou um do outro” (Êxodo 14:19-20). Deus então ordena que Moisés estenda as mãos por sobre o mar “e o Senhor fez retirar o mar por um forte vento oriental toda aquela noite; e o mar tornou-se em seco, e as águas foram partidas” (Êxodo 14:21).

Agora vamos entender o que ocorreu com o mar. Segundo os relatos sagrados o mar ficou dividido e duas paredes de água congeladas verticais dividiram o mar em duas peças. Este fato carrega um importante simbolismo que nos remete a uma antiga cerimonia para celebrar alianças. O Rabino Jonathan Sacks explica em seu livro Exodus que a palavra chave ou o verbo chave nas alianças é cortar. Quando se pretendia fazer uma aliança alguns animais eram divididos ao meio e as partes que entravam em aliança ficavam entre as bandas dos animais. Segundo Sacks, a divisão de coisas normalmente unidas permanecia como símbolo da unificação de entidades (pessoas, tribos, nações) previamente divididas. Tal explicação está relacionada a Gênesis 15:9-18: “E disse-lhe: Toma-me uma bezerra de três anos, e uma cabra de três anos, e um carneiro de três anos, uma rola e um pombinho.  E trouxe-lhe todos estes, e partiu-os pelo meio, e pôs cada parte deles em frente da outra; mas as aves não partiu.  E as aves desciam sobre os cadáveres; Abrão, porém, as enxotava.  E pondo-se o sol, um profundo sono caiu sobre Abrão; e eis que grande espanto e grande escuridão caiu sobre ele.  Então disse a Abrão: Sabes, de certo, que peregrina será a tua descendência em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos, mas também eu julgarei a nação, à qual ela tem de servir, e depois sairá com grande riqueza.  E tu irás a teus pais em paz; em boa velhice serás sepultado.  E a quarta geração tornará para cá; porque a medida da injustiça dos amorreus não está ainda cheia.  E sucedeu que, posto o sol, houve escuridão, e eis um forno de fumaça, e uma tocha de fogo, que passou por aquelas metades.  Naquele mesmo dia fez o SENHOR uma aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência tenho dado esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates”.

No mar Vermelho os israelitas passaram entre duas peças de águas e não de animais, como ratificação da aliança efetuada com Abraão. De acordo com o Rabino Sacks, eles passaram de um domínio para outro, de escravos de Faraó para servos de Deus. Esta experiência é a mesma vivida pelo indivíduo que recebe o batismo de imersão. O seu corpo ao ser mergulhado divide a água em duas peças e, deste modo, é realizada uma aliança com Deus. Ao emergir, ele passou pelo mar, ou seja, saiu do domínio do mundo e entrou no domínio de Deus. Agora no deserto, terra de ninguém, ele está livre para escolher a quem vai servir, ou seja, após o batismo por imersão, uma vez que uma aliança foi realizada com Deus, o indivíduo estará pronto para guardar os mandamentos e não deverá retornar ao Egito. A travessia do mar Vermelho (batismo) é um ato de consolidação de aliança e transferência de possessão, o indivíduo agora é possessão de Deus e não mais de Faraó (mundo). Entrou em novo território não geográfico mas existencial. O que isto significa?

Em Êxodo 17:8-13  está relatada a outra batalha que os israelitas tiveram que enfrentar após a travessia. Leiamos: “Então veio Amaleque, e pelejou contra Israel em Refidim.  Por isso disse Moisés a Josué: Escolhe-nos homens, e sai, peleja contra Amaleque; amanhã eu estarei sobre o cume do outeiro, e a vara de Deus estará na minha mão.  E fez Josué como Moisés lhe dissera, pelejando contra Amaleque; mas Moisés, Arão, e Hur subiram ao cume do outeiro. E acontecia que, quando Moisés levantava a sua mão, Israel prevalecia; mas quando ele abaixava a sua mão, Amaleque prevalecia.  Porém as mãos de Moisés eram pesadas, por isso tomaram uma pedra, e a puseram debaixo dele, para assentar-se sobre ela; e Arão e Hur sustentaram as suas mãos, um de um lado e o outro do outro; assim ficaram as suas mãos firmes até que o sol se pôs. E assim Josué desfez a Amaleque e a seu povo, ao fio da espada.

Conforme o relato, Deus não lutou, desta vez, pelo povo, mas, comandou que lutassem. Antes da travessia Deus lutara, mas, agora, o povo devia lutar por si. O que nos chama atenção é que o líder Moisés foi para o outeiro com a vara de Deus nas mãos. Enquanto permanecia com as mãos levantadas, Israel prevalecia, se baixava as mãos, Ameleque prevalecia. Tal descrição nos leva a supor ter havido mais milagres, no entanto, não havia milagres nas mãos de Moisés levantadas, apenas suas mãos apontavam na direção dos céus onde os israelitas deveriam colocar seu olhar e seu coração. A diferença aqui é que Deus não atuou externamente modificando a natureza atolando os carros e cavalos, abrindo o mar Vermelho, tal qual fizera na primeira batalha antes da travessia, mas, enquanto os israelitas dirigiam seu olhar e suas mentes para cima, alcançavam força interior e fé para prevalecer. Aqui vemos uma clara transição no formato de atuação de Deus; ocorreu uma mutação no interior dos israelitas, mostrando a grandeza da presença divina no interior do homem. Os israelitas não foram vencedores porquanto Deus lutara por eles, mas Deus deu-lhes força para lutar por si mesmos. Deus não estava entre, mas dentro. Esta é a mudança crucial que ocorre quando atravessamos o mar, ou seja, nos batizamos. Deus deseja que lutemos nossas próprias batalhas, não que estejamos abandonados, apenas que ele estará conosco onde e quando estivermos nele. Será necessário o desenvolvimento de qualidades tais como coragem, confiança, determinação, vontade as quais nos permitirão encontrar nossa superioridade como seres criados à imagem de Deus. (Este texto está baseado no capítulo “The turning Point” do livro Exodus do Rabbi Sir Jonathan Sacks).