quarta-feira, 20 de junho de 2018

Justiça pela Unidade


Lendo o livro “A invenção da natureza” de Andrea Wulf, deparei-me com os comentários de Alexander von Humboldt – o maior cientista do século XVIII – onde declara ser o novo mundo muito superior à Europa. O espaço geográfico na América do Sul surpreendeu Humboldt, estava repleto de novidades geológicas, mananciais de água, minerais de toda sorte, além de que havia uma superabundância de formas de vida incomparável. A riqueza do reino vegetal e do reino animal impressionou Humboldt, mas o que o deixou mais impactado foi a inteligência e a beleza dos ameríndios, cuja cultura, em muitos aspectos, superava a europeia com abstrações complexas sobre noções morais e sobre ciência. Disse Humboldt que se os povos americanos pensassem numa unidade política continental, nenhuma potência europeia seria capaz de conter a América.

Para nós que habitamos a América, não nos chama atenção a riqueza de vida e a densidade dos indivíduos encontrada aqui. Porém, numa dessas manhãs de folga, pude observar o meu jardim, um espaço de aproximadamente 30 m2. Curvei-me para limpar as ervas que não faziam parte do gramado, e me dei conta da dinâmica que organizava aquele pequeno espaço de terra. Os vegetais invasores, compreendi, não disputavam o espaço das gramíneas, antes buscavam ocupar espaços vazios como a ensinar uma lição importante. As chamadas “ervas daninhas” simplesmente desfrutavam o que lhes cabia, sem estar lançando seus pequenos ramos por sobre o gramado. Uma quantidade surpreendente de ervas diferentes, pelo menos umas cinco espécies formavam um arranjo bem distribuído, desenvolvendo populações que não estavam misturadas. Para minha surpresa deparei-me com um universo bem organizado onde os vários vegetais buscavam ocupar espaços de forma arguta e cooperativa. Do ponto de vista do jardineiro, os vegetais que não são gramíneas não são também adequados, assim, arranquei todas as ervas diferentes. A quantidade de biomassa arrancada surpreendeu-me mesmo. Pude verificar a bondade de Deus, além da sua sabedoria, ao criar tantas formas vegetais, dando a cada uma função determinada, sendo que os humanos não conhecem suas contribuições.

No meio das plantas está um microcosmo de vida animal muitíssimo diverso, para o qual não atentamos. Ali naquele espaço encontrei três espécies de formigas que fazem ninhos periepigéicos proporcionando um turnover de terra importante, arejando o solo, facilitando o enraizamento do capim e sua nutrição. Encontrei também muitos grilos e paquinhas que perfuram o solo, comem raízes das gramíneas provocando crescimento de novas raízes. Vi ainda cigarrinhas em altíssima densidade, centenas delas alimentando-se da seiva da grama. Sobre esses insetos há o domínio dos passarinhos que a cada momento pousavam para comer insetos. Quão magnífica cooperação num espaço tão diminuto. Encontrei muitos vagalumes adultos e larvas e outros besouros pequenos do grupo das joaninhas que buscavam proteção e alimento nas plantas, além dos beija-flores que sugavam o néctar de um único hibisco que produz flores vermelhas. Entendi que a quantidade de biomassa arrancada por mim era suficiente para sustentar parte daqueles animais que estavam lá. Uma explosão de vidas numa teia de cooperação cuja complexidade foge da percepção comum. Por baixo do solo percebi o trabalho das minhocas que processam a terra produzindo o húmus tão necessário às plantas. Que importante laboratório de estudos apenas no meu jardim. Nunca havia parado para sentir a pujança da vida que nos cerca, mas que está ali, mesmo que não tenhamos a oportunidade para observar e sentir. Através dos olhos de Humboldt, um fascinante cientista europeu, pude me dar conta da enorme riqueza que temos à disposição.

Enquanto observava a dinâmica naqueles 30 m2 lembrei-me da afirmação de Jesus em Mateus 6:25-34, quando explicou que não devemos estar preocupados com o que vestiremos ou comeremos, porque nosso Deus cuidará assim como cuida dos animais. No entanto, observou Jesus que deveríamos buscar primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais nos seria acrescentado.

Geralmente quando ouvimos este trecho do discurso de Jesus, o contextualizamos como no ambiente religioso cristão. Aceitamos que buscar o Reino de Deus é praticar atos beatos, contemplativos e místicos. Mas a busca não é religiosa e sim da justiça e, neste caso, todas as pessoas devem necessariamente ter tudo. Foi o que pude observar ali no meu jardim com as outras formas de vida. Todos tinham seu espaço, sua liberdade para crescer, sua quantidade de ar, luz e água, seu alimento, seu direito à reprodução e sua parte na cooperação.

Em II Pedro 3:13 lemos: “Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça”. Enquanto esperamos, devemos nós estabelecer a justiça procurando estar no Reino de Deus e deste modo, permitir uma vida feliz enquanto estamos na superfície da Terra.

Voltando aos comentários de Humboldt, ao falar sobre o comportamento sócio-político na ibero américa, ele observou desunião continental, bem como desunião no âmago das nações onde os vários estratos sociais pelejavam por direitos.  Tal situação era vantajosa à coroa espanhola que auferia vantagem na discórdia, mantendo a submissão de um território muitas vezes maior que a Espanha em virtude do enfraquecimento pelo fracionamento.

Assim ocorre na igreja de Deus. A falta de unidade provoca enfraquecimento de princípios e ruptura moral, dando enorme vantagem ao inimigo. Se marchasse unida a igreja venceria, mas o fracionamento abre espaço para ideias novas e contrárias à dinâmica de Deus. Deste modo, o inimigo faz prevalecer a injustiça e o Reino de Deus fica inviável.