quinta-feira, 23 de julho de 2020

Inúteis embates: convivência com a certeza


Por estarmos vivendo no planeta rebelde, o sistema moral aqui fixado nos escraviza. Não conhecemos a cooperação, somente a competição. Em tal circunstância, todas as nossas concepções morais estão afetadas pela competição.

No seio familiar, há sempre a sensação de que irmãos não são estimados de forma semelhante, o que provoca conflito entre irmãos. Na relação matrimonial sempre há competição, quer seja por supremacia de comando, de prestígio, até competição por favorecimento econômico quando um dos cônjuges busca vantagens.

O sistema educacional mundial está delineado para a competição. Os pais educam os filhos para rivalizarem. O conceito de sucesso está ligado à capacidade de concorrer por posições e por benefícios econômicos; nesta escalada, muitos ficam para trás, com surgimento de desigualdades sociais, às vezes profundas e perigosas. Escolas promovem o ranqueamento dos alunos, havendo sempre vantagem para os que são mais competitivos, e sem muita preocupação com percepções individuais que oportunizem àqueles com ritmos menos concorrentes. Esse aprendizado desemboca em aviltamentos posteriores, quando no mercado de trabalho pessoas traem ou atropelam para conseguir liderança. Sempre enxergamos a competição como algo benéfico, mas, na maioria dos casos, essa estrutura moral causa conflitos. A consequência é a incerteza, a desconfiança, a insegurança, a dor, a morte.

Apesar de que na Bíblia o sistema moral seja o da cooperação, as religiões desenvolveram seus credos baseados na competição. Enxergam as bençãos como negócios, alimentando o imaginário dos fiéis com ideias de que é necessário concorrer para ganhar a salvação. O sistema econômico nos templos ensina que quem mais pode mais chance tem, logo, mais atuação monetária, mais aplicação aos ritos e mais presença aos cultos provocam o olhar positivo da divindade, a qual é compreendida como muito aborrecível e sempre esperando que os mais fiéis atuem para satisfazer seus padrões de exigências, sob pena de a divindade desencadear desgraças.

A infeliz concepção acima está demonstrada num artigo publicado em uma revista religiosa, onde autor (Pastor) diz que “crer em Deus é um risco calculado para tempos de certeza...”. Claramente, este líder anuncia que o sistema é o da competição, já que o crer é um risco.

Todavia, Paulo falando de fé diz que é “a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem”. Logo, no sistema moral da cooperação, incertezas são substituídas por enriquecimento de vidas, resultando em equilíbrio social, diminuição da desconfiança e da concorrência, ausência de infelicidade (esta provocada pela insegurança), mais vida e em abundância.

No sistema da cooperação, a divindade não é aborrecível, “Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro” (I João 4:19). A divindade não está esperando que corramos em busca de atender as suas exigências. Muito pelo contrário, já estamos recebendo o amor da divindade e, consequentemente, ela nos ajudará enriquecendo (oferecendo sua sabedoria ou graça) a nossa vida até que alcancemos os padrões muito altos do sistema moral divino. Se percebemos essa metodologia, traremos à divindade nossa gratidão traduzida em assiduidade aos ritos, alegria nas ofertas, amor aos nossos irmãos, na direção de esclarecê-los das vantagens da cooperação. Neste sentido, assim como a divindade nos enriqueceu a vida, também enriqueceremos outras vidas.

A incerteza e ansiedade provocadas pelo sistema moral da competição devem ser cambiadas pela harmonia e estabilidade do sistema da cooperação. Não devemos aceitar que a vivência humana tenha como decorrência a ansiedade, e esta como parte inevitável da vida, sendo necessário desenvolver resiliência e bem-estar em meio a incerteza.

O sistema moral cooperativo é muitíssimo estável, o próprio Jesus afirmou, “Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6:33), significando que não haverá necessidade de desenvolver resiliência para aceitar incertezas.

Por estarmos com limites visuais compactos provocados pelo degenerado sistema moral da competição, enxergamos que é pelo trauma que crescemos. Os teólogos usam até as histórias traumáticas de José e de Jó, por exemplo, para confirmar a teoria de que os embates (competições) nos fortalecem. Porém, essa não é a verdade bíblica. O profeta Isaías informa que o alívio dos sofrimentos e opressões alheios, o repartir o pão com o faminto (cooperar), o encobrir a nudez do desamparado sempre resultará em cura, em estabilidade emocional e bençãos divinas que garantem permanência e solidez quando afirma que “[...] e a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do SENHOR será a tua retaguarda” (Isaías 58:6-8).  

Os embates somente serão uteis se o sistema moral assumido for aquele oriundo da árvore da ciência do bem e do mal. O sistema da árvore da vida é o da paz. “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (João 14:27).

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