Deus indicou o trabalho como uma bênção
para o homem, a fim de ocupar-lhe o espírito, fortalecer o corpo e desenvolver
as faculdades. A citação de Ellen G. White (JMM 223.5) nos
convida a considerar o trabalho não apenas como uma necessidade física ou
econômica, mas como um instrumento espiritual, mental e educativo
dado por Deus.
“Trabalho
para ocupar o espírito” — o que significa?
No contexto
do pensamento bíblico e dos escritos de Ellen White, o termo “espírito” não se
refere a algo etéreo, mas à faculdade mais elevada da mente humana —
razão, consciência, discernimento moral e capacidade de comunhão com Deus (cf. Educação,
p. 17). Assim, ocupar o espírito com o trabalho significa: Direcionar a mente
racional para tarefas produtivas. Por óbvio, será necessário cultivar a disciplina
mental e a ordem, o que resultará no desenvolvimento de virtudes morais
como diligência, perseverança, criatividade e cooperação. Logo, evitar o vazio
mental que abre espaço para a tentação e o egoísmo (cf. Ezequiel 16:49 —
“ociosidade” foi um dos pecados de Sodoma), representa integrar coração,
mente e mãos no serviço a Deus e ao próximo, os dois princípios do reino de
Deus.
O pecado afetou
profundamente essa função nobre do trabalho. Antes do pecado, o
trabalho era alegre, harmonioso e espiritual. Adão lavrava e guardava o jardim
(Gênesis 2:15) com satisfação, comunhão e crescimento.
Satisfação é a dimensão da realização pessoal.
O trabalho no Éden não era um fardo, mas uma expressão de identidade.
Adão foi criado à imagem de Deus, e Deus é trabalhador (Gênesis 1; João 5:17).
Logo, ao lavrar e guardar o jardim, Adão expressava o próprio caráter divino, Satisfação
estética: contemplar a ordem, a beleza e o resultado direto do seu
trabalho. Satisfação moral: fazer o bem, cumprir um propósito dado
por Deus. Satisfação existencial: sentir-se útil, realizado e
participante da criação.
Ellen White
diz: “O trabalho foi ordenado ao
homem como uma bênção, para ocupar sua mente, fortalecer-lhe o corpo e
desenvolver suas faculdades.” (Patriarcas e
Profetas, p. 50).
Comunhão é a dimensão relacional e espiritual. O
trabalho de Adão não era solitário.
Ele lavrava e guardava o jardim diante de Deus,
pois estava em comunhão direta com o Criador, que o visitava
(Gênesis 3:8); lavrava e guardava o jardim para Deus,
uma vez que era como um mordomo, não um dono (Salmo 24:1); lavrava
e guardava o jardim com Deus,
porque estava como coadministrador do mundo (Gênesis 1:28;
2:19); lavrava e guardava o jardim em favor do futuro próximo
preparando o ambiente para Eva, que ainda seria criada (Gênesis 2:18-22). Além
disso, havia comunhão com a natureza,
pois
Adão não dominava com violência, mas cuidava como um servo fiel — guarda e cultivo são atos de amor.
Ellen White complementa: “Tudo quanto Deus criou era puro, santo e
adaptado às necessidades do homem. Todas as coisas criadas expressavam o
pensamento e o amor de Deus.” (Caminho a
Cristo, p. 9)
Crescimento é a dimensão do desenvolvimento contínuo.
Adão não foi criado perfeito no sentido de não poder melhorar. Ele foi criado sem pecado, mas com potencial de crescimento
infinito, especialmente no aspecto, mental:
aprendizado dos processos naturais, observação da criação, classificação (como
ao nomear os animais (Gênesis 2:19-20). No aspecto moral e
espiritual, obediência voluntária,
maturidade ética, contemplação de Deus na criação. No aspecto físico,
fortalecimento do corpo pela atividade regular e harmônica. No aspecto relacional,
desenvolvimento do amor, da cooperação e da sensibilidade, que se
intensificaria com a chegada de Eva. Ellen
White afirma: “Era desígnio de Deus que o
homem encontrasse alegria no trabalho.” (Educação, p. 214). “Adão era um ser
nobre, com poderosa capacidade intelectual... havia nobreza em sua expressão,
um brilho de santidade.” (História da Redenção, p. 21). A lavoura
de Adão era adoração prática. Ao
lavrar, ele crescia, comungava com Deus e se alegrava. Isso revela que o trabalho,
quando feito em espírito de submissão e propósito, não é uma atividade mundana, mas um ato espiritual.
Uma atividade
mundana é qualquer ação guiada por valores seculares, egoístas, sensoriais ou desvinculados de Deus
— mesmo que seja uma ação aparentemente “neutra” ou “correta”. É sempre motivada
por interesses pessoais acima do bem comum;
realizada sem consciência da presença de
Deus; visando prazer próprio,
status, lucro ou aprovação humana; desprovida de valores espirituais, mesmo se socialmente
aceita. Trabalhar honestamente, mas apenas para enriquecer e se tornar superior
aos outros — isso é mundano, embora seja “honesto” do ponto de vista jurídico. “Não
ameis o mundo, nem o que no mundo há... pois tudo o que há no mundo, a
concupiscência da carne, dos olhos e a soberba da vida, não vem do Pai.” (1 João 2:15-16).
Um ato
espiritual é qualquer ação, por mais simples que seja orientada
pela presença de Deus, pela obediência aos princípios divinos e pelo desejo de
glorificá-Lo. É sempre motivado por amor a Deus e ao próximo; realizada com consagração, fé e humildade; tem sentido transcendente, mesmo nas tarefas
comuns; promove o crescimento espiritual
de quem realiza e de quem recebe. Lavar pratos, estudar, cuidar de uma criança
ou varrer uma rua com espírito de serviço, gratidão e reverência — isso é
espiritual. “Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei
tudo para a glória de Deus.” (1 Coríntios
10:31). “No mais
simples dever cumpre-se o propósito de Deus quando é feito com espírito
consagrado.” (Educação, p. 264).
A mesma ação pode ser mundana ou espiritual. O
que muda é o coração e a intenção.
Comer pode ser um ato mundano
(glutonaria, vaidade alimentar) ou um ato
espiritual (alimentar-se com gratidão e moderação); trabalhar pode ser
mundano (exploração, ego) ou espiritual (mordomia, serviço); falar pode ser
mundano (fofoca, vanglória) ou espiritual (encorajamento, testemunho). A
diferença entre atividade mundana e ato espiritual não está na aparência, mas na essência.
Depois da
queda, o trabalho foi mantido, mas com dor, suor
e resistência da natureza (Gênesis 3:17-19). O solo se rebelou, assim como
o coração humano.
Contudo,
Deus não retirou o trabalho — Ele o ressignificou como remédio. Mesmo em
um mundo caído, o trabalho continua sendo um meio de restaurar parcialmente
o espírito. Ellen White comenta que o trabalho foi dado para contrariar
os efeitos da queda. “O trabalho é uma bênção, não uma maldição. [...] Foi
uma salvaguarda contra a tentação e uma fonte de disciplina e desenvolvimento.”
(Educação, p. 214).
Após o pecado, as três dimensões (satisfação, comunhão e crescimento) foram enfraquecidas — mas Cristo veio para restaurá-las: dar novo
sentido ao trabalho, restaurar a comunhão com Deus e fazer o homem crescer “em
sabedoria, estatura e graça” (Lucas 2:52).
Sem o espírito humano ativo, o trabalho tornou-se um fardo. Esse é um ponto crucial. O pecado entorpeceu o espírito humano,
tornando o ser humano carnal (Romanos 8:5-7), guiado pelos sentidos e não mais
pelo discernimento espiritual. O resultado foi que o trabalho passou a ser
visto apenas como sobrevivência, não mais como vocação ou expressão de
propósito; tornou-se um fardo (Eclesiastes 2:22-23), muitas vezes
mecânico, sem sentido, alienante; em vez de elevar o homem, passou a oprimi-lo,
especialmente quando associado à exploração, desigualdade e egoísmo.
Somente com
a regeneração espiritual pelo Espírito Santo, o trabalho recupera seu
papel formador do caráter e da mente, como nos tempos do Éden.
🌿 Conclusão
O trabalho
foi dado para ocupar e elevar o espírito humano. O pecado obscureceu essa
função, mas a graça de Deus pode restaurá-la. Fundamento bíblico está em
Gênesis 2:15: “Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do
Éden para o lavrar e o guardar.”
A lógica é que Deus criou o homem com faculdades
morais e espirituais superiores (o "espírito humano") — razão,
consciência, vontade, criatividade. O trabalho foi dado não como castigo, mas como
instrumento pedagógico para desenvolver a disciplina mental
(organização, foco), a maturidade emocional (paciência, persistência), a
altivez moral (serviço, responsabilidade) e a conexão espiritual (cooperação
com Deus, adoração prática). “O
trabalho é uma bênção, não uma maldição. [...] Ele é essencial para o
desenvolvimento físico, mental e moral.” (Educação, p. 214).
O
pecado obscureceu essa função. Fundamento bíblico está em Gênesis 3:17: “Maldita
é a terra por tua causa; com dor comerás dela todos os dias da tua vida.”
A lógica é descrita em Romanos 8:5-8: O pecado inverteu a ordem do ser
humano: a carne passou a dominar o espírito. O trabalho perdeu seu caráter
formador e espiritual e passou a ser um fardo físico (fadiga, dores, doenças);
uma tarefa mecânica (rotina sem sentido); uma busca egoísta (riqueza, status,
controle); um instrumento de opressão (exploração do próximo).
O espírito humano obscurecido não mais percebe o valor transcendente do
trabalho, vendo-o como castigo ou necessidade de sobrevivência apenas. “O
trabalho, em seu estado degradado, tornou-se apenas um meio de subsistência, e
não mais de elevação.” (Conselhos aos Professores, p. 230).
No entanto, a graça de Deus pode restaurar essa
função. “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar,
segundo a sua boa vontade.” (Filipenses 2:13); “Quer comais, quer bebais ou
façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus.” (1 Coríntios
10:31). Pela graça, o ser humano é regenerado
no espírito (Efésios 4:23-24). O Espírito Santo restaura o domínio da
mente espiritual sobre a carne (Gálatas 5:16-23). O trabalho volta a ser um chamado
vocacional (serviço com propósito); um ato de adoração
(glorificação a Deus); um meio de crescimento espiritual
(santificação diária); uma expressão de amor (mordomia e
serviço ao próximo). “Quando Cristo habita no coração, todo trabalho é feito
como para Deus. A menor tarefa torna-se nobre, feita com espírito consagrado.”
(A Ciência do Bom Viver, p. 474).
Deus criou o trabalho para formar o espírito
humano. O pecado inverteu essa ordem e obscureceu o propósito. A graça restaura
o espírito e dá novo sentido ao trabalho.
A
verdadeira espiritualidade redime o trabalho da banalidade, conferindo-lhe
sentido eterno. Como escreveu Paulo: “Quer comais, quer bebais ou façais
qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus.” (1 Coríntios 10:31).
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