domingo, 6 de fevereiro de 2022

O cenário institucional amazônico e a metodologia científica

 (Artigo publicado em 29 de novembro de 2021 no site Artigos.com)

Nos anos 1990, em uma das reuniões das terças feiras denominadas “Seminários da Amazônia”, patrocinadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a Dra. Ilse Walker, brilhante pesquisadora ecologista e ex-docente do Imperial College, London, afirmou que todos os modelos ecológicos propostos para regiões temperadas não tinham poder de elucidação para explicar as relações ecológicas na Amazônia. A pesquisadora queria significar que a Amazônia era um modelo em si, necessitando de métodos próprios para perceber sua realidade.

Provavelmente, a Dra. Walker estava coberta de razão. Cada centímetro quadrado na Amazônia é tão complexo que seria imperioso mais estudos teóricos com metodologias adequadas para que se pudesse desvelar as intrincadas relações causais existentes nos trópicos úmidos.

Metodologia científica tem sido discutida desde sempre, porque os estudiosos buscam maneiras cada vez mais precisas para observar e interpretar as observações.

A humanidade experimentou, especialmente a partir do século XVIII, evolução tecnológica jamais alcançada em tempos transcorridos. O método científico sofreu muitas análises por grupos de filósofos que buscavam dar maior possibilidade para que as interpretações dos dados e, portanto, de enunciados, não carregassem ampla gama de subjetividade, validando a produção dos saberes. Videira (2012), filósofo e professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, além de professor no Programa de Ensino e História da Matemática (UERJ), assinalou que o século XIX foi decisivo para o desenvolvimento científico, pois não apenas consolidou o que se convenciona chamar o método científico, como deu surgimento a instituições, as quais atualmente são reconhecidas como centros de conhecimentos, mas também deu início ao processo de depuração do método científico, sendo que grandes discussões ocorreram ao longo do século XX.

Faz-se mister construir o conceito de ciência, tal qual concebe-se hoje. Rebeca Furtado (2017), filósofa, trabalhando com Educação e Política, com ênfase nas áreas de Ética, Ontologia, História da Filosofia, Filosofias Decoloniais, Feminismos e Tradições Filosóficas não Ocidentais, faz uma esclarecedora análise sobre a compreensão do labor científico no século XIX, a qual nos auxiliará agora. Na língua inglesa, a palavra ‘science’ apareceu com a formação de instituições como, por exemplo, a British Association for the Advancement of Science, século XIX (1831).  Todavia, ainda não se denominava Science mas, era trocado pelo termo filosofia natural, conceito que vinha dos séculos anteriores. Já na língua francesa, ciência não estava confundida com filosofia e, já se fazia a separação entre ciência exata e natural. Porém, enquanto no inglês ciência estava ligada a experimentação, no francês o termo se aproximava mais da matemática, significando unidade de método, a exatidão do método, metodologia para observação, mensuração e cálculo. O método científico conforme conhecemos foi idealizado por René Descartes (1596–1650), mas, Francis Bacon (1561-1626) teve grande relevância na conceituação da metodologia científica. Porém, somente no final do século XVIII a institucionalização de programas gestou a chamada ciência moderna, dando início à necessidade de regras e métodos específicos, os quais, por sua vez, limitaram os objetos e campos da investigação da filosofia natural, que marcam a preocupação do “espírito científico moderno”. Todavia, é somente na segunda metade do século XX que a cooperação no trabalho investigativo torna a produção do conhecimento mais organizada e com capacidade de interpretações da realidade cada vez mais abrangentes.


Nicolas de Condorcet (1743 - 1794), um matemático e cientista político francês defendeu que o conhecimento científico era mais pragmático do que as especulações filosóficas, isto referindo-se às ciências exatas, uma vez que o conceito de ciência na França estava ligado à matemática. Dizia Condorcet que as ciências não se valem de opiniões, mas das observações da natureza que permitem mensurações e consequentes formulações que materializam as observações em cálculos e não em especulações (Furtado, 2012). Essa narrativa é fundamental porque traz à luz os pressupostos nos quais está fundamentado o método científico moderno, ou seja, a reunião entre matemática e empirismo (Merz, 1907). Assim, novas técnicas para experimentação tornaram ainda mais precisos os resultados e interpretações da realidade, fazendo com que a metodologia científica sofresse assimilação sem ressalvas.


O método científico tornou possível a universalização e testagem do conhecimento, uma vez que experimentos poderiam ser reproduzidos em diferentes locais, e se fossem mantidas as mesmas condições os resultados poderiam se repetir. A simples repetição reforça o método e evidencia a verdade.  Tal situação difere grandemente da filosofia, onde somente indivíduos capacitados poderão estabelecer verdades. O método científico, claramente parte para universalizar a forma de alcançar a verdade. Com a revolução industrial, máquinas começaram a substituir homens, e para a ciência que se cristaliza no mensurável, houve um ganho significativo, pois a subjetividade individual foi suprida pela aferição precisa, retirando qualquer dimensão mística, zerando, de uma vez por todas, qualquer confundimento entre ciência e filosofia.

Claramente, a pretensão científica era a de descrever os fenômenos por meio da formulação de leis baseadas apenas na objetividade da natureza que garantiam sua universalidade, ou seja, o ideal da pura observação e descrição dos fenômenos da natureza era sustentado pela mecânica clássica, sendo a física, neste momento, considerada o modelo de ciência moderna (VIDEIRA, 2011). Dois princípios baseiam a produção científica: o projeto de experimentos em condições controladas para obtenção das informações desejadas; e a formulação matemática do conhecimento.

Com o progresso das metodologias para experimentações empíricas e a concepção de novas formulações teóricas e, portanto, a ampliação das possibilidades de abstrações matemáticas, cada vez mais abrangentes, começaram a surgir divergências quanto a conceitos e enunciados mais adequados para descrições e explicações de determinados fenômenos, e com o avanço da própria mecânica, na qual foram incluídos novos conceitos não tão diretamente mensuráveis, foi sendo necessário discutir-se o pressuposto de que o conhecimento estava na própria natureza, bastando o cientista formulá-lo em leis.

Ildeu de Castro Moreira (1995), físico teórico trabalhando com sistemas não-lineares e história da ciência na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicando o abalo da mecânica clássica afirmou que:

 Vários fatores influenciaram as tentativas de revisão da mecânica clássica do século XIX. Entre eles podem ser citados: a introdução do conceito de energia; a busca de uma descrição mecânica para os fenômenos eletromagnéticos; a procura de uma conciliação da termodinâmica com a mecânica, onde a explicação da segunda lei em termos mecânicos era um obstáculo significativo; a construção de uma estrutura teórica para a mecânica que fosse logicamente mais perfeita e livre de alguns problemas já identificados por Kirchhoff e Mach e, finalmente, a tentativa de compatibilizar a visão mecanicista com o desenvolvimento dos estudos sobre os seres vivos. Diante desse quadro, os mecanicistas mais destacados são forçados a rever suas posições.

 Rebeca Furtado (2017) explicou que:

Com a crise no ideal positivista de pura descrição objetiva dos fenômenos, a ideia de que teorias científicas são representações do sujeito retoma espaço e precisa ser devidamente fundamentada a fim de garantir a legitimidade do conhecimento científico. [...] A relação com a filosofia kantiana, portanto, se torna evidente e novamente se pergunta pelos limites do conhecimento humano a partir do sujeito e não simplesmente a partir do objeto. Perguntas sobre qual é o papel do sujeito na produção de teorias científicas, qual é o estatuto da representação, se existe alguma estrutura a priori da razão humana e como ela se relaciona com a sensibilidade passam a ser perguntas da ordem do dia.

Para a ciência moderna, a procedência do conhecimento sai da Natureza, porém, o cientista não se torna um agente passivo que somente observa e fórmula, mas, organiza um projeto experimental no que estão estruturadas as formas de observação, fato que pode limitar a maneira pela qual a Natureza se apresenta para análise, uma vez que a metodologia eleita não permite ver todas as relações ocorrendo na gama complexa de variáveis envolvidas. Dougherty (2008) informa que: “Embora tal restrição cause inexatidão em relação ao conhecimento de todas as variáveis e suas interações, a complexidade da Natureza impede esse conhecimento completo de qualquer maneira. Para a ciência moderna, a razão traz o foco para o empreendimento científico”.

Um experimento produz um conjunto de medidas, as quais são a base empírica para o conhecimento. Tais mensurações, de per si, não significam que há conhecimento científico. As mensurações necessariamente devem estar integradas em um sistema conceitual, um conjunto de objetos inter-relacionados e interligados, ou seja, uma teoria a qual pode ser elaborada através dos raciocínios indutivo ou dedutivo, conforme Aristóteles indicou. O conhecimento científico é constituído pela síntese das medidas observadas, a qual é o resultado de uma interpretação racional. Tais sínteses estão relacionadas a variáveis e relações entre as variáveis. Um complexo de variáveis e suas relações compõem uma abstração matemática. As teorias científicas formam-se sempre por um modelo matemático composto de símbolos (variáveis e relações de causalidade entre as variáveis) e um conjunto de definições operacionais que relacionam os símbolos aos dados (Dougherty, 2008).

Todavia, as relações de causalidade, ainda que interpretadas por inferências matemáticas, apresentam limitações, as quais são oriundas de múltiplos fatores, incluindo o próprio tratamento matemático, a escolha dos dados para inferência, até mesmo interferências por causa dos sistemas computacionais.   Assim, conforme Dougherty (2008), haverá variáveis encobertas e externas ao modelo que comprometem as variáveis no modelo, fazendo com que o modelo se comporte estocasticamente, ou seja, cujo estado é indeterminado, com origem em eventos aleatórios.

A questão acima tem sua origem na discussão sobre causalidade que performou trabalhos de alguns filósofos do século XVIII, e que tinham sido preteridos pelos mecanicistas. O principal deles é Immanuel Kant (1724-1804), o qual assevera que o sujeito que observa tem papel preponderante na formulação das leis e teorias científicas. A metodologia científica atual pergunta pelos limites do conhecimento a partir do sujeito e não simplesmente do objeto. Estamos dizendo que a terminologia kantiana prevê que a abstração matemática constitui o objeto do conhecimento humano, ou seja, o experimento e o modelo matemático são irmãos siameses para a interpretação da realidade. “Um conceito sem percepção é vazio; uma percepção sem conceito é cega (Kant, 2008).

Durante o início do século XXI, a Universidade (academia), o preponderante repositório do conhecimento da sociedade mundial, bem como o carro-chefe da produção de novos conhecimentos tornou-se uma instituição bem-sucedida e, para países desenvolvidos, tornou-se globalizada em tamanho, tendo exportado o modelo para todos os quadrantes.

 O crescimento universitário trouxe incertezas nas garantias de financiamento, forçando a aproximação da universidade de outros setores além do governo, ou seja, investidores privados e empresas de consultoria passaram a ombrear a produção de conhecimento. Por esse motivo, o método científico consagrado, aquele que se materializa por experimentação, se divorciou cada vez mais do modelo humanista que se desenvolveu nos séculos XIX e XX, exigindo que as avaliações tradicionais sobre o valor das universidades e do conhecimento produzido, as quais eram orientadas por pares, fossem substituídas por ranqueamentos bibliométricos, criando-se uma nova ciência para avaliar chamada cientometria. As academias estão submetidas a um sistema competitivo, em busca de prestígio e, consequentemente, facilidade para atração de recursos financeiros. Tal modelo de avaliação deu surgimento às Universidades de nível mundial, com replicações alhures. O que deveria ser apenas indicador de qualidade se transformou em definidor de qualidade. As Universidades são ranqueadas em tabelas onde critérios métricos de avalição definem boas Universidades.

Mudanças substanciais nas avaliações impactaram negativamente as ciências sociais. As métricas avaliativas privilegiam o impacto das publicações e sua utilidade pragmática, ou seja, o conhecimento gerado deve ser traduzido em patentes e citações pelos pares. A lógica empregada é que a ciência é um empreendimento e, como tal, deve gerar novos recursos. Assim, num ambiente onde utilidade prática é a métrica, ciências humanas passaram a carecer de maior interesse social, uma vez que o sistema de avaliação por impacto prioriza domínios empíricos que se aplicam a experimentos repetitivos e, portanto, tendentes a gerar inúmeras publicações.  Assim, as Universidades passaram a dar quase nenhuma prioridade a pesquisas mais teóricas e históricas, quase alijando as ciências humanas das suas grades curriculares, uma vez que não carreavam recursos financeiros ou prestígio.   

Scott Doidge, John Doyle e Trevor Laurence Hogan, cientistas estudando teoria social, sociologia cultural e sociologia da educação, publicaram em 2020 uma síntese sobre a crise epistemológica nas Universidades em três países: Estados Unidos, Austrália e Reino Unido. Destacaram haver disposição para se discutir o papel das ciências humanas, porque promovem as habilidades comportamentais necessárias às forças de trabalho no século XXI. Chamam atenção para a revolução digital, que trouxe o aumento exponencial dos dados socialmente relevantes e que são controlados pelo setor privado, além da relevância da pesquisa para e sobre os desafios socioeconômicos atuais e, na era das "fake news" e epistemologia pós-verdade de Nietzsche, o ceticismo social em relação à pesquisa baseada em evidências e ciência em geral.

O cenário institucional está em plena transformação. No sistema tradicional três atores poderiam estar envolvidos, e com papeis bem definidos: 1) o governo fornecendo parte substancial dos financiamentos; 2) as Universidades e eventuais organizações doadoras efetuando pesquisas (lato senso) nas várias escalas de tempo; 3) o setor privado realizando, eventualmente, pesquisas aplicadas com interesses pontuais visando atingir o consumidor.

Agora, as novas configurações mostram maior complexidade, uma vez que os governos também estão envolvidos em experimentos sociais que visam compreender comportamentos para garantir maior governança; as organizações sem fins lucrativos, tais como, “Think Tanks”, ou seja, instituições ou organizações dedicadas a produzir e difundir conhecimento sobre temas políticos, econômicos ou científicos, também estão envolvidas em pesquisas sociais e políticas, mantendo agendas de curto prazo e de impacto na busca de indicadores observáveis de impacto, significando que a coleta de dados não está somente nas mãos dos cientistas, mas, o setor privado também controla e coleta dados, especialmente aqueles relacionados ao comportamento humano. É como se estivéssemos identificando um novo pacto para produção de conhecimentos que objetiva identificar um conjunto de entendimentos e expectativas compartilhadas para construir confiança, algo que vai muito além da atual organicidade das instituições de pesquisas e das disciplinas que normalmente estão em operação.

As mudanças acima são patrocinadas pelo desenvolvimento digital que, por sua vez, gerou o “Big Data”, ou seja, um conceito que descreve o grande volume de dados estruturados e não estruturados que são gerados a cada segundo. Tais dados podem tornar visíveis variáveis como insatisfações, satisfações, desejos, necessidades entre outros, captados em mídias sociais e cruzados com dados internos de uma empresa, por exemplo, e assim criar compreensão ou soluções para problemas pela súbita captação mental produzida por grandes volumes de dados dos elementos e relações adequados a uma determinada demanda. O “Big Data” está transformando a maneira de produzir conhecimento, uma vez que permite investigar não apenas aquilo que a natureza desvela, mas, permite inferir sobre história e herança de um lugar e de sua população, tornando possível inferir sobre o futuro.

Claramente, as inovações serão efetuadas como roupa feita sob medida. Respostas científicas para problemas emergentes poderão fornecer aos tomadores de decisões ferramentas muito mais precisas para soluções complexas. No momento atual, quando a humanidade se vê atordoada pelo corona vírus, o estudo comportamental de populações na várias regiões do mundo poderia fornecer perspectivas para medidas profiláticas particularmente adequadas, muito diferentes de um universal lockdown. Está-se falando de translação de conhecimentos, algo ainda não universalmente aceito e praticado.

A força do “Big Data”, assim como da revolução digital, tem permitido o compartilhamento dos dados e de plataformas para pesquisa e análise de dados, levando à necessidade de estruturas colaborativas transdisciplinares e trans institucionais.

Harry Collins e Robert Evans(2002) Levantaram um problema que, até então, não estava na visão dos cientistas. Perguntaram se aqueles que não tem treinamento formal para produção de conhecimentos científicos poderiam ter expertise considerada e voz, sememlhantemente aos que são especialistas formais?

Até meados do século XX, um bom treinamento científico era considerado como suficiente para que uma pessoa reunisse autoridade e poder de decisão em seu próprio campo e, em alguns casos, em outros campos também. O que se está querendo significar é que ciência era considerada uma atividade quase esotérica, logo, autoritativa, dando ao que era iniciado poder de decisão positiva. Porém, desde os trabalhos realizados pelo Circulo de Viena (um grupo de filósofos que se juntou informalmente na Universidade de Viena de 1922 a 1936 com a coordenação de Moritz Schlick. Seu sistema filosófico ficou conhecido como o "Positivismo Lógico" ou ainda Empirismo Lógico ou Neopositivismo) que buscaram resolver problemas de fundamento da ciência, além dos trabalhos de Karl Popper e Thomas Kuhn, o positivismo científico começou a decair até que no final dos anos 1970 a metodologia científica clássica foi amplamente questionada, formulando-se o método hipotético dedutivo, cujo defensor era, principalmente Karl Popper.

Com o crescimento das ferramentas de Tecnologia da Informação (TI) e o uso intensivo da matemática estatística, e o surgimento do “Big Data”, as ciências experimentais viram-se necessitando de uma dimensão que se havia perdido nos séculos XVIII e XIX, por causa do positivismo científico. Os grandes problemas científicos não poderão ser compreendidos em sua complexidade sem a inclusão das ciências sociais, ou seja, a transdisciplinaridade, que lida com a complexidade dos problemas globais e pretende, portanto, criar uma metodologia científica que resulta da somatória das metodologias das várias disciplinas, passando a carecer da inclusão de variáveis sociais.

Harry Collins e Robert Evans (2002) concordam que houve três ondas de estudos sociais nas ciências. A primeira onda questionou as bases cientificas. Thomas Kuhn, em seu trabalho “A Estrutura das Revoluções Científicas”, discutindo o que ele considerava mudanças de visões de mundo e o conceito da incomensurabilidade, ou seja, da mudança de significado que um conceito pode experimentar quando submetido a uma nova teoria, como que iniciou o sepultamento do positivismo acadêmico, dando início a um novo momento metodológico que permitiria mudanças de concepções de mundo, portanto, novos conceitos para antigas semânticas.

A segunda onda, a partir dos anos 1970, ficou conhecida como a sociologia do conhecimento científico. Agora sabe-se que é necessário recorrer a "fatores extra-científicos”, porque método científico, experimentos, observações e teorias não são suficientes. A percepção da ciência como atividade social tem buscado o uso de dados de instituições sociais, tais como tribunais, escolas, inquéritos públicos, dados coletados pelo Google etc.  Assim, para se construir soluções a problemas complexos que atingem diretamente populações, o método científico lança mão de experiências que não são consideradas rigorosamente metodologia científica, ou seja, está-se falando de uma nova teoria normativa da expertise.

A terceira onda envolve encontrar uma lógica especial para a ciência e tecnologia, ainda que estejamos, de forma tensa, aceitando as revelações da segunda onda. A disposição para encontrar uma lógica especial para a ciência e tecnologia, considerando a desconstrução que a segunda onda provocou na metodologia científica significa reconstruir o conhecimento. Assim, é possível verificar que as instituições de pesquisas plantadas na Amazônia, as quais claramente ainda permanecem na primeira onda, jamais irão poder dar respostas adequadas aos intrincados problemas regionais. A visão cientifica amazônica é fundamentalmente positivista. Por essa razão, será necessário pensar num modelo especial de pesquisas. A visão de mundo amazônico está plasmada conceitualmente no pensamento europeu, consequentemente, não há chance para a academia regional oferecer soluções científicas e tecnológicas suficientes para gerenciar questões amplamente diferentes das europeias.


Referências

Collins, H., & Evans, R. (2002). The Third Wave of Science Studies: Studies of Expertise and Experience. Social Studies of Science, 2, pp. 235–296.

Doidge, S., Doyle, J., & Hogan, T. (2020). The university in the global age: reconceptualising the humanities and social sciences for the twenty first century. Educational Philosophy and Theory, 52(11), pp. 1126–1138.

Dougherty, E. R. (2008). On the Epistemological Crisis in Genomics. Current Genomics, 9(2), pp. 69-79. doi:10.2174/138920208784139546

Furtado, R. (2017). Conexões entre filosofia e ciências no séc. XIX: um estudo sobre o desenvolvimento das ciências naturais e suas reverberações na filosofia alemã deste período. Em Construção, 1(1), 25-50. doi:10.12957/emconstrucao.2017.28123

Kant, I. (2008). Critica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

MERZ, J. T. (1907). A history of European thought in the nineteenth century. Vol. I. London: Willian Blackhood and sons.

MOREIRA, I. d. (1995). As visões física e epistemológica de Hertz e suas repercussões. Revista da SBHC, 13, pp. 53-64.

VIDEIRA, A. A. (2011). Metafísica, Físicos, Valores: Um ensaio sobre a crise dos fundamentos das ciências naturais na passagem do século XIX para o século XX. Ensaios Filosóficos, IV, 186-213.


2 comentários:

JORGE CAMPOS disse...

O CENÁRIO INSTITUCIONAL AMAZÔNICO E A METODOLOGIA CIENTÍFICA
Sou o Prof. Jorge campos da UFAM. Parabenizo o Prof. Dr. Claudio Ruy por esse artigo, oportuno, que aborda questões importantes da Amazônia. Pela riqueza do exposto no artigo, muitas são as considerações que podem ser feitas, todavia, vou ater à algumas. Manifesto que também concordo que precisamos estudar mais sobre a Amazônia, pois talvez tão grande quanto a Amazônia seja o nosso desconhecimento dela. Outro ponto que me deixa contente é a percepção de que precisamos fazer ciência considerando um ambiente mais sistêmico e integrado, e não particularizado, dividido como o atual. Esse comportamento é fruto da abordagem clássica da administração (Taylor e Fayol) que estabeleceram a divisão do trabalho. Veja que em sua empresa CADA FUNCIONÁRIO FAZ UMA PARTE DO TODO E PERDE A VISÃO DO TODO. Outra questão abordada diz respeito ao papel das Universidades no atual contexto, ressalto o social, tecnológico e o econômico. Estou convencido de que necessitamos repensar a Universidade na sua missão de dar as respostas à sociedade em termos de produção de novos conhecimentos e formação de capital intelectual. Por fim, reitero que precisamos assumir o comando nos grande debates em relação à Amazônia, hoje sob o comando daqueles que não vivem aqui. Mais uma vez PARABÉNS POR ESSE ARTIGO

Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca disse...

Caro Prof. Jorge Campos,sou grato por ter lido e aportado comentários importantes. Há, de fato, pouca apreciação acadêmica pela transdisciplinaridade. É tempo de pensar...