sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Escravidão hedônica X Escravidão celeste

 

A história humana está marcada por uma sucessão de eventos políticos e sociais que, na sua grande maioria, culminam com supremacia de grupos humanos sobre outros grupos humanos. Quando um grupo se torna dominante, a força exercida acontece de muitas formas, sendo uma delas a sujeição de grupos humanos a um regime escravagista. Nesse caso, tornar-se escravo determina que serão apagadas tradições, todas as volições, todas as liberdades, sendo que até mesmo escolhas pessoais não contarão. Tal situação é a mais arbitrária e contrária ao propósito da criação humana. A libertação de escravos, quando ocorre, é um processo muito difícil, o qual conta com a má vontade dos opressores e dos que lucram com a escravidão. Se um escravo foi submetido a uma longa e severa opressão, não saberá lidar prontamente com a liberdade. Dá-se, em muitos casos, a degradação moral em níveis mais aviltantes. Somente um processo de educação visando a reconstrução moral poderá ajudar.

Há, no entanto, outro tipo de escravidão tão severa e cruel como a acima descrita; aquela que escraviza as ideias, a vontade, a liberdade, sem, contudo, usar força coercitiva. Esse tipo de escravidão é atualmente a mais usual, sendo que as nações poderosas, no atual cenário geopolítico, submetem nações mais vulneráveis sem nenhum uso de armas ou opressão política; simplesmente empregam a força da sua cultura e do seu comércio. Tal sistema força o surgimento de novas e modernas necessidades, por indução mental, que levam populações a se utilizarem das tradições e costumes dos opressores, dispensando as tradições locais através da imposição efetuada pelo chamado marketing.

Um caso típico da situação acima, no Brasil,  é o Black Friday e o Halloween, que já forçaram entrada no imaginário local, e ambas as efemérides estão agora como que figurando tradicionais aos brasileiros. Os USA escravizam as mentes com sua potência intelectual e sua força econômica. Contra esse tipo de escravidão quase não há remédio. Mas, uma nação se diferencia, principalmente, por sua língua e sua moeda. Se assim, o mundo é escravizado pela língua inglesa e pelo Dólar americano. É um sistema de escravidão mental, uma opressão que o mundo julga sendo necessária e benigna. No caso brasileiro, nossa juventude não está sendo educada para pensar, sentir e se comportar como nativos; comem hamburgueres, pizzas, batatas fritas, bebem Coca Cola, ao invés de feijão com arroz e suco de maracujá ou guaraná, vestem-se como americanos, consomem cultura alienígena, matriculam-se voluntariamente em cursos para língua inglesa, não dando-se conta que estão submetidos a uma escravidão mental. Essa escravidão é quase incurável.

A cosmovisão bíblica exige que reconheçamos Deus como único Senhor (Marcos 12:29-31). Em outras palavras, se consentirmos na escravidão, sirvamos ao Senhor. Todavia, a escravidão ao Senhor não retira o alvedrio, ou seja, o juízo, pois não se trata de um cerceamento de volição, mas exige que sirvamos ao Senhor de todo o nosso coração, ou seja, não devemos nos submeter sem assentimento intelectual, de toda a nossa alma, ou com exercício pleno de nossa vontade, de todo nosso entendimento, terá que existir a informação e a sabedoria.

A situação acima é diametralmente oposta à escravidão mental dos sistemas políticos do mundo. Todavia, o serviço a Deus também exige disciplina e interesse pelo próximo, no sentido de enriquecê-lo. Há ordem, sendo declarado que “Vocês não agirão [...] cada um fazendo o que bem entende; mas “tenham o cuidado de obedecer a todos os mandamentos” (Deuteronômio 12:8,28). Toda influência que o Reino de Deus exerce é através do vínculo do amor. Os servos imitam o Senhor em submissão voluntária, sendo a mente unida à do Senhor, ocorrendo assim o processo mais elevado de educação, ou seja, o desenvolvimento físico, mental e espiritual. O progresso que deverá resultar é a educação de jovens e adultos transformando-os em cooperadores de Deus. Neste sentido, não estamos num regime de escravidão coercitiva, mas, num sistema de abnegação onde cada atributo ou dom será utilizado para erguer os semelhantes.

Por outro lado, há um esforço constante no processo civilizatório humano, no sentido de evidenciar ser o serviço ao Senhor uma alucinação, dando crédito ao saber dos homens, à cosmovisão da ciência humana, a qual explica que a natureza é obra do acaso ou procedente de causas naturais. Todavia, os estudos científicos não passam de interpretações, logo suposições, sendo muito estranho que os homens confiem avidamente em suposições ao invés de aceitarem o relato dado por Deus, ao qual o apóstolo Paulo adiciona que “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça” (II Timóteo 3:16).

As mentes humanas estão submetidas (incluindo a dos cristãos) a um sistema escravizador não perceptível que impõe comportamentos e aprisiona vontades, educando a população para agir contrariamente ao exigido nos princípios da lei de Deus (Amor a Deus e amor ao próximo). O chamado marketing submete os intelectos, influencia incontrolavelmente pessoas ao consumo em relação aos costumes e utensílios, atos desfavoráveis às ordens divinas. O marketing cria um ambiente educacional que escraviza, sem que a população tenha consciência. Além disso, vai conformando a infraestrutura da cidadania, de maneira que todos os cidadãos sejam forçados a usar tal infraestrutura, concebendo ser indispensável para uma vida com qualidade. Nada é mais prosaico do que passear no shopping, onde há suposta segurança, além de ser conveniente, mas é uma armadilha mental favorável ao desenfreado consumo. Se a abnegação e a preocupação com o crescimento do próximo são o alvo da educação no reino de Deus, o consumo carregado no hedonismo, é o auge do comando escravagista no reino do inimigo de Deus.

Todas as ordenações jurídicas que facilitem o crescimento comercial carregam o princípio do hedonismo em sua face mais injusta e cruel. Injusta porque nem todos podem consumir, e cruel porque o consumo vicia; é parte da estratégia do inimigo das nossas almas para aprisionar nossa liberdade. Se a busca pela felicidade reside no ter, quando tivermos tudo, como faremos para ser felizes? O consumismo nos afoga em objetos, nos aprisiona num sentimento que propõe não poder viver sem os objetos, nos afasta completamente do amor a Deus e ao semelhante, portanto, nos afasta de Deus.

 Em Mateus 24:24, Jesus adverte que falsos mestres com mentes prodigiosas enganariam e, se possível fora, enganariam até os escolhidos. Obviamente, o texto não está falando apenas de teologia. A luta entre o bem e o mal dá-se num nível de altíssima cognição. As estratégias são muitíssimas e sofisticadas e as mentes humanas são como presas inocentes. Há milhares de obras escritas por autores respeitados, indicando o caminho da felicidade no poder, no aplauso e no consumo. Para os cristãos, a Bíblia recomenda que a imparcialidade moral somente pode acontecer no ambiente da Lei de Deus. Há caminhos que ao homem parecem direitos, mas ao cabo dá em caminhos de morte (Provérbio 14:12). Para resistir o ambiente do marketing os homens terão que estar influenciados pela áurea corrente da amorosa obediência. Devem curvar-se em submissão à vontade de Deus para saírem do reino hedônico deste mudo e se tornarem filhos de Deus.

 A pandemia nos está mostrando o oculto sistema escravagista do marketing operando de forma muito forte. Uma das demonstrações está sendo exibida no comportamento dos consumidores de viagens aéreas. Uma vez que há um déficit de voos as companhias aéreas começaram a oferecer viagens para lugar nenhum. Na verdade, são voos panorâmicos com duração de uma hora ou um pouco mais, que decolam e aterrissam no mesmo aeroporto. As reportagens sobre o assunto têm mostrado a face hedônica dos clientes quando afirmam que se tornaram felizes por poderem ter os tickets de embarque, sentir o cheiro do avião, comer a comida servida a bordo, desembarcarem tendo os amigos esperando. Pura sensação de que por consumirem um sobrevoo adquiriram felicidade. Um equívoco não inteligente, mentes aprisionadas pelo consumismo, escravas do marketing. Esse tipo de personalidade muito provavelmente não responderia a um chamado para ajudar com recursos o enriquecimento de alguém degradado pela “essencial” filosofia do hedonismo.

A lei de Deus é o antídoto a essa situação. Ela é a regra moral que funciona como o antibiótico às ideias humanas de bem estar.

Felicidade tem sido assunto de pesquisa em alguns trabalhos científicos (Sonja Lyubomirsky – Universidade da California, USA; Stephen Post – Case Western Reserve University, USA; Neal Krause – Universidade do Michigan, USA; por exemplo) que concluíram que felicidade é encontrada no suporte a outras pessoas, ajuda social efetiva, que trazem sentimento de exultação ou contentamento, o que torna o ser humano mais forte e com mais energia. Assim, felicidade está ligada ao fortalecimento de nossas conexões sociais, nossas relações com nossa família e nossos amigos, ou seja, pessoas felizes têm melhores relações, tendem a ser boas companhias, têm um amplo círculo de amigos, amam se relacionar e dar amor e suporte social. Relações sociais, mais do que dinheiro, ou fama, são o que mantém pessoas felizes através de suas vidas.

O sábio Salomão chegou à conclusão que adquirir não satisfaz: “Fiz para mim obras magníficas; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz para mim hortas e jardins, e plantei neles árvores de toda a espécie de fruto. Fiz para mim tanques de águas, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Adquiri servos e servas, e tive servos nascidos em casa; também tive grandes possessões de gados e ovelhas, mais do que todos os que houve antes de mim em Jerusalém. Amontoei também para mim prata e ouro, e tesouros dos reis e das províncias; provi-me de cantores e cantoras, e das delícias dos filhos dos homens; e de instrumentos de música de toda a espécie. E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol” (Eclesiastes 2:4-8,11).

O sábado é, entre outros significados, uma estratégia poderosa para felicidade, uma vez que é dedicado a efetuação de coisas que têm um valor, mas não um preço. É o dia supremamente contrário ao marketing. Não podemos comprar e nem vender. Não podemos trabalhar e nem pagar outros para trabalharem por nós. É um dia quando celebramos relacionamentos. Pais abençoam suas famílias. Tomamos tempo para ter uma refeição com a família e, às vezes, convidamos amigos. Na igreja renovamos nosso senso de comunidade. Pessoas compartilham suas alegrias com outras. Os enlutados encontram conforto para suas dores. Estudamos a Bíblia juntos e cantamos os mesmos hinos, lembrando-nos da história da qual fazemos parte. Oramos juntos, agradecendo a Deus por nossas bençãos. O sábado é uma instituição transformativa, convertemos o trabalho em celebração do espírito humano; um dia de gratidão, quando descansamos da lida semanal e encontramos refúgio num oásis de repouso. Finalmente, o Rabino Jonathan Sacks afirma, em seu livro Morality que: “o sábado é a estratégia divina que coloca limite no marketing e sua escravidão mental. Valores como lealdade que não são sacrificados para buscar o lucro; aspectos de felicidade que derivam não do que compramos ou ganhamos ou possuímos, mas, do que contribuímos para a vida de outrem; gratidão pelo que temos em vez de anseio pelo que não temos. Os valores do marketing não são os únicos que contam. Há outros necessários para felicidade pessoal e a beatitude coletiva que constitui uma boa sociedade. Casamento não é uma transação. A paternidade não é uma forma de propriedade. Universidades não são maquinas de venda intelectual. A saúde é distinta dos cuidados com a riqueza. A política não deve ser uma forma de poder à venda”.

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