Israel estava prestes a
atravessar o Jordão e entrar na terra prometida, então, Josué deu uma ordem: “Santifiquem-se, porque amanhã o SENHOR fará
maravilhas no meio de vocês” (Js 3:5). Razão dessa ordem é que,
semelhantemente como na ocasião do Sinai, quando Deus iria transformar uma
multidão de peregrinos em nação constituída, esse era outro momento de
transição e de grande manifestação do poder divino. Antes de qualquer
intervenção sobrenatural, Deus chama o povo a um preparo espiritual. A
santificação aqui incluía práticas de purificação cerimonial (como lavar
roupas, abster-se de impurezas rituais, Ex 19:10-15), mas ia além do aspecto
externo.
O verbo hebraico qadash significa
“separar, consagrar, tornar santo”. A ordem de Josué visava separar o povo das
distrações comuns, chamando-os a dedicar-se totalmente a Deus. Ou seja, antes
de ver as maravilhas divinas, era necessário alinhar a vida com a vontade do
Senhor.
Na lógica bíblica, a santificação é sempre pré-condição da presença manifesta de Deus.
Algo semelhante ocorreu:
· no Sinai: “Santifica
o povo hoje e amanhã, e lavem as suas roupas” (Ex 19:10), antes da
revelação da lei;
· no tabernáculo: a glória do Senhor só encheu o
santuário após a consagração (Lv 9:6, 23-24);
· no Novo Testamento: Jesus orou “Santifica-os na verdade, a tua palavra é a
verdade” (Jo 17:17), antes de enviar os discípulos em missão.
A ordem ensina que não há maravilha de Deus sem
preparação do coração humano. O povo não poderia confundir o
poder divino com magia ou espetáculo: as maravilhas são resposta a um coração
consagrado. A santificação é o reconhecimento de que a iniciativa é de Deus,
mas a disposição é do homem.
Segue-se que a santificação não é
ritual externo, mas entrega interior. Em Hebreus 12:14, o apóstolo Paulo afirma
que santificar-se significa negar o eu e promover a paz: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a
qual ninguém verá o Senhor.” A lógica permanece: se desejamos ver a
atuação de Deus em nossa vida, devemos nos colocar em estado de consagração,
separação do pecado (competição) e dedicação ao serviço divino. Logo, a ordem
de Josué significa que a manifestação de Deus é precedida por um chamado à
preparação espiritual. A santificação (promoção da paz) é a chave que abre
espaço para que as maravilhas de Deus não sejam apenas vistas, mas
compreendidas e vividas como parte do Seu plano.
Biblicamente devemos — entender a santificação como
paz entre irmãos. O texto mencionado
(Hebreus 12:14): “Segui
a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” mostra que o autor não separa os dois
elementos, mas os coloca lado a lado como realidades
interdependentes. A paz com o próximo não é opcional, mas parte
integrante da santificação.
Além disso: 1
João 4:20 — “Se alguém disser: Amo a
Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso.” Mateus
5:23-24 — Jesus ordena reconciliar-se com o irmão antes de oferecer a
oferta no altar. Romanos 14:19 — “Busquemos, pois, as coisas que contribuem para a paz e para a
edificação de uns para com os outros.”
Os textos acima
mostram que não existe santidade autêntica
sem reconciliação e amor fraternal.
A santificação é separação para Deus, mas isso
não é isolamento individualista; ela se manifesta em relacionamentos restaurados. Se Deus é amor (1Jo
4:8), ser separado para Ele implica refletir
Seu caráter de amor, especialmente no trato com os irmãos. O pecado
rompeu não só a relação com Deus, mas também com o próximo (Gn 3:12; 4:8).
Logo, santificação implica reconstrução da paz.
Seguem alguns exemplos bíblicos sobre o
entendimento bíblico da lógica da santificação: Moisés no Sinai:
após adorar a Deus, ele intercede pelo povo (Êx 32:30-32). A santificação de
Moisés se expressa em amor ao próximo. O tabernáculo: o culto
incluía ofertas de paz (shelamim),
símbolo da comunhão restaurada entre Deus, ofertante e comunidade (Lv 3). Na Santa
Ceia, que simboliza oferta pacífica, ocorre a restauração da harmonia com Deus
e com o próximo: é o Céu promovendo santificação e insistindo conosco para abraçá-la.
Jesus: em João 17, Ele ora pela santificação dos discípulos (“Santifica-os na verdade”), e logo depois
pede pela unidade entre eles (“para que sejam
um”).
Podemos
dizer que santificação não é apenas vertical (com Deus), mas também
horizontal (com os irmãos). Buscar pureza pessoal sem cultivar paz é uma
santificação incompleta. A vida cristã só é plena quando a separação do pecado
se traduz em comunhão restaurada. Portanto, a paz entre irmãos é parte
essencial da santificação. Não se trata de dois caminhos paralelos, mas de uma mesma
estrada com duas faces: comunhão com Deus e comunhão com o próximo.
A
Simplicidade da Santidade é estar em relacionamento —
com Deus e com o próximo. Jesus resumiu em dois mandamentos simples:
amar a Deus e amar ao próximo (Mt 22:37-40). João reafirma: “Quem ama é
nascido de Deus e conhece a Deus” (1Jo 4:7). Ou seja, o fundamento da santidade
é claro: relacionar-se corretamente.
A Complexidade da Santidade se mostra
porque relacionamentos são dinâmicos: exigem diálogo, perdão, paciência,
reconciliação. Exigem ligações múltiplas: cada pessoa está conectada a
muitas outras, como numa rede. Um elo rompido afeta toda a estrutura. Há também
um custo pessoal: amar não é só sentimento, mas sacrifício (Jo 15:13). Assim, a santidade envolve processos de
amadurecimento, renúncia e constante ajuste nas ligações.
A “Simplicidade Complexa” está na
possibilidade de ver a santidade como uma teia viva de relacionamentos: É simples na raiz (um só
princípio: amor). É complexa no desdobramento (inúmeros vínculos a serem
nutridos e mantidos). Essa é a lógica de Hebreus 12:14: Buscar santificação
(ligação com Deus). Buscar paz (ligação com o próximo). Ambos são inseparáveis.
A santidade é simples no princípio
(amar), mas complexa no vivido
(amar em rede, em vínculos concretos).
Um comentário:
Análise interessante. Gostaria de enfatizar que neste processo é o próprio Deus quem nos santifica. “Portanto santificai-vos, e sede santos, pois eu sou o Senhor vosso Deus. Guardai os meus estatutos, e cumpri-os. Eu sou o Senhor, que vos santifico (Levítico 20: 7-8). Como já dito: a santificação jamais acontecerá alienada de Deus. O que Deus pede ele mesmo dá - nossa dependência e submissão a Deus precisa ser plena; sem ressalvas.
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