A história da humanidade não acontece aleatoriamente e nem o acaso tem participação. Há um planejamento subjacente para cada ser humano o qual foi pensado por Deus, sendo que as escolhas individuais determinam o sucesso ou fracasso do plano de Deus e de uma vida.
Claudomiro Franco da Fonseca se
tornou um Pastor por escolha divina, revelada quando ainda era menino, com
idade de quatro anos. Em seu aniversário teve um sonho que orientou toda sua
vida. Nesse sonho a sua mãe, Isaura Franco da Fonseca, recebeu a visita de um
senhor alto, bastante corpulento, mas muito bonito, todo vestido de preto. Foi
uma visita breve, mas esse senhor conversou bastante com ela, e o menino de
então sentou-se ao chão admirado de ver um senhor tão bonito e tão diferente
que em poucos momentos se despediu e caminhou em direção à rua atravessando-a,
alcançando uma árvore de castanholas. Parou ali e algo parecido a um
guarda-chuva se abriu aos seus pés e ele foi subindo, subindo, subindo até
desaparecer. Então o menino entendeu que era a visita de nosso Pai que está nos
céus; Jesus o havia visitado. Aquilo ficou na mente do jovem Claudomiro até que
conheceu a verdade.
Em sua adolescência, precisamente
aos treze anos, o seu pai, Silvestre Fialho da Fonseca, que costumava, depois
de um dia de trabalho, regressar para casa caminhando, foi abordado por duas
jovens ao passar pela praça da República, em Belém do Pará. Elas entregaram-lhe
um convite para assistir projeções luminosas que um conferencista chamado Leo
Halliwell estava realizando num cinema em Belém. Silvestre gentilmente acolheu
o impresso e ao chegar em casa leu-o cuidadosamente e resolveu assistir.
Chegando ao local das projeções logo ficou interessado pelo modo de falar do
expositor (falava um português muito precário) e pelas ilustrações projetadas
durante o discurso, as quais continham figuras e textos bíblicos. Aquela
novidade encantou Silvestre que, no dia seguinte, convidou o jovem Claudomiro
para assistir também. Este relutou um pouco, mas obedecendo foi. Quando
terminou a função naquela noite o jovem estava muito influenciado e, a partir
dali ambos não perderam nenhuma noite. No final da série de palestras Sivestre
já havia se definido, e reconhecendo que se tratava de uma nova religião, ficou
muito interessado em obter maior aprofundamento nas doutrinas, tais como, a
volta de Jesus, o que é o céu e onde está, o dia de guarda do quarto
mandamento. Então o conferencista convidou aos ouvintes para outras reuniões
num outro endereço sendo que todos atenderam. Ali ficaram por muito tempo, até
que o jovem Claudomiro decidiu-se pelo batismo.
Logo depois do batismo o Pastor
Halliwell convidou Claudomiro para trabalhar com ele, na condição de office boy
e, com o passar do tempo, o jovem foi evoluindo através dos estudos. Quando
completou dezenove anos o Pastor Halliwell o estimulou a ir para o Rio de
Janeiro completar os estudos, garantindo-lhe a passagem de navio e o primeiro
ano de estipêndio escolar. Assim, Claudomiro chegou ao Instituto Teológico
Adventista (ITA), em Petrópolis, Rio de Janeiro, onde permaneceu aquele ano. No
final do ano o jovem estudante foi para São Luiz (MA) para colportar, ganhando
dois estipêndios e, naquela ocasião, o Pastor Halliwell aconselhou-o para que
fosse para o Colégio Adventista Brasileiro, em São Paulo capital, para
continuar seus estudos, e com grande alegria migrou, tendo ali concluído o
curso Teológico.
Agora com um diploma voltou para
Belém (PA) no ano de 1942, onde foi trabalhar na Missão Baixo Amazonas (MBA),
na condição de auxiliar de contabilidade. Em 1943 casou-se com a Professora
Esmeralda Vasconcellos da Fonseca sendo em seguida nomeado caixa da MBA. Em
1946 tornou-se o primeiro tesoureiro da Missão Costa Norte, com sede em
Fortaleza (CE), local onde, por mercê de Deus, nasceram dois filhos: Ligia e
Claudio, seu terceiro filho, Clóvis, nasceu em Belém, PA. Ali também pode
construir a igreja central, fato que o encheu de realização.
Depois, por buscar um lugar onde
a sua saúde tivesse melhor equilíbrio, transferiu-se para São Paulo, onde
desenvolveu seu trabalho na Superbom, a fábrica de alimentos da organização
Adventista, mas por um breve período, sendo logo guindado ao cargo de professor
de contabilidade no antigo Colégio Adventista Brasileiro. Todavia, o seu
coração palpitava pelo norte do país e, tão pronto quanto pode transferiu-se
para Manaus, no ano de 1950, para ser o primeiro tesoureiro da Missão Central
Amazonas (MCA), permanecendo até 1957.
Chegando no cais de Manaus, o
Pastor Claudomiro foi recepcionado por todo o grupo de obreiros: o Presidente,
Pastor Walter Streithorst e o Pastor Harley Boehm da igreja central, o único
templo então construído. Dali foram até ao escritório da MCA para conhecer as
instalações e depois foram à casa onde deveria ser a residência do Pastor
Claudomiro. Um fato curioso é que a casa era repartida com uma família que não
era adventista, isso devido à grande demanda por moradias e a escassa
disponibilidade de imóveis para alugar, submetendo os obreiros de então a
algumas condições desconfortáveis. Todavia, no caso do Pastor Claudomiro ele
tinha felicidade no coração por estar na região norte e por ter a oportunidade
realizar um trabalho pioneiro e promover, tanto quanto possível, atividades que
Deus pudesse se agradar, tomando parte dos negócios do Seu Reino.
A dinâmica de trabalho na MCA era
dura, ponderando que havia somente três obreiros, sendo que todos os
departamentos estavam divididos entre eles. Então começou a obra de penetração,
tendo o município de Maués como ponto de partida, pois já havia um núcleo adventista
ali liderado por José Batista Michiles. Também foram abertas duas escolas, uma
para os índios Maués e outra no rio Andirá, Parintins, para os índios Sateres.
O serviço de lanchas já estava iniciado pelo Pastor Halliwell havendo somente
uma lancha a Luzeiro I, a qual está preservada na Faculdade Adventista da
Amazônia (FAAMA), em Belém, Pará. Depois, através de doações de adventistas da
América do Norte, foi construída a Luzeiro II, um pouco maior que a luzeiro I.
O trabalho operado pelas lanchas acrescentou não apenas novos membros para
igreja, mas forte prestígio e apoio das autoridades. Tal situação animou a
construção da Luzeiro III e da Luzeiro IV, ainda no período de tesouraria do
Pastor Claudomiro. Em sua maioria, as temporadas de férias foram gastas no
trabalho de evangelismo com apoio da Luzeiro IV. A família sempre estava
envolvida e isso causou profundas marcas nos filhos. Durante o dia fazia-se o
trabalho de atendimento clínico e à noite, faziam-se projeções de diapositivos
coloridos (slides), o que chamava muito a atenção dos ribeirinhos. Dava gosto
ver, segundo depoimento do próprio Pastor Claudomiro, dezenas de canoas
rodeando a lancha. Às vezes, quando terminavam as palestras com as projeções os
ribeirinhos pediam para ouvir outra vez. Dessa forma, muitas capelas foram
acrescentadas.
No afã de fazer progredir a
pregação do evangelho, o Pastor Walter Streithorst convidou o Pastor Walter
Schubart da Divisão Sul-americana para realizar uma série de conferências em
Manaus, no início da década de 1950, as quais abalaram Manaus; mais de cem
pessoas foram batizadas como resultado da campanha. Muitos dos que foram
influenciados pelas palestras eram do bairro da Cachoeirinha e de outros
bairros distantes do centro, consequentemente, sentiu-se a necessidade urgente
de construir outras igrejas para que houvesse facilidade para os membros,
considerando que o transporte público naquela época era muito precário. O local
escolhido fora o bairro da Cachoeirinha, por tratar-se de um bairro de classe
média e pela topografia ser plana. O terreno fora comprado com a ajuda de um
vereador, e depois acrescentada uma segunda parte com a doação realizada pela
Prefeitura de Manaus, através de um vereador amigo do Pastor Claudomiro, o
Professor João Crisóstomo, o qual era Pastor da igreja Presbiteriana. A
arquitetura escolhida para o novo templo era moderna para época e chamava a
atenção. Vale aqui salientar que as relações com outros grupos confessionais
eram boas, os obreiros adventistas eram alvo de muito respeito, até mesmo por
parte dos políticos da época. No caso particular do Pastor Claudomiro, o seu
relacionamento com as autoridades sempre fora muito fluido. Sua casa sempre era
visitada por pessoas influentes da cidade. O professor João Crisóstomo, foi
também Secretário de Educação do Estado do Amazonas e se aproximou muito da
família do Pastor Claudomiro. Às vezes, no meio da semana, ele surpreendia a
Profa. Esmeralda, quando resolvia almoçar em sua casa de surpresa. Do mesmo
modo o então governador Gilberto Mestrinho tinha aproximação com a liderança da
MCA e especialmente com o Pastor Claudomiro e a Professora Esmeralda, para a
qual direcionou recursos para que montasse uma escola em sua casa, nomeando-a
professora estadual. Naquela época, havia quase nenhuma professora formada no
Estado.
Cachoeirinha foi a segunda igreja
adventista de Manaus e a quarta igreja em todo território da antiga União Norte
Brasileira (UNB). Este fato histórico deveria provocar muita reflexão dos
administradores atuais, considerando que tem havido tentativas de substituição
do templo atual por edifícios mais modernos e maiores, tudo em nome do conforto
e da adoração, mas que, na verdade, está embutido o desejo de deixar marcas que
imortalizam. No entanto, a história não pode ser desconsiderada, esmaecida ou
subtraída, avaliando que o enraizamento dos jovens na própria comunidade
adventista passa obrigatoriamente pelo conhecimento e incorporação da história
da igreja, e neste processo, monumentos são imprescindíveis. Sem a altivez das origens
migra-se para onde há tradição. Talvez, a grande deserção de jovens das
fileiras adventistas advenha da não percepção da importância da tradição e da
participação que cada pessoa necessita ter para a consolidação da comunidade.
Assim, a história viva torna-se vital para a formação dos jovens e dos novos
conversos. Ultimamente, as lideranças têm deixado transparecer um certo descaso
com a Cachoeirinha, uma demonstração de desconexão com a realidade local, um
equívoco que necessita ser revisto. É o edifício histórico único remanescente
que merecia ser olhado pela sua importância na paisagem do adventismo.
No interior do Amazonas o Pastor
Claudomiro ajudou a construção de sete capelas, entre elas: Paraná da Eva;
Fazenda Centenário, no município de Maués; no rio Curupira; Novo Remanso, na
saída do Paraná da Eva para o rio Amazonas, única capela flutuante no mundo.
Todas as capelas eram de madeira, com exceção daquela no Paraná da Eva.
A descoberta do petróleo no
Amazonas está vinculada ao ministério do Pastor Claudomiro. Tal fato serviu
para projetar o nome da igreja Adventista. Uma certa tarde o Pastor tomou uma
canoa para levar um Pastor adventista americano visitante que chegara para
conhecer o sistema de atendimento social com auxílio das lanchas, para
observar, mais na intimidade, as belezas do lago onde estava a igreja
flutuante. Logo perceberam bolhas de gás subido da água por entre a vegetação
aquática. O Pastor Claudomiro perguntou ao visitante se aquele gás poderia
alimentar fogo, e ele respondeu que sim. Então, voltaram para pegar fósforos e,
ao riscar o palito houve uma pequena explosão que quase queimou a face do
visitante. Após algum tempo, já com a noite caindo sobre o lugar, voltaram
agora com mais pessoas para ver, entre elas estava o Pastor Streithorst que
ficou encantado com a chama azul que subia do bico de um funil colocado sobre o
local onde aflorava o gás. Voltando para Manaus, o Pastor Streithorst noticiou
à Petrobras, no Rio de Janeiro, a descoberta, desencadeando uma série de procedimentos
de prospecção que culminou com a perfuração de um primeiro poço na área de Nova
Olinda. Algum tempo depois o Pastor Streithorst foi homenageado pelo governo
federal.
A Igreja Central de Manaus foi a
comunidade onde o Pastor Claudomiro exerceu grande influência. Houve grande
envolvimento com os membros de então, resultando na construção de amizades que
permaneceram até os dias atuais, através dos filhos. Uma das evidências da sua
inclusão na comunidade foi a formação de um coral que influenciou muitos jovens
e atraiu pessoas aos pés de Jesus. Para o Pastor Claudomiro o tempo passado no
Amazonas foi o melhor e mais abençoado período de sua vida profissional.
Incentivou aos filhos a dedicarem-se no desenvolvimento do Estado afirmando que
este seria a terra prometida à sua família.
A vida do Pastor Claudomiro
experimentou, em algumas ocasiões, momentos de fortes crises e ameaças. Um
desses períodos aconteceu durante uma viagem realizada a Boa Vista, Roraima.
Para aquela cidade fora, na companhia do Pastor Walquírio Souza Lima, então
Presidente da MCA, para realizar a campanha da recolta, ocasião na qual eram
levantados recursos através de doações de pessoas jurídicas e físicas,
simpatizantes da Igreja Adventista. No mesmo dia da chegada, o Pastor Claudomiro
começou a sentir-se afligido por dores abdominais intensas. Não havia médicos
em Boa Vista, mas Deus providenciou um médico que diagnosticou apendicite. Não
havia hospitais o que impossibilitava qualquer interferência cirúrgica. Assim,
o Pastor Claudomiro teria que regressar a Manaus. Diante disso, começou um
período de perplexidade porque não haviam voos todos os dias e o próximo avião
estaria em Boa Vista em dois dias. A situação era crítica, o Pastor Claudomiro
já estava muito debilitado e desidratado, mas, conseguiu esperar o voo e rumou
para Manaus. Logo fora providenciado um médico, o Dr. Vieiralves, o qual
recomendou internação imediata, no hospital Beneficente Portuguesa. Apesar de
estar hospitalizado, a cirurgia somente ocorreu no dia seguinte. Quando o
médico abriu o abdome ficou impressionado, pois a apendicite havia evoluído
para uma peritonite como consequência da gangrena do apêndice. O médico,
hesitante, realizou a cirurgia, a qual demorou muitas horas, pois o intestino
estava com muito pus, fato que o levou a lava-lo com sabão, uma ousadia que
tornava o quadro clínico extremamente sensível e crítico. Após quinze dias da
cirurgia, o Dr. Vieiralves veio para conversar com o Pst. Claudomiro e
alertou-o que havia perigo de vida. Assim, o Pastor Walquírio foi chamado e o
Pastor Claudomiro instruiu-o sobre o procedimento a ser tomado em caso de
falecimento. Quinze dias depois o médico deu alta, mas explicou que o caso fora
muito grave, pois as estatísticas mostravam que apenas um em mil pacientes se
recuperavam daquele quadro clínico. Deus mais uma vez preservou miraculosamente
a vida do Pastor.
Em outra ocasião, o Pastor
Walquírio e o Pastor Claudomiro foram a Santarém, PA, com a lancha para comprar
canoas, porque cada lancha precisava de um reboque. Compraram duas canoas e
planejaram subir o rio Amazonas puxando as canoas até Manaus. Mas, por terem
gasto duas semanas nesta operação, o trabalho da tesouraria atrasou e se
apresentou a necessidade do pronto regresso do Pastor Claudomiro a Manaus. Então
acertaram que o Pastor Claudomiro tomasse um avião para voltar. Entretanto, ao
sentir insegurança para empreender uma navegação difícil até Manaus, o Pastor
Walquírio entrou em pânico não permitindo que seu companheiro tomasse o vôo que
sairia em seguida. A viagem deveria ser realizada utilizando um Catalina, um
modelo de avião anfíbio muito utilizado naquela época, por causa da ausência de
infraestrutura aeroportuária na Amazônia. Porém, o Pastor Claudomiro não tomou
o voo. Dois dias depois eles alcançaram Parintins, e com grande espanto viram
que o avião que decolara de Santarém estava partido ao meio. Deus havia
protegido o Pastor Claudomiro de um acidente fatal.
Em sua vida profissional ocupou
vários cargos na hierarquia eclesial, sendo gerente do Hospital Adventista de
Belém, diretor do Instituto Adventista Grão Pará, departamental de JA da UNB,
entre outros. Após a sua jubilação (aposentadoria) e, tendo servido na obra de
Deus por 40 anos, foi convidado a integrar a equipe de administradores do Projeto
Jari, uma iniciativa do empresário norte-americano Daniel Keith Ludwig, o qual
criara uma empresa de reflorestamento para produzir celulose na fronteira entre
os estados do Pará e Amapá. Ali, o Pastor Claudomiro atuou como diretor de
educação, porém, jamais deixou esmaecer o propósito da sua vida; fundou a
primeira igreja adventista na cidade construída por Ludwig. Depois disso,
prosseguiu servindo a Deus participando ativamente como professor de História,
uma das suas graduações, e também na administração eclesiástica, sendo membro
da mesa administrativa da UNB, na qualidade de conselheiro, e participando
também como ancião nas várias igrejas onde frequentou na cidade de Belém, PA.
Recebeu da Câmara de Vereadores de Belém, PA as comendas Francisco Caldeira
Castelo Branco e Cora Coralina, a primeira é a mais alta honraria municipal, em
reconhecimento aos relevantes serviços prestados à sociedade, e a segunda em
reconhecimento a sua qualidade de Educador e Pastor. Exerceu ainda ativamente e
apaixonadamente a capelania do Hospital Adventista de Belém até o seu
falecimento em 02 de maio de 2012, dia do seu aniversário. Sua frase repetida
em muitos momentos era: “Não tenho nada a ver com a morte, e quando ela chegar,
vai me encontrar vivendo!”. E assim foi.
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