Os pais, a parte masculina de
um matrimônio, são, em condições normais de temperatura e pressão, juízes e
sacerdotes com funções muito específicas no ambiente do lar. Um juiz tem a
função de aplicar a justiça, equilibrar assimetrias, consertar iniquidades.
Também é papel do juiz esclarecer sobre a lei e os direitos e deveres, ser o
guardião e o baluarte da doutrina moral, papel crucial para a manutenção de uma
sociedade sadia. Já ao sacerdote cabe a função de ensinar, educar, elevar o
senso de cidadania, preservar a prática de bons procedimentos que desenvolvam
senso moral superior, mostrar a noção exata do relacionamento com a espiritualidade
(prática do bem, amor a Deus e ao próximo).
Faz exatamente oito anos que meu
pai nos deixou. Porém, a sua presença é sentida porque ele plasmou a sua alma
na minha alma. Na condição de juiz, foi um grande incentivador da justiça. A
lembrança mais remota que tenho do meu pai era a sua preocupação em ser justo
com os filhos. Sempre trazia um presente ao regressar de uma viagem. Com esse gesto
parecia compensar a sua ausência, mas, fazia-nos acreditar que éramos parte do
seu mundo. Era sempre um ato de justiça para conosco, por sermos a sua alegria
ele nos alegrava. Jamais vi meu pai discordar das medidas corretivas aplicadas
pela minha mãe. Também, nunca o vi dar uma contra ordem a qualquer decisão
doméstica assumida por minha mãe, quer fosse em relação à administração da
casa, quer fosse em relação à educação dos filhos. Na verdade, jamais
presenciei uma discussão dos meus pais, nenhuma querela ou discordância. É
claro que houve momentos de desacordo, mas, jamais na presença dos filhos.
Havia um juiz em nossa casa que esclarecia a doutrina moral, com maior
evidência, através do exemplo.
Na função de juiz, fixava em nós princípios
morais indispensáveis, especialmente o da cooperação. Por exemplo, sempre na
sexta feira, meu pai engraxava os sapatos de todos. Ele gostava de sapados
limpos e polidos e, a mim especialmente, chamava para acompanhar aquele ritual
de cooperação. Por seu exemplo, aprendi a cuidar dos calçados. Também me
incentivava a lavar o carro na sexta feira, para que no sábado, todos pudessem
ser transportados sem dificuldades higiênicas. Era um serviço justo, porém, uma
aula semanal sobre o cuidado com o patrimônio familiar. Por outro lado, sempre tínhamos
roupas elegantes e limpas para vestir, um ato justiça para com os filhos. Meu
pai era muito exigente consigo em relação às roupas, e assim o era com o guarda
roupa dos filhos.
Na função de Pastor, levava-me
para assistir seu trabalho social aos membros da sua paróquia. Quando distribuía
roupas e alimentos arrecadados de muitas fontes, os distribuía, sempre aos domingos,
reunindo a todos, desde os mais necessitados até os que não eram carentes, estes
o ajudavam na distribuição; eu assistia tudo na condição de aprendiz da justiça.
Em casa, minha mãe sempre nos
ensinou respeitar o nosso pai com gestos muito educativos. Jamais era servido o
almoço, para qualquer pessoa morando em nossa casa, antes da chegada do nosso
pai, uma clara demonstração de respeito e justiça com o chefe e o provedor.
Também, à mesa, a primeira porção era do meu pai, lições de reverência e mais valia
ensinadas sem palavras, onde a hierarquia era demonstrada.
Um fato que marcou minha experiência
na infância foi a construção de nossa casa. Meu pai fez um esforço gigantesco para
construí-la. Via a sua resiliência no enfrentamento das condições econômicas de
um Pastor, o quanto confiava na providência de Deus, e como prosseguia sem
saber se concluiria. O resultado foi que tínhamos um teto confortável e digno,
o qual permitia uma sensação de segurança familiar e na liderança do patriarca.
Meu pai entendia ser justo que nossa família tivesse abrigo sem as oscilações
de um teto alugado. Aquela fora uma lição importante para mim, logo que pude
comprei uma casa também.
Na condição de sacerdote, meu pai
foi insuperável. Ele era um erudito que sempre demonstrou por palavras e atos
que a educação é o caminho para a liberdade. Meu pai era formado em Contabilidade,
Filosofia e História e Teologia. Além disso, falava inglês e gostava de
literatura. Em nossa casa havia uma estante com todos os clássicos da
literatura. Isso despertou em mim gosto pelos livros. Embora possuidor de
grande conhecimento nas humanidades, era a Teologia que o fascinava. Gostava de
escrever sermões e amava estar no ambiente eclesiástico.
Em nossa casa era invariável o
culto doméstico diário. Lembro-me da família sentada à volta da mesa das refeições
e meu pai lendo a lição da Escola Sabatina e minha mãe os textos bíblicos.
Depois, nos sábados, via a forte figura do meu pai fazendo os sermões. Ficava
fascinado com o culto e a Escola Sabatina, de modo que ao chegar em casa,
depois do almoço, pegava as bonecas da minha irmã e as fazia sentar, como se
estivessem na igreja, para que me ouvissem repetir o que havia visto. Nenhuma
metodologia é tão aderente e tão eficaz para educar como o exemplo.
O amor do meu pai pelas coisas
sagradas, seus posicionamentos, sua disposição em ajudar, seu carinho com as
pessoas, seu modo de falar das coisas eternas, são fortes exemplos que jamais
desaparecerão e nunca deixarão de ser balizas importantes.
Pessoalmente, fui intensamente impressionado
pelos meus pais em relação às coisas espirituais. Sempre as considerei relevantes
e imperativas. Por ter essa concepção, sempre que posso incentivo pessoas a
enxergarem o valor moral das Sagradas Escrituras. Penso que tenho ajudado
muitos a verem mais do que o mundo físico, cujo valor é vertiginosamente menor
do que os valores espirituais. Todavia, foi na casa dos meus pais onde aprendi
a notar o justo valor das Escrituras. Neste sentido meu pai foi excelente
sacerdote.
Muitos jovens de famílias da igreja
moraram em nossa casa. Lembro de quase todos. Meus pais educavam e albergavam
esses jovens, ajudando-os naquela fase das suas vidas. Eram tratados como
filhos. Como consequência, esses jovens ataram laços indissolúveis de amizade e
gratidão. Muitos ainda preservam a amizade com os filhos. Pessoalmente, tenho
carinho por todos. Agora que a vida já mostrou a mim muito, posso aquilatar o enriquecimento
social elevado que meus pais outorgaram aos que puderam privar de um tempo com
eles, ou seja, na condição de sacerdote, meu pai foi além da sua própria
paternidade, ensinou outros jovens mais o valor das boas práticas.
Hoje as lembranças continuam indeléveis.
Depois que amealhei algum saber, meu pai, num dos inesquecíveis momentos de
intimidade disse-me: gostaria de ter a sua cabeça, meu filho. Essa frase foi
expressa por causa da sabedoria que torna aos seus possuidores humildes. Porém,
eu sou nada mais do que o reflexo do meu pai, e neste sentido, somente posso agradecer
a Deus por ter sido agraciado com a benção de ter tido o meu pai.
Um comentário:
Parabéns professor!
É sempre um prazer ler os teus textos, pela riqueza de ensinamentos, pelo excelente português e pelo estilo elegante.
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