No próximo ano (2017) dar-se-á a comemoração conjunta
católico-luterana dos 500 anos da Reforma protestante que iniciou em 31 de
outubro de 1517, quando Lutero afixou as 95 teses na porta da igreja católica
de Wittenberg, Alemanha. Esse momento de comemoração se tornará um marco
importante no aperfeiçoamento do poder papal, promovendo a aproximação
fundamental com a principal liderança protestante, que poderá resultar no
anunciado ecumenismo que antecederá os últimos episódios antes do final da
história do pecado. Um dos pontos divergentes entre católicos e luteranos está na
justificação pela fé. A controvérsia ocorre no aspecto da obra humana que,
segundo Lutero, não pode ser apresentada a Deus como garantidora de méritos à
salvação. Assim, o conceito de pessoa justa é o foco da controvérsia.
Essa questão é muito remota. Aparece no mais antigo livro da
bíblia, o de Jó, onde logo no primeiro verso do capítulo inicial Deus o define
como íntegro. Tal adjetivo é definido no dicionário como inteiro ou completo,
significando ser honrado ou imparcial. O referido conceito não propõe a ideia
de impecabilidade, mas, na tradição judaica associou-se a palavra Tzedek =
justiça com a palavra Tzedaká = justiça social. Erroneamente traduziu-se esta
palavra como sendo caridade. Tzedaká não é caridade. A Tzedaká, seria não só
“dar o peixe, mas ensinar a pescar”. Não só dar o pão, mas oferecer um emprego
ou uma bolsa de estudos. Assim, Jó era
íntegro e não santo como quer o conceito cristão. É importante notar que Jó
fazia sacrifícios por ele e por seus filhos e, por esse motivo, Deus o
considerava íntegro. Integridade somente é comunicada através de atos de fé nas
promessas de salvação, ou seja, tomando a justiça de Jesus como produtora de
perdão.
O diálogo entre Deus e Satanás no primeiro capítulo do livro
de Jó é revelador do estado desse homem considerado um servo de Deus. Assim,
nos versos 6 a 12 vemos o que segue: “E num dia em que os filhos de Deus vieram
apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles. Então o SENHOR
disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao SENHOR, e disse: De rodear
a terra, e passear por ela. E disse o
SENHOR a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra
semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal.
Então respondeu Satanás ao SENHOR, e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde?
Porventura tu não cercaste de sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem? A
obra de suas mãos abençoaste e o seu gado se tem aumentado na terra. Mas
estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema
contra ti na tua face. E disse o SENHOR a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem
está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da
presença do SENHOR.
Nos argumentos dialéticos acima vemos que Satanás sabia que
nenhum homem possui justiça. Assim, ele afirma que a obediência de Jó não era
isenta de interesses. O que está em pauta é nossa essência egoísta que não nos
permite guardar a lei sem interesses. Nossos atos são pecaminosamente ofensivos
se a justiça de Cristo não nos for por cobertura. Tudo parece mais claro a
respeito do comportamento humano quando observamos a ação de Satanás, na vida
de Jó, na tentativa de comprovar suas afirmações. Ele tira inicialmente a riqueza, a
principal pilastra na qual toda humanidade se apoia. Depois o inimigo subtrai a
família, outra importante pilastra e em seguida afeta a saúde. Essas três
pilastras são parte do arrimo que ampara todos os homens e nelas estava também a
confiança de Jó. Como se não bastasse, os amigos de Jó aparecem construindo
diálogos que ratificam a ideia de segurança na religião. Esta constitui parte
da estrutura de arrimo humano. Para os amigos, Jó estava devendo maior rigor
religioso, razão para o sofrimento. Porém, para Jó não havia nenhum passivo
religioso que justificasse o seu estado. Por essa razão, um encontro com Deus
poderia dar-lhe a chance de explicar o que, segundo Jó, escapava da percepção
divina sobre a condição humana. No entanto, no capítulo 38, quando começa o
diálogo de Deus com Jó, a divindade não responde a nenhum dos argumentos de Jó,
levando-o a entender que sem conhecer ao próprio Deus ninguém pode entender as
dinâmicas envolvidas na estrutura terrestre e que dizem respeito à disputa
entre o bem e o mal.
Deus não debateu com Jó nenhuma razão para o seu sofrimento.
Apenas revelou-se como o Senhor de todas as coisas e a causa primária de tudo,
ou seja, se Ele tem tudo sob Seu controle, o sofrimento de Jó era parte do seu
plano para aprimoramento. Ao perceber a onisciência de Deus, Jó não pode
perguntar nada, apenas se deu conta da própria indignidade.
O apóstolo Paulo parece ter passado por um momento
semelhante quando solicitou que Deus o curasse do “espinho” que feria a sua
carne. A resposta de Deus foi “a minha graça te basta”, significando que Paulo
deveria prosseguir em conhecer Deus; e ele aquietou-se.
Conhecer Deus deveria ser a tarefa mais importante para
todos os que se aproximam dEle. Em Jeremias 9:24 lemos: “Mas o que se gloriar,
glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o SENHOR, que faço
beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o
SENHOR”. Há uma razão para tal proceder. O conhecimento sobre Deus trará paz,
especialmente nas circunstâncias de uma realidade pecaminosa. Na medida em que
Deus se revelar, passaremos a compreender nosso próprio papel na luta entre o
bem e o mal, nas várias dimensões nas quais estamos submetidos, ou seja, qual a
nossa participação nos plano universal e humano, no sentido de cooperar com
nosso Deus na reivindicação da justiça.
Deus revela-se a Jó através de inúmeras perguntas que o
levam a perceber que seu sofrimento não era importante em si mesmo, mas uma ferramenta
que, no caso de Jó, o levaria a entender melhor o seu próprio comportamento. Assim,
pode-se entender algo muito importante: o sofrimento de cada um é pessoal e
pode significar que a confiança esteja ainda calcada em pilastras que não podem
sustentar. Veja-se o que Jó exclamou “ Então respondeu Jó ao SENHOR, dizendo:
Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.
Quem é este, que sem conhecimento encobre o conselho? Por isso relatei o que
não entendia; coisas que para mim eram inescrutáveis, e que eu não entendia.
Escuta-me, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Com o
ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem os meus olhos. Agora te conheço,
antes apenas tinha ouvido falar”. Essas afirmações significaram a libertação de
alguém que estava confiando em coisas não confiáveis. Jó entendeu a
onipotência de Deus. A primeira coisa que ele reconhece é o limite de seu
conhecimento. Suas conclusões se baseavam na ignorância; portanto, embora ele
fosse sincero, estava errado.
Quão inadequado parece ser o conhecimento parcial quando
brilha a luz de uma verdade maior! Quando Jó fez suas queixas, seu raciocínio
lhe parecia irrefutável. Ele achava que sua atitude era justificada. Mas, quando
entendeu a Deus mais claramente, seu raciocínio anterior não mais pareceu convincente.
A lógica humana muitas vezes se demonstra falha. Ideias que hoje parecem sábias
podem se tornar absurdas amanhã. A disposição de Jó para admitir sua ignorância
é elogiável. Ele não tenta se desculpar ou defender sua posição. É tão honesto
em sua confissão como foi em sua argumentação. Esta característica é parte da
integridade que o relato atribui a Jó desde o princípio (Jó l:l). (SDA Bible
Commentary, 690).
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