quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Pecado e quebra relacional

 

O conceito de que o pecado produz quebra de relacionamentos está bem fundamentado nas Escrituras. O pecado, por sua própria natureza, separa e aliena, rompendo a harmonia entre o ser humano e Deus, entre as pessoas, e até dentro do próprio indivíduo. Vejamos alguns exemplos bíblicos e reflexões de comentaristas.

Separação entre o homem e Deus:

Isaías 59:2: “Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça.”

Este verso é claro ao apontar que o pecado impede o relacionamento com Deus. Ele cria uma barreira, uma alienação espiritual. O comentarista Albert Barnes destaca que “o pecado é uma barreira moral que aliena o homem de Deus, afastando a possibilidade de comunhão enquanto não houver arrependimento e reconciliação”.

Separação entre o homem e seu próximo:

Gênesis 3:12: Após o pecado, Adão culpa Eva: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e eu comi.”

Esse versículo revela como o pecado introduz a divisão entre pessoas. Antes do pecado, Adão e Eva viviam em perfeita harmonia. Após o pecado, o relacionamento é marcado pela culpa e pela acusação. Matthew Henry comenta que “o pecado introduziu a discórdia nos relacionamentos humanos, separando o que Deus havia unido em amor e confiança”.

Separação dentro de si mesmo:

Romanos 7:19: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço.”

Paulo descreve aqui a luta interna causada pelo pecado, uma ruptura interior que faz com que o ser humano esteja dividido dentro de si mesmo, incapaz de viver de acordo com sua verdadeira intenção. John Stott observa que “o pecado desintegra a personalidade humana, criando uma guerra civil interna onde a mente e o coração se encontram em conflito”.

O pecado impactou profundamente a relação entre o corpo físico e a mente, que inclui o pensamento racional e as emoções. No plano original de Deus, o corpo deveria estar a serviço de uma mente controlada pela vontade de Deus. Com o pecado, essa relação foi rompida, e o corpo passou a estar sujeito a desejos desordenados e impulsos pecaminosos.

Romanos 7:23: “Mas vejo nos meus membros outra lei que guerreia contra a lei da minha mente, e me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.” Paulo descreve a tensão entre a mente que deseja obedecer a Deus e o corpo que é atraído pelo pecado, ilustrando essa desintegração.

A alma, que envolve as emoções e a vontade, também foi corrompida pelo pecado. Antes do pecado, o espírito humano, que era a parte mais elevada e conectada diretamente a Deus, guiava a alma e o corpo. O espírito humano tinha primazia, mantendo a alma e o corpo sob sua orientação. O pecado inverteu essa ordem, fazendo com que a alma, muitas vezes impulsionada por emoções e desejos descontrolados, tomasse o controle, deixando o espírito sujeito a uma posição secundária.

1 Coríntios 2:14: “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.”

A desconexão espiritual causada pelo pecado afeta a capacidade do ser humano de entender as coisas espirituais, evidenciando a desarmonia entre espírito e alma. O pecado introduziu uma guerra civil interna, onde o ser humano é dividido entre o bem que deseja fazer e o mal que, muitas vezes, acaba praticando. Esse conflito cria angústia e frustração, pois a pessoa se vê incapaz de viver de acordo com seus ideais morais e espirituais, gerando culpa e vergonha.

Romanos 7:19: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço.”

A incapacidade de viver em conformidade com a própria consciência moral é uma manifestação dessa desintegração interna, onde o ser humano está em constante batalha consigo mesmo. O pecado fragmenta a identidade humana, pois o ser que foi criado para refletir a imagem de Deus se torna dividido e confuso. Ao perder a conexão plena com o Criador, o ser humano perde o senso de propósito e direção, o que resulta em alienação de si mesmo e dos outros.

Efésios 4:18: “Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração.”

A separação de Deus leva a um obscurecimento do entendimento e uma desconexão da verdadeira identidade que só pode ser encontrada em um relacionamento com o Criador.

Além da desintegração interna, o pecado também afeta os relacionamentos externos. A falta de harmonia dentro de si mesmo se reflete em conflitos com os outros. Quando o ser humano está em desarmonia interna, isso gera tensão, egoísmo e competição nos relacionamentos interpessoais.

Tiago 4:1: “De onde vêm as guerras e contendas entre vós? Não vêm elas das paixões que guerreiam dentro de vós?” Tiago ressalta que os conflitos externos são um reflexo das lutas internas, mostrando como a desintegração interna afeta os relacionamentos.

Embora o pecado tenha causado essa desintegração, o cristianismo ensina que o processo de restauração começa quando o Espírito Santo passa a habitar no ser humano, restaurando a ordem original. O espírito, que foi regenerado em Cristo, começa a guiar a alma e o corpo de volta à harmonia com Deus.

Romanos 8:6: “Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz.”

A presença do Espírito Santo traz vida e paz, curando a desintegração interna causada pelo pecado e restaurando o equilíbrio entre corpo, alma e espírito.

Separação da criação:

Gênesis 3:17-19: Após o pecado, Deus diz a Adão: “Maldita é a terra por tua causa... com dor comerás dela todos os dias da tua vida.”

O pecado de Adão e Eva trouxe uma ruptura não apenas nos relacionamentos humanos e com Deus, mas também com a criação. A harmonia original com a natureza foi quebrada.

Ellen White, em “Patriarcas e Profetas”, escreve que “o pecado trouxe dor e sofrimento à criação, e o homem se tornou estrangeiro na Terra, dominado por aquilo que originalmente deveria dominar”.

O pecado, portanto, é a raiz da alienação em todos os níveis. Comentadores enfatizam que a cura dessa ruptura só é possível através da reconciliação oferecida por Cristo, que restaura o relacionamento com Deus (2 Coríntios 5:18-19) e, por extensão, todos os outros relacionamentos.

Jesus, em Seu ministério, ensinou e exemplificou a importância dos relacionamentos de várias formas, mostrando que o amor a Deus e ao próximo são os pilares de uma vida plena. Ele não apenas falou sobre isso, mas viveu esses princípios de forma prática. Vejamos alguns aspectos-chave de Seu ensino e ações em relação aos relacionamentos:

Amor a Deus e ao próximo como o centro da vida

Mateus 22:37-39: Jesus disse: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

Jesus sintetiza a essência da Lei e dos Profetas nos relacionamentos, primeiramente com Deus e depois com os outros. Este mandamento duplo mostra que os relacionamentos não são meramente importantes, mas fundamentais para a verdadeira fé e prática. O comentarista William Barclay observa que “a religião de Jesus não era uma série de rituais ou um sistema de regras, mas uma relação viva, primeiramente com Deus e depois com os homens”.

Jesus ensinou sobre a reconciliação como prioridade

Mateus 5:23-24: “Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem e apresenta a tua oferta.”

Jesus enfatiza a reconciliação com o próximo como prioridade até mesmo sobre atos religiosos. O relacionamento com Deus está vinculado ao relacionamento com os outros, e a paz entre os homens deve ser buscada antes de apresentar ofertas a Deus.

John Gill comenta que “não há verdadeira adoração sem paz entre os irmãos; o culto a Deus não pode ser aceito se for oferecido de um coração em inimizade com o próximo”.

Jesus mostrou o valor de cada pessoa, inclusive os marginalizados

João 4:7-10: Jesus falou com a mulher samaritana, rompendo barreiras culturais e sociais. Em um contexto em que samaritanos eram desprezados pelos judeus, Jesus tomou a iniciativa de iniciar uma conversa com ela, oferecendo-lhe “água viva”. Aqui, Jesus nos ensina que os relacionamentos não devem ser limitados por preconceitos ou barreiras sociais. Ele demonstrou que cada pessoa, independentemente de seu passado ou condição, tem valor.

Ellen White, em “O Desejado de Todas as Nações”, comenta que “o exemplo de Cristo neste encontro rompeu as barreiras do preconceito e mostrou que o evangelho deveria alcançar todas as almas sem distinção”.

O exemplo da humildade e do serviço nos relacionamentos

João 13:14-15: “Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também.”

Ao lavar os pés dos discípulos, Jesus exemplificou a humildade e o serviço como fundamentos dos relacionamentos. Ele inverte o conceito de poder e liderança ao se colocar na posição de servo, ensinando que o amor se expressa no serviço aos outros. Aqui vemos a harmonia entre as partes de um ser humano. A alma, por causa das informações mentais, gera o desejo da harmonia, logo, o corpo realiza fisicamente o desejo da alma.

Matthew Henry destaca que “Cristo, ao lavar os pés dos Seus discípulos, mostrou que a verdadeira grandeza no reino de Deus se encontra em servir ao próximo com humildade e amor”.

A oração de Jesus pela unidade entre os crentes

João 17:20-21: “E rogo não somente por estes, mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim; para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.”

Jesus orou pela unidade entre Seus seguidores, pedindo que eles sejam “um”, como Ele e o Pai são um. A unidade entre os crentes seria um testemunho para o mundo do amor de Deus e da autenticidade do evangelho.

R.C. Sproul comenta que “a unidade na igreja é tanto um reflexo quanto uma extensão do amor e da comunhão dentro da Trindade, e é através dessa unidade que o mundo verá a verdade do evangelho”.

Perdão como elemento essencial nos relacionamentos

Mateus 18:21-22: Quando Pedro pergunta quantas vezes deve perdoar seu irmão, Jesus responde: “Até setenta vezes sete.”

Jesus ensina que o perdão deve ser ilimitado, refletindo a graça de Deus. O perdão é essencial para a restauração de relacionamentos quebrados e para viver em comunhão com os outros.

John Stott enfatiza que “o perdão é o alicerce dos relacionamentos cristãos. Sem ele, a comunhão é impossível; com ele, até os piores conflitos podem ser resolvidos”.

A cruz como supremo exemplo de reconciliação

Efésios 2:14-16: “Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio... reconciliou ambos com Deus em um corpo, pela cruz.”

A obra de Jesus na cruz reconciliou tanto judeus quanto gentios, unindo-os em um só corpo. A cruz é o ponto culminante onde Jesus destrói as barreiras que separam os homens entre si e de Deus.

O teólogo N.T. Wright afirma que “a cruz de Cristo é o maior ato de reconciliação da história, onde o pecado que separava as nações e os homens foi derrotado, restaurando a comunhão entre Deus e a humanidade e entre os próprios homens”.

Jesus não apenas ensinou a importância dos relacionamentos, mas também os restaurou, mostrando que o amor, a unidade e o perdão são fundamentais para viver o Reino de Deus.

O cristianismo desempenha um papel central na construção de relacionamentos, tanto no âmbito pessoal quanto no coletivo. Sua base é o amor, a reconciliação e a unidade, conceitos que são derivados dos ensinamentos e da obra de Jesus Cristo. Através da fé cristã, os relacionamentos humanos são transformados e elevados a um nível espiritual, com princípios que guiam como as pessoas devem se relacionar com Deus, com o próximo e até consigo mesmas. Abaixo estão alguns dos principais papéis do cristianismo na construção de relacionamentos:

Reconciliação com Deus

O cristianismo começa com a restauração do relacionamento entre o ser humano e Deus, rompido pelo pecado. Através de Jesus Cristo, o ser humano é reconciliado com Deus, abrindo o caminho para relacionamentos saudáveis em todas as áreas da vida.

2 Coríntios 5:18-19: “Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo.”

A reconciliação com Deus é o fundamento para a restauração de todos os outros relacionamentos. Ao ser reconciliado com o Criador, o cristão encontra um novo ponto de partida para viver em harmonia com os outros.

Amor ao próximo como mandamento central

Jesus ensinou que o amor ao próximo é inseparável do amor a Deus. Isso significa que os cristãos são chamados a demonstrar amor e compaixão nos seus relacionamentos diários, promovendo um ambiente de paz e respeito mútuo.

João 13:34-35: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.”

O amor cristão, baseado no exemplo de Cristo, transcende as barreiras sociais, raciais e culturais. Ele promove uma comunidade inclusiva, onde cada pessoa é vista como alguém criado à imagem de Deus.

Comunidade e apoio mútuo

O cristianismo valoriza a comunidade e o apoio mútuo. As igrejas cristãs são vistas como comunidades de fé onde as pessoas podem crescer juntas espiritualmente e se apoiar mutuamente em tempos de necessidade. O conceito de “corpo de Cristo” destaca a importância de cada indivíduo e como cada um contribui para o bem-estar do outro.

1 Coríntios 12:12-13: “Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também é Cristo. Pois todos nós fomos batizados em um só Espírito, formando um só corpo.” No corpo de Cristo, há interdependência, onde os cristãos são chamados a cuidar uns dos outros e a edificar uns aos outros em amor e serviço.

Perdão como elemento essencial

Um dos aspectos mais marcantes do cristianismo no que diz respeito aos relacionamentos é o perdão. Jesus ensinou que o perdão deve ser ilimitado, e o cristão é chamado a perdoar como foi perdoado por Deus. O perdão permite a cura e a restauração de relacionamentos quebrados, e é fundamental para manter a unidade e a paz.

Colossenses 3:13: “Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também.” O perdão liberta o indivíduo do peso da amargura e permite a reconstrução de vínculos danificados, promovendo a reconciliação e a paz duradoura.

O papel da humildade e do serviço

O cristianismo ensina que os relacionamentos devem ser marcados pela humildade e pelo serviço ao próximo. Isso significa que os cristãos devem colocar os interesses dos outros acima dos seus e buscar servir em vez de serem servidos.

Filipenses 2:3-4: “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros.”

Essa atitude de serviço cria relacionamentos onde o egoísmo é superado pelo altruísmo, fortalecendo os laços entre as pessoas e promovendo uma comunidade de cuidado mútuo.

Família como núcleo dos relacionamentos

O cristianismo também destaca a importância da família como o núcleo básico dos relacionamentos humanos. Nas Escrituras, a família é vista como uma estrutura ordenada por Deus, onde os princípios de amor, respeito e responsabilidade são vividos e transmitidos de geração em geração.

Efésios 5:25, 6:1: “Vós, maridos, amai vossas esposas, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela.” “Vós, filhos, sede obedientes a vossos pais no Senhor, porque isto é justo.”

A família, segundo os ensinos cristãos, é um lugar de aprendizado de virtudes como paciência, perdão, e respeito. Os relacionamentos dentro da família são um reflexo dos relacionamentos dentro da comunidade cristã mais ampla.

Unidade e inclusão no corpo de Cristo

O cristianismo tem um papel inclusivo, onde todos os seres humanos são chamados a fazer parte de uma comunidade universal que transcende divisões. A unidade do corpo de Cristo é um testemunho da reconciliação entre diferentes povos e culturas.

Gálatas 3:28: “Não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”

A igreja é um espaço de inclusão, onde as diferenças sociais e culturais são superadas pela unidade em Cristo. Esse papel unificador é fundamental na construção de relacionamentos saudáveis e respeitosos entre pessoas de diferentes origens.

Testemunho para o mundo

Finalmente, os relacionamentos cristãos não são apenas para o benefício interno dos crentes, mas servem como um testemunho vivo para o mundo. Jesus ensinou que o amor entre os crentes seria uma evidência visível de que eles são Seus discípulos.

João 13:35: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.”

A forma como os cristãos se relacionam, demonstrando amor, paciência e perdão, é uma poderosa mensagem para o mundo sobre o caráter de Deus e o impacto transformador do evangelho.

Em resumo, o cristianismo constrói relacionamentos fundamentados no amor a Deus e ao próximo, promovendo reconciliação, perdão, humildade e serviço. Esses princípios criam comunidades de fé que refletem o caráter de Cristo, oferecendo ao mundo um testemunho do poder restaurador do evangelho.

Referências

Barclay, W. (1975). The Daily Study Bible Series: The Gospel of Matthew. Westminster John Knox Press.

Gill, J. (1809). Exposition of the Entire Bible.

White, E. G. (1898). O Desejado de Todas as Nações. Pacific Press Publishing Association.

Henry, M. (1706). Commentary on the Whole Bible.

Sproul, R. C. (2000). John: St. Andrew’s Expositional Commentary. Crossway.

Stott, J. (1991). The Message of Ephesians. IVP Academic.

Wright, N.T. (1996). Jesus and the Victory of God. Fortress Press.

 

 

 

 

terça-feira, 1 de outubro de 2024

O Caminho para a Vida Verdadeira

 

Jesus afirmou que veio para que todos tivessem vida e em abundância (João 10:10), referindo-se a uma vida espiritual e plena. Essa vida abundante implica em uma existência cheia de propósito, paz e uma relação íntima com Deus, mais do que apenas viver por mais anos.

A “vida abundante” mencionada por Jesus implica uma existência cheia de propósito, alegria, paz e uma relação íntima com Deus. Não se trata apenas de viver mais anos, mas de viver uma vida com significado.

Mesmo em meio às dificuldades, a presença de Deus traz uma paz que excede todo entendimento. Viver com um sentido claro e um propósito divino. Construir relacionamentos saudáveis; amar e ser amado, refletindo o amor de Deus nas relações com os outros. Ser liberto do pecado e das amarras que impedem uma vida plena. Portanto, a afirmação de Jesus sobre trazer vida abundante é uma promessa de uma vida transformada e enriquecida pela presença de Deus  e pelo Seu amor, que transcendem a existência física.

Moisés, antes da entrada dos hebreus na terra prometida, aborda a vida plena em Deuteronômio 30:19-20, enfatizando que escolher a vida significa amar a Deus e obedecer Suas leis, garantindo assim uma existência plena e longa na terra prometida

O capítulo 30 trata da renovação da aliança e da escolha entre a vida e a morte, a bênção e a maldição. No versículo 19, quando Moisés invocou os céus e a terra como testemunhas, ele usa uma linguagem jurídica, chamando os céus e a terra como testemunhas do compromisso que o povo está prestes a assumir. Em seguida diz que Coloca diante dos hebreus a vida e a morte, a bênção e a maldição, apresentando uma escolha clara e solene. A vida e a bênção estão associadas à obediência a Deus, enquanto a morte e a maldição estão associadas à desobediência.

Moisés aconselha para que escolham a vida, fazendo um apelo urgente para que o povo escolha seguir a Deus, garantindo assim a vida e a prosperidade para eles e suas futuras gerações.

No versículo 20 Moisés apela a que amem o Senhor, o seu Deus. O amor a Deus é central para a vida e a obediência. Este amor deve ser demonstrado através da obediência e fidelidade. Exorta para que ouçam a sua voz e se apeguem firmemente a Ele, pois a obediência e a fidelidade a Deus são essenciais. Ouvir a voz de Deus implica em seguir Seus mandamentos e direções, pois o Senhor é a sua vida. Deus é a fonte de vida e bênção. A verdadeira vida é encontrada em um relacionamento íntimo e obediente com Ele. Se isto for perseguido, então Ele lhes dará muitos anos na terra. A promessa de longevidade e prosperidade na Terra Prometida é condicionada à obediência e fidelidade a Deus. É um chamado à escolha consciente e deliberada de seguir a Deus.

 Moisés enfatiza que a vida verdadeira e a bênção estão enraizadas no amor, obediência e fidelidade a Deus. Escolher a vida significa escolher um relacionamento profundo e comprometido com Deus, que resulta em bênçãos e prosperidade

O que é a verdadeira vida?

A verdadeira vida, segundo a Bíblia, é uma vida em comunhão com Deus, caracterizada pela obediência e conhecimento Dele. João 17:3 e Deuteronômio 30:20 mostram que essa vida envolve conhecer a Deus e manter um relacionamento íntimo e obediente com Ele.

O salmista assegura que a verdadeira vida é encontrada na presença de Deus: “Tu me farás conhecer a vereda da vida, a alegria plena da tua presença, eterno prazer à tua direita” (Salmos 16:11). Já o profeta Miquéias indica que: “Ele te mostrou, ó homem, o que é bom e o que o Senhor exige de ti: que pratiques a justiça, ames a misericórdia e andes humildemente com o teu Deus” (Miquéias 6:8). Estas condutas são componentes de uma vida verdadeira. O profeta avaliza que estes valores estão profundamente enraizadas nos princípios da lei: amor a Deus e ao próximo. Assim, vida refere-se a ter relacionamento com Deus e com os semelhantes, logo, quem não tem relacionamentos está morto.

Se Justiça, Misericórdia e Humildade são palavras-chave, então melhor será entender o querem significar.

Justiça (Mishpat, no hebraico) refere-se a agir de maneira justa e correta, conforme os mandamentos de Deus. João Calvino destaca que “fazer justiça” se refere à segunda tábua da Lei, que trata das relações humanas. Isso implica em tratar os outros com equidade e retidão, refletindo o caráter justo de Deus.

Misericórdia (Chesed) ou bondade amorosa é um termo hebraico que implica em amor leal, compaixão e fidelidade. Calvino também observa que “amar misericórdia” está relacionado à segunda tábua da Lei. Isso significa demonstrar amor e compaixão contínuos aos outros, refletindo a misericórdia que Deus mostra a nós.

Humildade (Hatznea Lechet) ou andar humildemente com Deus significa viver uma vida de submissão e reverência a Ele. Segundo o comentário de João Calvino, a humildade diante de Deus é essencial para uma vida verdadeira. Isso envolve reconhecer nossa dependência de Deus e viver de acordo com Sua vontade.

Tudo isto está conexo com a lei e os profetas (Mateus 22:37- 40). Miquéias 6:8 reflete esses princípios ao enfatizar a justiça, a misericórdia e a humildade como componentes essenciais de uma vida que agrada a Deus, ou seja, o que Deus espera de Seu povo: expressões práticas do amor a Deus e ao próximo.

Justiça, misericórdia e humildade são componentes da verdadeira vida porque refletem o caráter de Deus e os princípios fundamentais da Lei. Portanto, se temos coisas em comum  com Deus, aquele que tem vida em si mesmo, teremos consequentemente vida. Então, por que morremos?

A relação entre justiça, misericórdia, humildade e a ressurreição é profunda e central na teologia cristã. Justiça e ressurreição se tocam em Romanos 6:4: “Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida.”  A justiça de Deus é satisfeita através da morte e ressurreição de Jesus. Viver uma vida justa, conforme os mandamentos de Deus, é um reflexo da nova vida que recebemos em Cristo.

Misericórdia e ressurreição estão claramente associadas em Efésios 2:4-6: “Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida com Cristo quando ainda estávamos mortos em transgressões – pela graça vocês são salvos. Deus nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus”. A misericórdia de Deus é manifestada plenamente na ressurreição de Cristo. A vida eterna é um dom da misericórdia divina, e viver uma vida de misericórdia é um reflexo dessa graça recebida.

De outro lado a humildade e ressurreição se tocam em Filipenses 2:8-9: “E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz”. Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome. A humildade de Cristo, demonstrada em Sua obediência até a morte, é recompensada com a ressurreição e exaltação. Viver humildemente diante de Deus é seguir o exemplo de Cristo é, portanto, participar da promessa da ressurreição.

Viver uma vida pautada por justiça, misericórdia e humildade não é uma garantia automática da ressurreição, mas é um reflexo da transformação que ocorre em alguém que tem fé em Cristo. A promessa da ressurreição é garantida pela fé em Jesus Cristo e pela graça de Deus, como enfatizado em Efésios 2:8-9: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus”.

Justiça, misericórdia e humildade são virtudes que são evidências de uma vida regenerada pela fé em Cristo, que é a base para a promessa da ressurreição. A ressurreição é um dom da graça assegurado pela fé em Cristo, e virtudes como justiça, misericórdia e humildade manifestam essa fé viva.

Em João 5:28-29 lemos: “Não fiquem admirados com isso, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados”.  Este versículo indica que aqueles que viveram de acordo com os mandamentos de Deus, evidenciando sua fé através de boas obras, ressuscitarão para a vida eterna. Tal promessa é ratificada em Romanos 6:5: “Se fomos unidos a ele na semelhança de sua morte, certamente o seremos também na semelhança de sua ressurreição”. Aqui claramente a união com Cristo na fé garante a participação na Sua ressurreição.

Viver uma vida que reflete essa fé é um sinal de que essa promessa se aplica a nós. O reflexo da unidade com a divindade é o binômio fé e obras, conforme Tiago 2:17: “Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta”. A fé verdadeira se manifesta em ações. As virtudes de justiça, misericórdia e humildade são evidências de uma fé viva e ativa, ou seja, de vida plena em relacionamentos aqui e agora. Porém, tais virtudes também apontam para o futuro.

Uma pessoa que viveu uma vida de justiça, misericórdia e humildade, demonstrando sua fé em Jesus, tem a promessa da ressurreição para a vida eterna. A Bíblia ensina que a fé em Cristo, evidenciada por uma vida transformada, assegura que essa pessoa não será mantida na sepultura, mas ressuscitará para a vida eterna.

Ter um relacionamento salvífico com Deus, o qual se cristaliza por uma vida regulada na justiça, misericórdia e humildade, é fundamental para a promessa da ressurreição. A base da salvação e da promessa da ressurreição é a fé em Jesus Cristo, nosso modelo. A Bíblia ensina que somos salvos pela graça, por meio da fé (Efésios 2:8-9). Assim, as virtudes acima referidas mostram que a pessoa está vivendo de acordo com os mandamentos de Deus e refletindo o caráter de Cristo. Como consequência, a ressurreição é uma promessa para aqueles que têm fé em Cristo e vivem de acordo com Seus ensinamentos. Como mencionado em João 5:28-29, aqueles que fizeram o bem ressuscitarão para a vida.

Portanto, possuir essas virtudes é um sinal de que a pessoa tem um relacionamento salvífico com Deus e está no caminho para a promessa da ressurreição.

O novo nascimento, conforme descrito na Bíblia, implica uma transformação profunda e espiritual que resulta em uma vida com um novo propósito, ou seja, transformação Espiritual. Em João 3:3 Jesus respondeu: “Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo.” O novo nascimento é uma obra do Espírito Santo que transforma a pessoa de dentro para fora, capacitando-a a viver de acordo com os princípios de Deus. Paulo confirma dizendo em 2 Coríntios 5:17: “Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!” O arrependimento envolve abandonar os antigos caminhos e adotar uma nova vida em Cristo, com novos valores e propósitos.

A explicação do que significam novos valores está em Efésios 4:22-24: “Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade”. O novo nascimento resulta em uma mudança de mentalidade e comportamento, alinhando a vida da pessoa com a vontade de Deus. O novo nascimento implica em abandonar os comportamentos e valores mundanos que antes eram significativos. A vida agora é vivida com um propósito divino, buscando a justiça, a misericórdia e a humildade, conforme os ensinamentos de Deus.

O novo nascimento é uma transformação espiritual que resulta em uma vida com novos propósitos e significados, fundamentados no arrependimento e na fé em Jesus Cristo. Essa nova vida é caracterizada por uma busca contínua por justiça, misericórdia e humildade, refletindo o caráter de Deus.

A verdadeira vida, segundo a Bíblia, vai muito além da mera existência física. Jesus nos chama a uma vida abundante, repleta de propósito, paz e comunhão com Deus. Esta vida plena, contudo, não é medida pela quantidade de anos, mas pela qualidade de nosso relacionamento com o Criador e com os outros.

Através de exemplos bíblicos, como as instruções de Moisés e as lições de Jesus, vemos que a verdadeira vida é caracterizada por justiça, misericórdia e humildade. Essas virtudes, enraizadas no amor a Deus e ao próximo, são sinais evidentes de uma vida transformada pela fé. Mais do que meras ações, elas refletem o caráter divino e são expressões práticas do amor que nos une ao Criador.

Por meio da fé em Cristo, recebemos a promessa da ressurreição e a garantia de uma vida eterna. Viver de acordo com esses princípios não só molda nossa existência presente, mas também assegura nossa participação na vida futura. Assim, a verdadeira vida, conforme revelada nas Escrituras, é uma jornada contínua de transformação espiritual, onde somos chamados a refletir o caráter de Deus e a caminhar em novidade de vida.

Portanto, ao escolhermos viver segundo a justiça, a misericórdia e a humildade, estamos escolhendo a vida que Deus nos oferece – uma vida que transcende o tempo e nos conecta com o eterno.