terça-feira, 28 de setembro de 2021

Humanos imaturos

 

A ideia grega de humano imaturo traz a informação de que o jovem está incompleto. Neste sentido, incompleto permite muitos significados quer no aspecto biológico quer no aspecto sócio moral.

No biológico, humanos imaturos não estão acabados anatomicamente e tampouco fisiologicamente. Meninos e meninas não têm cérebros completos, seus sistemas de sustentação ainda estão passiveis de danos, se submetidos a uso inadequado, suas glândulas endócrinas ainda não operam plenamente, e como consequência, meninos e meninas formam dois conjuntos socialmente separados, e somente se veem juntos quando hormonalmente estiverem ajustados. A imaturidade biológica torna o convívio social muitíssimo instável. Meninos não querem brincar com meninas, embora possam conviver.

Quando imaturos alcançam o estágio de desenvolvimento conhecido como adolescência, a carga hormonal determina aproximação e permite que observações mais individualistas aconteçam e, neste momento, meninos e meninas começam um novo tipo de aproximação. Tal situação tem uma conotação moral que se verifica explícita na criação do homem.

Adão é criado antes de Eva (Gênesis 2). O homem ainda só, mas criado à imagem de Deus, portanto, diferenciado de tudo que o havia precedido na semana da criação, não encontra nada que corresponda a si mesmo. Deus faz passar diante dele todos os animais e submete a criação ao domínio do homem, porém, na linguagem bíblica “[...] para o homem não se achava ajudadora idônea”, sendo que para cada animal havia correspondência.

Disse Deus: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele” (Gênesis 2:18). Então fez Deus Adão cair em pesado sono e, tirando-lhe uma costela criou a mulher. Tal ato é cheio de significado. A assertiva divina tornando-os uma só carne aponta que, a formação de pares (homem e mulher) e depois a chegada dos filhos objetiva a completude do ser humano. É possível inferir que o casal estabelece interações que vão além dos aspectos morais, entrando nas questões biológicas. Embora não tenhamos documentos científicos, o matrimônio torna possível a síntese de químicos que equilibram ambas as partes, dando foco e a sensação de felicidade ou homeostase. Quer parecer que a carne só alcança maturidade na unidade do matrimônio.

A realidade da unidade define a imagem de Deus, sendo que a trindade é uma unidade. A criação da mulher a partir de uma costela assume importância filosófica, significando mesmo uma unidade. Por outro lado, qualquer outra forma de associação que não união bíblica do homem com a mulher deve causar distúrbios de muitas ordens, mas isso a ciência ainda não determinou. Há uma força especial nessa unidade do matrimônio bíblico. Em Gênesis 5:1,2 está uma informação crucial: “Este é o livro das gerações de Adão. No dia em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez. Homem e mulher os criou; e os abençoou e chamou o seu nome Adão, no dia em que foram criados. Nesta informação o verbo criar engloba ambos, homem e mulher, confirmando que o homem (Adão = humanidade) é o equivalente a macho e fêmea, conforme o texto diz: no dia em que Deus criou o homem, ou seja, humanidade é a reunião de um homem com uma mulher, a essa unidade a Bíblia chama Adão. Somente com esta dimensão está completo o homem (Adão) pois forma a unidade que interrompe a imaturidade.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

A contemporaneidade do Antigo Testamento

A igreja cristã vem sofrendo, ao longo das eras, muitas interferências que fazem perder de vista assuntos fundamentais, provocando deriva e inércia na consecução dos objetivos traçados por Deus. Uma dessas situações foi o quase desprezo dos cristãos pelo Antigo Testamento (AT). Dizem alguns teólogos cristãos que o AT está adstrito à dispensação judaica. A era cristã está ligada ao Novo Testamento (NT) que, inclusive, tem pouco a ver com o AT (noção equivocada, pois o NT é uma aplicação do AT). Por essa razão, as interpretações das ordens divinas sofrem contextualizações que consideram primordialmente a ética e a consciência social coletiva das épocas.

A desconsideração ao AT facilitou ao inimigo de Deus interferir na igreja cristã tornando-a não mais que uma agremiação de amigos que dizem amar a Jesus, ao invés de um grupo de humanos que decidiram amar a Deus e observar os seus comandos motivados pelo esclarecimento da vontade divina que tem sua base no AT.

O que a era cristã trouxe de novo e que não estava previsto no AT?

A igreja de Deus nos tempos do AT esperava o Messias. A igreja cristã tem o Messias e sua narrativa histórica, além de esperar o seu retorno. A espera do retorno torna necessário que o cristianismo volte sua atenção para os tempos anteriores a primeira vinda do Messias. Um olhar perscrutador sobre o tipo de culto religioso judaico é fundamental para que a cristandade entenda como cultuar a Deus antes do seu retorno.

O sistema sacrifical foi o culto instituído por Deus quando o pecado entrou no mundo (Gên. 4:3-4), e serviu durante séculos subsequentes como uma lembrança de que o salário do pecado é a morte e que a vida eterna pode ser alcançada unicamente como um dom divino (Rom. 6:3). Por muitos séculos o cabeça de cada família era o sacerdote, mas, no monte Sinai, uma provisão sistemática foi feita para os vários tipos de sacrifícios, e todos passaram a ser oferecidos pelo sacerdote formal.  É importante lembrar que os sacrifícios e ofertas eram produtos animais ou oriundos da agricultura (obras de Deus), como uma expressão de adoração, de gratidão e de dedicação, além de ser expiação pelos pecados.

Toda noção de culto e de expiação era cabalmente explicada no ritual do antigo tabernáculo erguido por Deus no deserto através de Moisés. O processo da expiação no sistema sacrifical se dava em três etapas: a) oferta pelo pecado; b) holocausto; c) oferta pacífica.

A oferta pelo pecado tinha como propósito a expiação dos pecados cometidos contra Deus. Geralmente, tais pecados passam despercebidos e, por essa razão, era oferecido o referido sacrifício pelo sacerdote em ocasiões específicas, tais como: Lua nova (Num. 28:15), festa dos pães sem levedura (Num. 28:17), pentecostes (Num. 23:19; 28:26-30), ano novo (Num.29:5), festa das cabanas (Num.29:12-34). Também podiam ser oferecidos por outros motivos.

O importante é compreender o processo desse tipo de sacrifício (Lev.  4:32-35):

1)     1. O pecador traz o cordeiro. É importante notar que ao trazer o cordeiro ou assumir as custas do sacrifício, o pecador significava portar sincero desejo de busca fervorosa por auxílio.

2)     2. Porá a mão sobre a cabeça da oferta e a imolará. Ao impor a mão sobre o animal, este passava a ser dedicado ao Senhor tornando-o representante pessoal ou substituto do ofertante; o cordeiro era Jesus que seria o substituto da humanidade. O texto bíblico de Levítico diz que a oferta deveria ser imolada no local onde é oferecido o holocausto. Assim, no altar do holocausto no pátio do tabernáculo. Importante lembrar que o holocausto simbolizava a entrega completa, a dedicação e a adoração, portanto, a negação de qualquer ligação com o mundo e com as suas ideias. O próprio pecador imolava o cordeiro, ou seja, a si próprio, significando que sinceramente entregava a sua vida para cumprir a justiça da lei.

3)     3. O sacerdote, com o dedo, tomará do sangue e porá nos chifres do altar do holocausto. Havia quatro chifres, um em cada ângulo do altar, os quais significavam o poder de Deus em realizar expiação considerando as exigências da lei, uma vez que não há perdão sem derramamento de sangue.

4)     4. O restante do sangue derramará na base do altar. O sangue derramado na terra significava a morte do pecador e expiação pela terra, uma vez que as ofensas morais mancham a terra, a qual é propriedade de Deus.

5)     5. Tirará toda gordura como se tira a gordura do cordeiro do sacrifício pacífico. A gordura deveria ser queimada porque significa o acumulado por causa da cobiça. Era cheiro suave em virtude da simbologia que identificava a entrega das questões pessoais e do egoísmo. No diálogo com o moço rico, Jesus pede que ele queime as gorduras, mas ele não o fez.

6)    6. Queimará a gordura sobre o altar em cima das ofertas queimadas do Senhor. Essa ordem é profundamente significativa. Conforme acima, a gordura queimada implicava a entrega do eu. Este ato, no âmbito do sacrifício pelo pecado, sendo conduzido sobre as ofertas queimadas, também significava submissão total, adoração (estar de acordo com o comando de Deus), e gratidão, esta última reconhece a misericórdia de Deus.

7)     7. Fará expiação. É imprescindível entender que expiar é colocar tudo em ordem com quem foi ofendido. Então, o sacrifício pelo pecado, que era oferecido ou gerenciado pelo sacerdote (representando a Deus, portanto era Deus agindo), objetivava consertar, por iniciativa divina, o que estava errado nas relações humano-divinas, sendo importante notar que é a pessoa ofendida quem positiva o perdão.

O importante agora é a contemporaneidade do VT. Jesus fez o sacrifício pelo pecado quando da sua crucifixão. Sobre ele a humanidade impôs as mãos transferindo as culpas. O sangue foi colocado sobre o altar (Deus aceitou o sangue de Jesus na condição de nosso substituto) e derramado na terra. Agora resta-nos queimar a gordura. À igreja cristã não mais era necessário sacrificar animais, pois Jesus fez o sacrifício fazendo cessar o de animais. Porém, o queimar das gorduras tem que ser executado. Cessar com práticas egoístas, tendo ciência do dever em relação aos desamparados e aflitos, a manutenção dos serviços religiosos por contribuição sistematizada, o cumprimento dos deveres familiares, são alguns dos vieses demandados aos cristãos; a queima da gordura ou o serviço cristão. Uma vez que Deus se dispôs a conceder o perdão através da cruz, devemos nós tomar cada um a sua cruz, viver nova vida concordante com o sistema divino e desprezar a mundo e sua concupiscência.

Entretanto, o sistema sacrifical do AT previa outro tipo de sacrifício, o chamado holocausto. Este deveria ser oferecido duas vezes ao dia: pela manhã e pela tarde. Ali, um cordeiro de um ano era queimado sobre o altar acompanhado de ofertas de manjares. O holocausto simbolizava: a) consagração a Deus; b) constante necessidade do sangue expiatório de Jesus.

A consagração implica em abandono de todos os pressupostos mundanos. A vida egoísta não mais poderá preponderar. O sistema de Deus deverá ser o motor da vida. O holocausto tinha uma característica explícita: o cordeiro era inteiramente queimado, significando que o pecador se deixava consumir pelo fogo refinador do Espírito Santo, morrendo e desaparecendo para o mundo. Nenhuma das necessidades egoístas deveria sobejar. Sendo que nossa natureza egoísta, mesmo que combatida, não desaparece, em virtude de correr em nossas veias o sangue humano contaminado pelo sistema moral do inimigo, logo, há necessidade constante do sangue expiatório de Jesus, porque é a energia capaz de gerar comportamento compatível com as exigências celestes. Essa noção não é apenas retórica, mas, se materializa na razão direta da cópia do comportamento de Jesus. O uso da simbologia do sangue dá-se pelo fato de ser o sangue o tecido que gera toda energia que nos movimenta. Se o sangue, ou seja, o comportamento for o de Jesus, então o sangue expiatório, aquele que coloca as coisas em ordem com o reino de Deus, ou o comportamento que é compatível com as expectativas divinas fará expiação em nossas vidas.

Jesus, ao ser crucificado, também ofereceu holocausto. É importante ter em mente que o holocausto era oferecido no santuário duas vezes ao dia, significando que haveria cobertura de misericórdia sempre, uma vez que a humanidade é agudamente e constantemente corrupta. Entretanto, o holocausto oferecido diariamente no tabernáculo e que cobria a nação, era de forma pro tempore, pois cada israelita deveria oferecer seu holocausto pessoal, ao menos, uma vez no ano e, deste modo, buscar sua própria expiação.

Voltando ao holocausto apresentado por Jesus na cruz, esse sacrifício suspendeu o oferecimento contínuo no tabernáculo, porque foi um sacrifício vicário. De uma vez por todas, a humanidade inteira estava coberta pela misericórdia. Todavia, esse foi um gesto unilateral de Deus, necessitando da aceitação de cada indivíduo criado. Logo, o holocausto contínuo do tabernáculo cessou, mas, o holocausto pessoal, esse necessita ser concretizado. O apóstolo Paulo fez uma advertência sobre a referida necessidade no ambiente cristão: “ROGO-VOS, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:1-2).

O holocausto pessoal para os cristãos é, claramente a não conformidade com este mundo, porém a renovação do pensamento ou das ideias que, de modo geral, são conformadas pelas noções de individualismo que a cultura coletiva impõe.

Terminamos essas breves considerações com a seguinte citação do livro Caminho a Cristo da autora Ellen White (p.18): “É-nos impossível, por nós mesmos, escapar ao abismo do pecado em que estamos mergulhados. Nosso coração é ímpio, e não o podemos transformar. “Quem do imundo tirará o puro? Ninguém!” Jó 14:4. “A inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser.” Romanos 8:7. A educação, a cultura, o exercício da vontade, o esforço humano, todos têm sua devida esfera de ação, mas neste caso são impotentes. Poderão levar a um procedimento exteriormente correto, mas não podem mudar o coração; são incapazes de purificar as fontes da vida. É preciso um poder que opere interiormente, uma nova vida que proceda do alto, antes que os homens possam substituir o pecado pela santidade. Esse poder é Cristo. Sua graça, unicamente, é que pode avivar as amortecidas faculdades da alma, e atraí-la a Deus, à santidade”.