Os seres humanos são dotados de
um sistema nervoso central com poderes impressionantes. Um deles é o poder para
influenciar outros humanos e criar, inclusive, redes de influência muito
intensas, capazes de modificar comportamentos e de construir sociedades. Muitas
vezes, esse poder de influência é usado para beneficiar pessoas, mas, por outro
lado, pode ser utilizado para moldar negativamente comportamentos sociais que
buscam beneficiar poucos grupos dominantes. De qualquer forma, o poder da
influência é um atributo singular que também é exercido por animais que vivem
em grupos sociais.
Na Bíblia encontram-se muitos
exemplos nos quais o poder de influência determinou bênçãos ou maldições. Um
dos relatos marcantes de uso da influência para provocar rebelião está no livro
de Números, no capítulo 16. Três pessoas provocaram forte abalo social na
recém-formada nação israelita. Vamos aos fatos.
Em Números 16:1-4 lemos o
seguinte: “ E CORÁ, filho de Izar, filho de Coate, filho de Levi, tomou consigo
a Datã e a Abirão, filhos de Eliabe, e a Om, filho de Pelete, filhos de Rúben. E levantaram-se perante Moisés com duzentos e
cinquenta homens dos filhos de Israel, príncipes da congregação, chamados à
assembleia, homens de posição, e se
congregaram contra Moisés e contra Arão, e lhes disseram: Basta-vos, pois que
toda a congregação é santa, todos são santos, e o SENHOR está no meio deles;
por que, pois, vos elevais sobre a congregação do SENHOR? Quando Moisés ouviu isso, caiu sobre o seu
rosto”.
O relato descreve a ação de Corá,
um homem da tribo de Levi, que influenciou a Datã e Abirão, dois outros da
tribo de Ruben, além de outros 250 príncipes da congregação. Esse grupo formou uma conspiração muito bem
fundamentada, como resultado de um propósito decidido de subverter a autoridade
dos líderes designados pelo próprio Deus Jeová. Quem era Corá? E quem eram Datã
e Abirão?
A genealogia (Genesis 46:16;
Exodo 6:16) indica que Corá era filho de Isar, que era filho de Coate, que era
filho de Levi. Portanto, era primo de Moisés, o qual era filho de Anrão, irmão
de Isar. O primo, segundo comentaristas (SDA Bible Commentary), alimentava
inveja de Moisés e questionava sua liderança, por ser ele, Corá, homem que
gozava de muita influência e versado orador. Pretendia ser o sumo sacerdote. Datã e Abirão, eram da tribo de Ruben, o
filho mais velho de Jacó e, por consequência, viam-se com direitos à liderança
política porque detinham os direitos à primogenitura.
Corá era coatita, um grupo dos
levitas designado por Deus para cuidar do transporte de partes do santuário,
uma honraria que destacava os coatitas, juntamente com os gersonitas e
meratitas, todos filhos de Levi. Essa distinção fora concedida por Deus após o
relevante episódio do bezerro de ouro, no qual a tribo de Levi não tomou parte
na adoração ao bezerro.
Embora Corá fosse designado para
o serviço do tabernáculo, descontentara-se com sua posição, e aspirara à
dignidade do sacerdócio. A concessão a Arão e sua casa do ofício sacerdotal,
que anteriormente tocava ao filho primogênito de cada família, dera origem a
inveja e dissabor, e por algum tempo Corá estivera secretamente a opor-se à
autoridade de Moisés e Arão, se bem que não se arriscasse a um ato manifesto de
rebelião. Finalmente concebeu o ousado
plano de subverter tanto a autoridade civil como a religiosa. Era homem
tido em alta estima na congregação e, envolvido na insurreição, tornou-a,
assim, ainda mais séria. Era seu argumento que Moisés havia se autoproclamado
líder político o qual, usando de nepotismo, pusera seu irmão Arão em destaque
religioso, ocupando a posição máxima de sumo sacerdote.
Datã e Abirão eram rubenitas e
esta tribo situava-se geograficamente próxima dos coatitas em relação à
organização das tendas no acampamento israelita. O santuário era o edifício
central tendo ao redor as tendas devidamente organizadas, cada qual ocupando
seu lugar designado por Moisés, por instrução divina. Assim, na condição de
vizinhos foram cooptados por Corá. Datã e Abirã, dois príncipes da tribo de
Ruben, prontamente aderiram aos planos ambiciosos daquele. Sendo descendentes
do filho mais velho de Jacó, pretendiam que a autoridade civil lhes
pertencesse, e decidiram-se a dividir com Corá as honras do sacerdócio. É
importante notar que os argumentos utilizados para apoiar a rebelião eram
sofismas com base em aspectos da tradição que já fora modificada por Deus
mesmo.
O entendimento dos pretextos da
rebelião está no capítulo 14 de Números. Ali está relatado o que resultou do
relatório dos espias que foram enviados para observar a terra que Deus
entregaria aos israelitas. O povo murmurou contra Deus e Moisés, pediram um
novo líder para que os conduzisse de volta ao Egito. Essa situação certamente
estimulou Corá. Deus irou-se contra o povo e decidiu mata-los. Porém, com a
intercessão de Moisés Deus os perdoou, mas condenou--os a morrer no deserto.
Determinou que vagariam por 40 anos, um ano para cada dia do período da
espionagem que fora de 40 dias.
Corá juntamente com Datã e Abirão
estavam indispostos a sujeitar-se à terrível sentença pela qual todos deviam
morrer no deserto, e daí o acharem-se prontos a apanhar qualquer pretexto para
crer que não era Deus, mas Moisés que os estava guiando, e pronunciara a sua
condenação.
O que vemos é a inveja corroendo
a alma. Aproveitaram a oportunidade da murmuração e lançaram-se como a solução.
Então Moisés falou a Corá, bem com a toda congregação, dizendo: “Amanhã pela
manhã o SENHOR fará saber quem é seu, e quem é o santo que ele fará chegar a
si; e aquele a quem escolher fará chegar a si. Fazei isto: Tomai vós
incensários, Corá e todo seu grupo; E, pondo fogo neles amanhã, sobre eles
deitai incenso perante o SENHOR; e será que o homem a quem o SENHOR escolher,
este será o santo; basta-vos, filhos de Levi.
Disse mais Moisés a Corá: Ouvi agora, filhos de Levi: Porventura pouco para vós é que o Deus de
Israel vos tenha separado da congregação de Israel, para vos fazer chegar a si,
e administrar o ministério do tabernáculo do SENHOR e estar perante a
congregação para ministrar-lhe; E te fez
chegar, e todos os teus irmãos, os filhos de Levi, contigo? ainda também
procurais o sacerdócio? Assim tu e todo
o teu grupo estais contra o SENHOR; e Arão, quem é ele, que murmureis contra
ele?” (Números 16:5-11).
Moisés usa de toda prudência,
propondo um período de 24 horas para que os rebeldes meditassem no que estavam
propondo. Porém, solicita que tomem incensários, coloquem fogo e depois incenso
e tragam ao Senhor. Com essa ordem Moisés os fez lembrar do episódio acontecido
dias antes com os filhos de Arão, Nadabe e Abiú, quando queimaram inadvertidamente
incenso diante do Senhor e morreram. Mas, não deram ouvidos. Nem sequer
consideraram o juízo que caíra sobre Miriam, irmã de Moisés, por ter falado mal
do irmão, oportunidade em que ficou leprosa.
Além disso, Moisés mandou chamar,
particularmente, a Datã e Abirão, mas eles não quiseram vir a Moisés. Alegaram
que a liderança era ilegítima e que também os tinha enganado com a promessa de
uma terra que manava leite e mel. No entanto, como era uma liderança falsa, e
por não ter garantido a posse da terra, os estava novamente enganando e
submetendo-os a 40 anos de peregrinação. Com este ato, não reconheceram a
autoridade de Moisés e, consequentemente, a autoridade de Deus.
Nos versos 16 a 19 do capítulo 16
de Números se repete a mesma sentença prolatada sobre Nadabe e Abiú. Com um
agravante: Corá fez ajuntar contra Moisés e Arão todo o povo à porta da tenda
da congregação; então a glória do SENHOR apareceu a toda a congregação. Ali o
Senhor ordenou que Moisés e Arão e seus familiares se apartassem da
congregação, porque esta seria consumida num momento. Mas, Moisés e Arão
intercederam e o Senhor ordenou que a congregação se apartasse de Corá, Datã e
Abirão, os quais estavam em frente as suas tendas com toda a família, numa
postura de rebeldia explícita e perigosamente arrogante contra Deus.
Nos versos 25 a 33 lemos um
relato muitíssimo solene que reflete o que acontecerá com os ímpios após o seu
julgamento final. “Então Moisés levantou-se, e foi a Datã e a Abirão; e após
ele seguiram os anciãos de Israel. E falou à congregação, dizendo: Desviai-vos,
peço-vos, das tendas destes homens ímpios, e não toqueis nada do que é seu para
que porventura não pereçais em todos os seus pecados. Subiram, pois, do
derredor da habitação de Coré, Datã e Abirão. E Datã e Abirão saíram, e se
puseram à porta das suas tendas, juntamente com as suas mulheres, e seus
filhos, e suas crianças. Então disse Moisés: Nisto conhecereis que o SENHOR me
enviou a fazer todos estes feitos, que de meu coração não procedem. Se estes
morrerem como morrem todos os homens, e se forem visitados como são visitados
todos os homens, então o SENHOR não me enviou. Mas, se o SENHOR criar alguma
coisa nova, e a terra abrir a sua boca e os tragar com tudo o que é seu, e
vivos descerem ao abismo, então conhecereis que estes homens irritaram ao
SENHOR. E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra
que estava debaixo deles se fendeu. E a terra abriu a sua boca, e os tragou com
as suas casas, como também a todos os homens que pertenciam a Coré, e a todos
os seus bens. E eles e tudo o que era seu desceram vivos ao abismo, e a terra
os cobriu, e pereceram do meio da congregação”.
Lutavam contra um ordenamento
divino; lutavam contra um inimigo fictício; lutavam por uma causa errada!
Se os coatitas armavam suas
tendas logo após a cerca do santuário, assim como logo atrás dos coatitas
estavam os rubenitas, a fenda na terra ocorreu bem nas proximidades do
santuário, no seu lado sul. Logo após ter a terra tragado os líderes da
rebelião, saiu fogo do Senhor e consumiu os 250 homens que ofereciam o incenso.
Pereceram do mesmo modo que Nadabe e Abiú.
Há nesse episódio da rebelião muitas
lições a aprender. Na insurreição de Corá, veem-se, em um cenário menor, os
resultados do mesmo espírito que determinou a rebelião de Satanás no Céu. Foi o
orgulho e a ambição que moveram Lúcifer a queixar-se do governo de Deus, e
procurar subverter a ordem que fora estabelecida no Céu. O ciúme dera origem à
inveja e a inveja à rebelião. Haviam discutido a questão do direito de Moisés à
sua tão grande autoridade e honra, até que vieram a considerá-lo ocupante de
uma posição muito invejável, que qualquer deles poderia deter tão bem quanto
ele. Enganaram-se a si mesmos e uns aos outros, pensando que Moisés e Arão
tinham por si mesmos assumido as posições que ocupavam. (Patriarcas e Profetas,
p.292)
Os descontentes disseram que
esses chefes se haviam exaltado sobre a congregação do Senhor, tomando para si
o sacerdócio e o governo; mas sua casa não tinha direito à distinção de
superioridade às outras de Israel; não eram mais santos do que o povo, e
ser-lhes-ia bastante estar no mesmo nível de seus irmãos, que eram igualmente
favorecidos com a presença e proteção especial de Deus (SDA Bible Commentary).
Toda geração, toda comunidade tem
o seu Korach (transliteração correta do nome). Mas, é imprescindível lembrar
que o povo de Deus é considerado a menina do seu olho (Deuteronômio 32:10;
Zacarias 2:8). Nessa condição, é necessário verificar se movimentos
oposicionistas ou surgimento de ações corretivas oriundas de grupos
particulares, ou mesmo que tenham aprovação popular, como no caso de Corá, não
estarão provocando diretamente a irritação de Deus.
A premissa básica que deve ser
preservada é que Deus é o responsável por sua igreja, sendo ela a menina dos
seus olhos. Com isso em mente, não temos como pensar que as ações humanas
desenvolvidas por membros, pastores e/ou administradores da igreja não tenham
consequências. Cada ação efetuada por quem detém responsabilidades, e
especialmente aquelas com o peso de uma ordenação, para a qual Deus deu o seu
aval, não podem deixar de ser auditadas pelo céu. Assim, ao observarmos que
exageros estão ocorrendo, devemos perguntar a Deus até quando Ele permitirá
tais atos.
O grande perigo que corremos é a
tentação de tomar a justiça em nossas mãos. Não devemos faze-lo porque há um
juiz no céu a quem pertence o julgamento e a aplicação de sansões. Agora,
raciocinemos, alguém que faz voto de servir a Deus (a tribo de Levi o fez,
assim como os pastores o fazem seriamente através da ordenação) e se utiliza
dos princípios do inimigo (cobiça), estará em apuros, mais cedo ou mais tarde.
Assim, por uma questão de inteligência, não devemos estimular qualquer
exercício de justiça humana, porque estaremos tirando da mão do Grande
Legislador a aplicação de autoridade que pertence a Ele.
Devemos enxergar as estratégias
do inimigo e, com inteligência, desmonta-las. Uma dessas estratégias que têm
atingido a muitos ao longo da história, é a tentação de tomar o lugar de Deus,
assumir lideranças não planejadas por Deus julgando que Ele não está tão
próximo e que não aplicará a justiça quando necessária. Quando cedemos nesse
particular, incorremos no erro de Corá, o qual o impediu de entrar na terra
prometida. Quando lideranças são apontadas por Deus, não são necessárias
rebeliões, contendas e dissenções. Estas são necessariamente estratégias do
inimigo. No ambiente divino há sempre cooperação. É sempre possível mudar
situações cooperando. Neste caso, as alterações são duradouras.
Hoje, há muita dissidência na
igreja, com formação de grupos independentes ou mesmo grupos que se mantém no
seio da igreja, atirando as pedras da crítica e da desconfiança, sendo que
essas pedras podem aniquilar muito mais almas do somente as da liderança. A
estes grupos fica o conselho: observem se estão agindo por Deus. Se não,
cuidado com as consequências; no caso de Corá foram consequências eternas.
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