Uma leitura obrigatória para os cristãos é o livro de Jó. De
acordo com informações históricas, é de autoria de Moisés. Foi o primeiro livro
escrito de todos os que compõem a Bíblia. Considerando que Moisés é reputado
como o profeta mais eminente, pois Deuteronômio 34:10-12 refere-se a ele da
seguinte forma: “E nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés,
a quem o SENHOR conhecera face a face; nem semelhante em todos os sinais e
maravilhas, que o SENHOR o enviou para fazer na terra do Egito, a Faraó, e a
todos os seus servos, e a toda a sua terra. E em toda a mão forte, e em todo o
grande espanto, que praticou Moisés aos olhos de todo o Israel”, melhor será
considerar o que ele escreveu como importante leitura.
Há na compreensão dos teólogos duas maneiras pelas quais
Deus revelou a si mesmo: 1) através da criação, onde pode-se verificar em
atuação os princípios que embasam Seu governo, ou seja, pode-se ver a lei de
Deus em funcionamento. A revelação através da natureza é chamada de natural. No
Salmo 19 está descrito como o salmista percebia a revelação de Deus através da
criação. 2) a chamada Sagrada Escritura, a Bíblia, onde Deus revela a si
próprio falando diretamente ao homem. Esta revelação é chama de especial.
Assim, o primeiro livro escrito por Moisés tem como
finalidade introduzir toda a Bíblia, mostrando do ponto de vista do próprio
Deus a grande controvérsia iniciado por Satanás, quando ainda se encontrava no
céu, mas que tem seu prosseguimento na Terra, como consequência da adesão de
adão à proposta de Satanás. Moisés mostra como é a atuação dos protagonistas
desse embate cósmico, qual o papel das criaturas especificando a postura humana
e sua compreensão desse conflito. Por tais razões, não se pode menosprezar as
informações contidas no livro de Jó.
Os diálogos do livro são colocados propositalmente para que
sejam esclarecidos ensinamentos capitais e plantadas as ideias que poderão ser
úteis para as escolhas humanas.
O primeiro diálogo se dá entre Deus e Satanás. Nele estão as
posições de ambos. O assunto introduzido por Deus é a Sua justiça e abnegação.
O assunto introduzido por Satanás é a impossibilidade de justiça e abnegação
por parte de Deus. Este não pode ser abnegado porque possui poder absoluto.
Assim, a solicitação de abnegação às criaturas é um ato de injustiça, e neste
ambiente, Jó não suportaria nenhuma prova.
Também não há, segundo Satanás, nenhuma integridade em Jó.
Não há nenhum justo. Uma vez que a Terra está submetida ao sistema não abnegado
de Satanás, nenhum homem será abnegado e, por conseguinte, Jó serve a Deus por
puro egoísmo. Satanás contesta toda estrutura religiosa como capaz de melhorar
o homem.
Depois, os diálogos que seguem são os humanos. Os amigos de
Jó aparecem e Deus não está mais presente ou fica como que oculto. Os
argumentos são sempre na direção da defesa de Deus. Os amigos julgam que Jó
tenha cometido algum demérito religioso e sofre, naturalmente, as
consequências. Suas mazelas são castigos divinos. O conceito evocado pelos
amigos necessita ser avaliado. Trata-se da compreensão humana da teologia. Os
sistemas religiosos criados pelo homem são de molde a dar condições de aquisições
meritocráticas para pleitear a atenção divina. Assim, os amigos de Jó
argumentavam que faltava a ele mérito. Esta ideia de que o homem pode produzir boas
obras e ser digno é o fundo do sistema religioso judaico, o mesmo que fora
combatido por Jesus. O argumento está colocado na dinâmica religiosa cristã
onde ritos se tornam moedas de troca.
É importante que se analise o fundamento colocado pela
Bíblia sobre o que deve ser buscado por um religioso. A palavra cristão
significa seguidor de Cristo. Assim, os cristãos seguirão seu mestre, farão as
mesmas obras e abraçarão a formação de um caráter semelhante ao de Jesus. Paulo
adverte que devem os cristãos imitar a Cristo; João diz que aquele que segue a
Cristo o demonstrará realizando as mesmas obras que Ele executou. Assim, as
boas obras são de fundamental importância para definir de que lado estão os
seguidores de Cristo. “A vida daquele em cujo coração Cristo habita, revelará a
piedade prática. O caráter será purificado, elevado, enobrecido e glorificado.
A doutrina pura estará entretecida com as obras de justiça; os preceitos
celestiais misturar-se-ão com as práticas santas” (Ellen White, Refletindo a
Cristo, p.73).
Por outro lado, o sistema sacrifical ensinava que apesar do
perdão e das boas obras, era necessário um substituto para que o pecador não
viesse a sofrer a penalidade da lei. Assim, era necessária a figura de um
salvador que tivesse meios para pagar a dívida em relação à lei. Nesse caso, a
Bíblia nos informa que o nosso substituto ou salvador é Cristo. No livro de
Isaías no capítulo 53 temos a explicação de como Jesus nos substituiu. Mas o
verso 4 do referido capítulo traz o sistema teológico humano onde encontramos
que “nós o reputávamos por aflito”, o mesmo argumento usado pelos amigos de Jó
para explicar a razão do sofrimento dele. Podemos ver que o sistema religioso
humano prevê que se houver boas obras haverá também o mérito. Mas
definitivamente é necessário um salvador, porque estamos submetidos às
correntes de Satanás e estas somente serão quebradas com a morte, e neste caso,
necessitamos da ação de um salvador que possa nos livrar da pena. Essa condição
está explícita em Hebreus 2:14-15: “E, visto como os filhos participam da carne
e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que pela morte
aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; E livrasse todos
os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão.
A necessidade de um salvador está negada no sistema cristão
de méritos. A igreja romana substituiu Cristo pelo sacerdócio romano; os fiéis
vão até um sacerdote e buscam nele a intermediação e o perdão. O sistema romano
vai muito além, propõe a salvação através da missa e a canonização se o fiel
tiver méritos. O santuário celeste onde Deus está e onde se processa o juízo
foi transferido para Roma. Os homens são deuses conforme prometera a serpente
para Adão e Eva. Esse é o grande engano; um sistema religioso no qual o mérito
é suficiente. Tal entendimento perpassa também a maioria das teologias protestantes.
Agora voltando ao livro de Jó, encontramos o principal
diálogo. De repente, Deus reaparece a partir do capítulo 38 e começa a
revelar-se de uma forma didática e absoluta.
Antes Jó advogava que se lhe fosse dada a oportunidade de
dialogar com Deus, explicaria sua situação e demonstraria a Deus aspectos da
realidade humana que, segundo sua compreensão religiosa, por Deus não ser
homem, escaparia à percepção dEle. Assim Jó montou uma lista de perguntas que
seriam a sua defesa. Porém, quando Deus passa a revelar-se demonstrou Sua onipotência
e onisciência de uma forma que Jó percebeu-se indigno. Deus não entregou
nenhuma explicação sobre o sofrimento de Jó, mas discorreu sobre a abnegação
divina, mostrando que a encarnação de Jesus e todo o Seu sofrimento e morte são
a antítese que nega as afirmações de Satanás. Após isso, Jó compreende que o
sofrimento humano não tem nenhuma importância, pois é a cortina de fumaça usada
para impedir a visualização do caráter de Deus; que o grande conflito é muito
maior que o egoísmo humano; passa a compreender o papel do homem diante do
universo e exclama “Então respondeu Jó ao SENHOR, dizendo: Bem sei eu que tudo
podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido. Quem é este, que sem
conhecimento encobre o conselho? Por isso relatei o que não entendia; coisas
que para mim eram inescrutáveis, e que eu não entendia. Escuta-me, pois, e eu
falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Com o ouvir dos meus ouvidos
ouvi, mas agora te veem os meus olhos. (Jó 42:1-5).
Podemos perceber, pelo exposto acima, que o sofrimento no
contexto deste mundo é provocado pelo inimigo. O propósito dele é formar um
ambiente no qual surja o raciocínio da não abnegação de Deus. Trazendo
sofrimento Satanás julga que nenhum homem poderá querer abnegação; olhará para
si mesmo com autocomiseração e inquirirá onde está a justiça. Neste contexto,
um sistema religioso que oferece o mérito como barganha para bênçãos é uma
inteligente maneira de reforçar a tese de que Deus não é justo nem abnegado.
Não estamos lidando com um inimigo ingênuo, mas sim com uma mente muito altamente
capaz e que não deve ser subestimada. Assim, a tarefa de conhecer Deus é o
caminho seguro conforme demonstrado no livro de Jó. A cruz é a demonstração da
obra de redenção humana, além de manifestar o amor de Deus ao universo; a cruz
refuta as acusações de Satanás da impossibilidade de um Deus abnegado.