UM ANO SEM O PAPAI
Hoje (01.05.2013) o dia amanheceu lindo. O céu estava
vestido de azul cristalino, quase sem nuvens, aparentava limpidez e clareza,
parecia anunciar que há alegria no futuro. O firmamento como que comunicava
algo de alvissareiro apesar da tristeza e do vazio de um ano sem a brandura e a
força de um grande pai e um grande líder. A frase dita por ele momentos antes
da sua morte permanece viva e audível, como a infundir certeza: “não tenha
medo!”.
Foi, talvez, por conta da frase que interpretei o ambiente
externo do dia como que inspirando esperança. No entanto, sinto muito a falta
de nosso pai; seus conselhos sempre solícitos, sua maneira amiga e carinhosa de
falar conosco, seu amor incondicional. A sua falta significa um imenso abismo
aberto em nossa existência o qual não poderá ser preenchido.
A personalidade do Papai era inconfundível. Pastor por
excelência gostava de ser assim e dizia que encerraria seus dias sendo pastor,
porque não poderia negar a Deus nenhum momento, uma vez que Dele viera tudo o
que possuía. Viveu sem parar o seu privilégio de ser pastor e, por seu turno,
Deus o recompensou com a maior honraria que um homem pode receber: ser um
honorável entre os homens. Sua dedicação e boa vontade o tornaram um
conselheiro de primeiro momento, fez parte dos conselhos administrativos da
igreja até o fim da sua vida. Foi pastor honrado e, até certo ponto, venerado
por suas ovelhas, respeitado pelos pares e amado por seus filhos. Antes de
falecer reuniu a família, pregou seu último sermão exortando o amor a Deus e o
amor fraterno no seio familiar. Jamais esquecerei o seu último sermão!
Papai era também um professor excelente. Sua disciplina
favorita era história e gostava de ser reconhecido como conhecedor da história.
Aprendi a interpretar o mundo através do seu olhar crítico e perscrutador,
sendo sempre confiante nas profecias e nos comandos de Deus. Na qualidade de
professor foi um grande construtor de almas que voltaram muitas vezes em
reconhecimento por sua influência. Um educador dedicado que ajudou a construir
a infraestrutura educacional da igreja em Belém, Pará, tendo sido departamental
de educação e JA, além de diretor e professor no Instituto Adventista Grão Pará
- IAGP, fundado enquanto fora departamental da União Norte Brasileira. Hoje, o
reconhecimento por sua dedicação está explícito na biblioteca do IAGP, a qual
tem o seu nome. Aprendi muito com sua maneira de conduzir problemas; era um
homem de saúde frágil, mas um Hércules em questões morais e espirituais. Nunca
vi meu pai vacilar por falta de fé, e jamais ouvi dele um murmúrio sequer
diante das dificuldades enfrentadas, especialmente no ambiente do pastorado.
Amava a Deus e encerrou seus dias dedicando ainda mais amor a Ele.
Em casa, sempre foi muito atencioso conosco e muito
preocupado com a nossa educação. Sinto com muito carinho seu amor ao
proporcionar o melhor ambiente de aprendizado que havia quando eu ainda estava
em formação. Pude estudar nas melhores escolas e minha educação alcançou nível
de sofisticação alto; falo três idiomas, conheço música com profundidade e sou
capaz de interpretar textos complexos. Papai nos brindou com um ambiente
doméstico venturoso e divertido, com direito a saraus nos domingos à tarde:
Mamãe no piano, Papai no violino e alguns amigos que vinham para tocar outros
instrumentos. Papai possuía uma boa
coleção de discos clássicos com os quais aprendi a gostar de música erudita.
Além disso, possuía grande afinidade com literatura, chegou a comprar coleções
com os clássicos da literatura universal para que tivéssemos acesso aos autores
importantes e aprendêssemos com a boa literatura. Penso que a proximidade com
estes livros me deu bom conhecimento do mundo e do nosso idioma.
Lembro que quando era criança ele gostava de brincar comigo
e tínhamos contato físico sempre depois do almoço quando deitava em sua rede
para dialogar e brincar. Gostava de mecânica e carpintaria e, por esse motivo,
também me interesso por mecânica. Papai gostava de dar tratos aos seus
automóveis e aos seus sapatos e esse comportamento foi transferido para mim.
Gostava igualmente de construção civil e, de certa forma, eu também. Papai era
um homem de muitos dotes e qualidades, tinha bom gosto nas roupas e me ensinou
a saber vestir e dar nó de gravata. Sabia ser orador e creio que usava esse dom
para dialogar com Deus e persuadi-lo sobre questões importantes. Sei que Deus o
tinha em alta consideração, pois lhe deu longa e proveitosa vida, apesar de sua
frágil saúde. Embora eu tenha buscado
aprender essa arte da oratória, não consigo chegar aos seus pés. Lembro que em
muitas ocasiões chegava eu sem avisá-lo ao seu escritório e era surpreendido
com o papai de joelhos suplicando por seu trabalho e por soluções aos problemas
e desencantos profissionais. Deus tinha em seu exército humano um grande e leal
soldado. Meu pai era amável com todos, esta era a sua principal característica,
nunca afastava ninguém que o procurasse sob qualquer pretexto, até aos
desafetos procurava encaminhá-los de alguma maneira. Por ser bom orador, sempre
era convidado para eventos sociais importantes, era o casamenteiro mais
assediado, um conselheiro experiente e sábio, além de ser espirituoso e alegre.
Sempre pronto a receber os amigos para uma refeição transformava nossa casa em
lar para muitos e abrigo seguro para solitários.
Nos últimos anos passei a representar um interlocutor importante
para o Papai. Trocávamos informações sobre assuntos variados e especialmente
teologia. Tínhamos diálogos de longas horas sobre questões bíblicas importantes
e, apesar de sua experiência insuperável, com humildade ouvia minhas
ponderações e idéias com a avidez de um aprendiz. Há dois anos passei uma
semana palestrando numa espécie de semana de oração para os funcionários do
Hospital Adventista de Belém, no qual ele era um tipo de conselheiro. Preparei
alguns temas bastante chamativos e as reuniões foram muito concorridas de
ouvintes. Papai não tinha tido anteriormente nenhuma experiência comigo como
orador e, no final daquele evento, ouvi dele algo que me mostrou o grau de
orgulho e satisfação por ver sua obra de construção de um filho: ele me chamou
particularmente em casa e disse-me que durante muito tempo ele fora o meu
pastor, mas agora eu me transformara no pastor dele. Esta frase me enterneceu
profundamente, e me deixou ver um pouco da grandeza de um homem especial que
sabia ser humilde para aprender, até mesmo com alguém menor, com o próprio
filho.
Na verdade um homem não morre porque suas obras o seguem, e
no caso do meu pai sei que não estarei só por causa do seu exemplo. Sigo meu
passo em direção ao futuro buscando atender o repto lançado instantes antes de ele
dormir: Não tenha medo! Hoje ao acordar e olhar para o céu azul transparente,
claro e vívido, tive a sensação de que Deus mandou um recado para mim imprimindo
confiança e dizendo que está ao leme. Vou seguir em frente com muita energia,
procurando terminar a minha expiação para que possa estar em paz com Deus e
possa encontrar com o meu pai naquele dia quando tudo estará terminado e a
morte não mais existirá. Estou há um ano sem a presença física do meu pai, mas
ele estará eternamente dentro em mim, pois sou produto dos seus desejos, das
suas ordens e da sua compreensão de missão. Vou seguindo pelo mundo pondo
sempre os meus pés sobre as pegadas que ele deixou para mim.
Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca,Dr.
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