terça-feira, 28 de maio de 2013

Pesquisador do Inpa contesta reportagem sobre baixa produção científica na região amazônica


No dia 13 de maio, o Jornal GGN publicou reportagem da agência de notícias espanhola EFE,  Países amazônicos querem romper dependência científica, cujo texto sustentava que a maior parte dos estudos científicos sobre a região era feita por estrangeiros.

No artigo que segue, o pesquisador Claudio Ruy Fonseca, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), revela outro lado da história - o de que a maioria dos pesquisadores de fora que estudam a região não a conhece e usa imagens de satélites ou dados coletados e publicados por pesquisadores da Amazônia.


Veja o artigo abaixo:

Claudio Ruy Fonseca

A Amazônia atrai grande quantidade de estudiosos que se debruçam sobre os variados aspectos que envolvem essa complexa região. Cientistas de todas as partes escrevem sobre as características regionais e, no caso de estrangeiros, a maioria nunca veio à Amazônia.

Consequentemente, seus trabalhos estão baseados em dados secundários interpretados a partir de informações de imagens de satélite ou de dados coletados de publicações realizadas por pesquisadores que de fato conhecem a realidade regional, ou seja, a chamada verdade de solo.

Tal situação demonstra que, embora a quantidade de informação publicada por estrangeiros, quando comparada com a informação produzida por autores autóctones, possa parecer superior, a base dessas informações é necessariamente originária das pesquisas realizadas no solo amazônico.

De outro lado, o número de pesquisadores residentes e formalmente inseridos nas instituições amazônicas (pan-amazônia) não ultrapassa os 300 mil, um contingente ínfimo em relação ao restante do mundo. É como dizer que ainda que os pesquisadores publicassem 300 mil trabalhos por ano, não poderiam ultrapassar a quantidade de impressos sobre a Amazônia que tem origem no resto do planeta.


No caso do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), os resultados já publicados são a parte mais importante e substancial das interpretações científicas publicadas por autores estrangeiros. O acervo de informações produzidas no Inpa tem orientado politicas públicas críticas, tais como o Código Florestal. Além disso, a reunião mundial de Ciência e Tecnologia que ocorrerá este ano no Rio de Janeiro teve uma das reuniões preparatórias no Inpa - a esse instituto caberá uma mesa-redonda sobre a Amazônia na referida reunião, o que demonstra a densidade das informações cientificas geradas.

Fizemos um exercício que poderá dar  uma ideia sobre nossa capacidade de produzir informações sobre a Amazônia: Utilizando o Google acadêmico, ao se usar a palavra "Amazônia", a busca derivou em aproximadamente 322 mil resultados, refletindo o que já foi publicado pela academia em língua portuguesa. Quando se utilizou a palavra "Amazon", obteve-se aproximadamente 732 mil resultados, representando o dobro de trabalhos acadêmicos em língua estrangeira.

Tais números são autoexplicáveis, considerando que a massa crítica de pesquisadores que publicam em português não pode ser comparada com o restante do mundo. Também é preciso não negligenciar que muitos trabalhos em língua estrangeira, cujos autores são estrangeiros, usam referências de pesquisadores brasileiros. Além disso, por sua vez, muitos pesquisadores brasileiros estão, via de regra, publicando em inglês.


Quando olhamos o número de pesquisadores que estão formalmente locados nas instituições nacionais amazônicas encontramos que dos 8,304 mil pesquisadores apenas 3,877 mil possuem titulação em nível de doutorado, cifras que indicam capacidade regional ainda em construção para produzir informação robusta e em quantidade. Todavia, a região Norte publicou entre 2007 e 2010, 10,8 mil trabalhos em periódicos científicos de circulação nacional, mas, publicou também 9,978 mil trabalhos em periódicos científicos de circulação internacional - acrescente-se ainda 6,626 mil capítulos de livros e 1,152 mil livros completos.

Apenas para completar o raciocínio, se somarmos as quantidades de publicações nos periódicos temos um total de 20,778 mil trabalhos que, se for calculada a média utilizando-se o total de pesquisadores (8,304 mil) dará 2,5 trabalhos por pesquisador em três anos. Se a média for calculada apenas para os doutores (3,877 mil), resultará em 5,3 trabalhos por pesquisador, uma média muito elevada. É dizer que estamos publicando a pleno vapor, mas, nosso esforço jamais suplantará o que o mundo poderá produzir.


*Doutor em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade de São Paulo (1988); Coordenador de Biodiversidade e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa); membro do conselho curador da Fundação para Desenvolvimento da Biodiversidade; diretor geral da Associação Brasileira para o uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

domingo, 12 de maio de 2013

UM ANO SEM O PAPAI


UM ANO SEM O PAPAI

Hoje (01.05.2013) o dia amanheceu lindo. O céu estava vestido de azul cristalino, quase sem nuvens, aparentava limpidez e clareza, parecia anunciar que há alegria no futuro. O firmamento como que comunicava algo de alvissareiro apesar da tristeza e do vazio de um ano sem a brandura e a força de um grande pai e um grande líder. A frase dita por ele momentos antes da sua morte permanece viva e audível, como a infundir certeza: “não tenha medo!”.
Foi, talvez, por conta da frase que interpretei o ambiente externo do dia como que inspirando esperança. No entanto, sinto muito a falta de nosso pai; seus conselhos sempre solícitos, sua maneira amiga e carinhosa de falar conosco, seu amor incondicional. A sua falta significa um imenso abismo aberto em nossa existência o qual não poderá ser preenchido.

A personalidade do Papai era inconfundível. Pastor por excelência gostava de ser assim e dizia que encerraria seus dias sendo pastor, porque não poderia negar a Deus nenhum momento, uma vez que Dele viera tudo o que possuía. Viveu sem parar o seu privilégio de ser pastor e, por seu turno, Deus o recompensou com a maior honraria que um homem pode receber: ser um honorável entre os homens. Sua dedicação e boa vontade o tornaram um conselheiro de primeiro momento, fez parte dos conselhos administrativos da igreja até o fim da sua vida. Foi pastor honrado e, até certo ponto, venerado por suas ovelhas, respeitado pelos pares e amado por seus filhos. Antes de falecer reuniu a família, pregou seu último sermão exortando o amor a Deus e o amor fraterno no seio familiar. Jamais esquecerei o seu último sermão!       
Papai era também um professor excelente. Sua disciplina favorita era história e gostava de ser reconhecido como conhecedor da história. Aprendi a interpretar o mundo através do seu olhar crítico e perscrutador, sendo sempre confiante nas profecias e nos comandos de Deus. Na qualidade de professor foi um grande construtor de almas que voltaram muitas vezes em reconhecimento por sua influência. Um educador dedicado que ajudou a construir a infraestrutura educacional da igreja em Belém, Pará, tendo sido departamental de educação e JA, além de diretor e professor no Instituto Adventista Grão Pará - IAGP, fundado enquanto fora departamental da União Norte Brasileira. Hoje, o reconhecimento por sua dedicação está explícito na biblioteca do IAGP, a qual tem o seu nome. Aprendi muito com sua maneira de conduzir problemas; era um homem de saúde frágil, mas um Hércules em questões morais e espirituais. Nunca vi meu pai vacilar por falta de fé, e jamais ouvi dele um murmúrio sequer diante das dificuldades enfrentadas, especialmente no ambiente do pastorado. Amava a Deus e encerrou seus dias dedicando ainda mais amor a Ele.

Em casa, sempre foi muito atencioso conosco e muito preocupado com a nossa educação. Sinto com muito carinho seu amor ao proporcionar o melhor ambiente de aprendizado que havia quando eu ainda estava em formação. Pude estudar nas melhores escolas e minha educação alcançou nível de sofisticação alto; falo três idiomas, conheço música com profundidade e sou capaz de interpretar textos complexos. Papai nos brindou com um ambiente doméstico venturoso e divertido, com direito a saraus nos domingos à tarde: Mamãe no piano, Papai no violino e alguns amigos que vinham para tocar outros instrumentos.  Papai possuía uma boa coleção de discos clássicos com os quais aprendi a gostar de música erudita. Além disso, possuía grande afinidade com literatura, chegou a comprar coleções com os clássicos da literatura universal para que tivéssemos acesso aos autores importantes e aprendêssemos com a boa literatura. Penso que a proximidade com estes livros me deu bom conhecimento do mundo e do nosso idioma.
Lembro que quando era criança ele gostava de brincar comigo e tínhamos contato físico sempre depois do almoço quando deitava em sua rede para dialogar e brincar. Gostava de mecânica e carpintaria e, por esse motivo, também me interesso por mecânica. Papai gostava de dar tratos aos seus automóveis e aos seus sapatos e esse comportamento foi transferido para mim. Gostava igualmente de construção civil e, de certa forma, eu também. Papai era um homem de muitos dotes e qualidades, tinha bom gosto nas roupas e me ensinou a saber vestir e dar nó de gravata. Sabia ser orador e creio que usava esse dom para dialogar com Deus e persuadi-lo sobre questões importantes. Sei que Deus o tinha em alta consideração, pois lhe deu longa e proveitosa vida, apesar de sua frágil saúde.  Embora eu tenha buscado aprender essa arte da oratória, não consigo chegar aos seus pés. Lembro que em muitas ocasiões chegava eu sem avisá-lo ao seu escritório e era surpreendido com o papai de joelhos suplicando por seu trabalho e por soluções aos problemas e desencantos profissionais. Deus tinha em seu exército humano um grande e leal soldado. Meu pai era amável com todos, esta era a sua principal característica, nunca afastava ninguém que o procurasse sob qualquer pretexto, até aos desafetos procurava encaminhá-los de alguma maneira. Por ser bom orador, sempre era convidado para eventos sociais importantes, era o casamenteiro mais assediado, um conselheiro experiente e sábio, além de ser espirituoso e alegre. Sempre pronto a receber os amigos para uma refeição transformava nossa casa em lar para muitos e abrigo seguro para solitários.

Nos últimos anos passei a representar um interlocutor importante para o Papai. Trocávamos informações sobre assuntos variados e especialmente teologia. Tínhamos diálogos de longas horas sobre questões bíblicas importantes e, apesar de sua experiência insuperável, com humildade ouvia minhas ponderações e idéias com a avidez de um aprendiz. Há dois anos passei uma semana palestrando numa espécie de semana de oração para os funcionários do Hospital Adventista de Belém, no qual ele era um tipo de conselheiro. Preparei alguns temas bastante chamativos e as reuniões foram muito concorridas de ouvintes. Papai não tinha tido anteriormente nenhuma experiência comigo como orador e, no final daquele evento, ouvi dele algo que me mostrou o grau de orgulho e satisfação por ver sua obra de construção de um filho: ele me chamou particularmente em casa e disse-me que durante muito tempo ele fora o meu pastor, mas agora eu me transformara no pastor dele. Esta frase me enterneceu profundamente, e me deixou ver um pouco da grandeza de um homem especial que sabia ser humilde para aprender, até mesmo com alguém menor, com o próprio filho.
Na verdade um homem não morre porque suas obras o seguem, e no caso do meu pai sei que não estarei só por causa do seu exemplo. Sigo meu passo em direção ao futuro buscando atender o repto lançado instantes antes de ele dormir: Não tenha medo! Hoje ao acordar e olhar para o céu azul transparente, claro e vívido, tive a sensação de que Deus mandou um recado para mim imprimindo confiança e dizendo que está ao leme. Vou seguir em frente com muita energia, procurando terminar a minha expiação para que possa estar em paz com Deus e possa encontrar com o meu pai naquele dia quando tudo estará terminado e a morte não mais existirá. Estou há um ano sem a presença física do meu pai, mas ele estará eternamente dentro em mim, pois sou produto dos seus desejos, das suas ordens e da sua compreensão de missão. Vou seguindo pelo mundo pondo sempre os meus pés sobre as pegadas que ele deixou para mim.
Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca,Dr.