No âmbito religioso, há muita
subjetividade e desbalanço emocional, por força das interpretações pessoais e
da falta de leitura e estudo mais aprofundado da verdade bíblica. É muito comum
pessoas satisfeitas com a interpretação dos clérigos, uma tentativa de deixar a
responsabilidade da atuação pessoal com os guias religiosos. Todavia, em
qualquer ramo do conhecimento, deve-se construir saber individual. Ser dono da
sua própria ciência produz assertividade e equilíbrio emocional, uma vez que
não se deixa a terceiros o definir de propósitos.
No cristianismo, é fundamental a
noção de que somos discípulos de Cristo. O discipulado é mais do que o mero
assentimento intelectual a algumas premissas. É necessário nascer no Reino de
Deus. A razão dessa necessidade é que, quando o homem caiu do seu estado
original, perderam-se virtudes que, sem elas, a humanidade fica separada do
reino de Deus.
A queda está definida em muitos
textos bíblicos. Na carta a Tito
encontramos a seguinte proposta do apóstolo Paulo: “Porquanto a graça de Deus
se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a
impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente, sensata, justa e
piedosamente” (Tito 2:11-12).
Se a graça salvadora nos educa,
significa que perdemos virtudes. O texto diz que a educação realizada pela
graça trará como resultado o renegar da impiedade, a falta de respeito por
valores aceitos no reino dos céus. Também são renegadas as paixões mundanas, os
desejos, os impulsos carnais não dominados que, não aspiram nada mais elevado do
que os prazeres deste mundo. Em outras palavras, paixões mundanas são um
arranjo ordenado de coisas ou pessoas que, muitas vezes, representa o povo
ímpio, alienado e hostil a Deus, ou ocupado com assuntos mundanos que levam
para longe de Deus, estranho e hostil a Deus e em oposição ao Seu reino.
Trata-se da preocupação com falsos ensinos, utilização de elementos terrestres,
animados e inanimados que Satanás organizou e arregimentou em rebelião contra
Deus.
Muitas coisas boas em si mesmas
podem estar entre o homem e Deus. Casas e terras, roupas e móveis, parentes e
amigos, são bens que valem a pena (e que substituem Deus), mas que não devem se
tornar centro de atenção, em detrimento dos bens espirituais. Sem dúvida, é o
eu que finalmente se interpõe entre a pessoa e Deus.
A educação que a graça opera
tornará possível o cultivo das altas faculdades mentais da razão. Estas trarão
a força de um caráter que esteja à altura de pessoas que resplandecem como
luzes e que norteiam o mundo. Através da Palavra Sagrada, será ouvida a voz de
Deus, orientando, animando, fortalecendo, fazendo avançar a expansão cognitiva
que tornará possível prescindir das coisas físicas em direção a um elevado
caráter.
O apóstolo João diz que “o mundo
passa, bem como a sua concupiscência, aquele, porém, que faz a vontade de Deus
permanece eternamente” (1Jo. 2:17). Ora, está claro que bens físicos são
transitórios. O mundo é, repetimos, um arranjo ordenado de coisas. Todas as
coisas são finitas. A concupiscência, impulsos que nos atiram para as coisas
físicas, também passa. A verdade subjacente é que os impulsos, emoções,
desejos, devem estar sob o controle da alma. Quando não há controle sobre os
impulsos, estamos em concupiscência. Neste padrão, estamos sob o domínio dos
impulsos e das paixões descontroladas, temperamentais. Quando assim, nossa
vontade leva o corpo à ação, em busca dos prazeres carnais, ou a satisfação dos
desejos; egoísmo (culto ao eu). A isto a Bíblia chama de queda. Então, o estado
pecaminoso é a perda do controle das paixões.
Até agora estávamos no plano do
discurso teórico. Vejamos como lidar com esta dimensão na prática. Se o corpo é
a nossa casa, sendo que através do corpo materializamos nossos desejos, então,
desejos descontrolados, que levam a ações comportamentais, resultam de um corpo
insano. Aqui começamos a desvendar um mistério.
Somos pura química. Nosso
comportamento resulta da secreção de químicos ou humores (hormônios) que nos
impulsionam às boas ou às más obras. Os hormônios afetam o corpo humano de
várias maneiras, como regulação e funcionamento de estruturas do corpo,
desenvolvimento de caracteres, controle da quantidade de glicose e cálcio no
corpo, regulação do sono, atuação no metabolismo celular e preparação do corpo
para reações de perigo. Eles também têm um grande impacto em quase tudo que o
nosso corpo faz, incluindo o controle do ritmo de nossas vidas e a regulação
das funções corporais, além de condicionarem nosso comportamento e temperamento.
Logo, desequilíbrio hormonal alterará nosso desempenho, levando a agir da
maneira que não gostaríamos.
A explicação acima é fundamental
para entender o problema moral do pecado. O homem é formado por três partes:
corpo, mente ou espírito e alma, às vezes chamada de razão. Em Lucas (12:5)
Jesus fala dessas partes dizendo: “Eu vos revelarei a quem deveis temer: temei
aquele que, depois de matar o corpo, tem poder para lançar a alma no inferno. Sim,
Eu vos afirmo, a esse deveis temer.
É através do corpo que
interagimos com o mundo físico. É através do corpo que mostramos nossas ações
e, portanto, nosso caráter. É no corpo, ou seja, no cérebro que está a mente ou
espírito. A mente é formada pelos neurônios mais as informações neles contidas.
Todavia, a mente, propriamente dita é mais do que neurônios e informações; o
processamento das informações, ou nossa capacidade de relacionar as informações
gerando os conceitos. Estes nos fazem entender a realidade, a isto chamamos de
mente ou espírito. Assim, o bom funcionamento do corpo dará sustentabilidade
para o bom desempenho da mente. Nossa visão de mundo resulta do processamento
das informações, de como analisamos os dados e os sintetizamos. Logo, se nosso
corpo não está são, nossa mente estará limitada, portanto, nossa compreensão da
realidade estará diminuída. O corpo mais a mente dão surgimento à alma. Esta, é
a nossa vontade, nossa volição, nosso ato ou potência de fazer, a vontade de alguma
coisa, nossa razão. Esta vontade surge depois que a mente percebe a realidade.
Uma vez que processamos as informações e entendemos a realidade, então vem a
interação com a realidade, materializada na alma que nos impulsiona para ação.
Mas, é no corpo que temos a concretude da ação. Logo, estamos diante de um sincício,
um looping de ações, ou partes que só agem juntas. O corpo, a alma e o espírito
não existem separados.
O homem somente é alma vivente
quando há equilíbrio das três partes que o compõem. O equilíbrio gera a
liberdade e a paz. Sempre que o homem domina a mente, relacionando informações
que geram pensamentos, a saúde do corpo e da mente trarão a disciplina, o
temperamento subjugado. Este contexto
gerará alma livre. Em contrário, desejo descontrolado, gerado por paixões impulsivas
oriundas das descargas hormonais desequilibradas, gerará ações que podem
envergonhar, fazendo com que o egoísmo assuma o controle das ações. Logo, uma
pessoa que se utiliza das regras da temperança, tende a ter as suas três dimensões
equilibradas.
O entendimento dos atributos da
verdade bíblica é a chave para alcançar o equilíbrio. A santificação é este
processo de reequilíbrio e que somente pode ser potencializado e realizado
através da palavra de Deus. Sobre isso, o apóstolo Paulo recomenda que “o
próprio Deus da paz vos santifique. Que todo o vosso espírito, alma e corpo
sejam mantidos irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tess.
5:23). O contato com Deus, que se dá através da mutualidade com o modelo Jesus,
característica de quem aprende com a Bíblia, é o canal que restabelece o
equilíbrio humano, por isso a graça é salvadora. O apóstolo pede a
irrepreensibilidade das três partes do homem. Nenhuma parte sobrepujando a
outra. Então, voltando ao que Jesus disse sobre temer ao que pode matar o corpo
e depois a alma, compreendemos que se alguém torna frágil o corpo, fatalmente
não terá controle de si mesmo, porque a sua alma não responde com desejos
sadios.
Todos os hábitos que debilitam o
corpo acabam matando a alma. Esse é o caso dos viciados, em quem a alma não tem
a força da vontade, sendo escravizada pelo corpo que passa a exigir que a
vontade ou a alma obedeça ao corpo. O apóstolo Pedro segue o mesmo raciocínio
quando afirma “amados, exorto-vos como a peregrinos e estrangeiros a vos
absterdes das paixões da carne que debilitam a alma” (1Pe.2:11). Salomão fala
do looping entre as três partes quando diz que “a alma disposta sustem o ser
humano durante a doença, mas o espírito deprimido, quem o pode suportar?”
(Prov.18:14).
Paulo chega a falar num corpo
natural e num corpo espiritual. Se matamos o corpo natural, ou seja, aquele que
por causa da concupiscência domina a alma, então nascerá o corpo espiritual,
não dominado por paixões desenfreadas, ou impulsos descontrolados, mas, um
corpo que tem prazer em sentir as delícias dos raciocínios e das conquistas
intelectuais que moldam outros corpos por sua influência benéfica. Corpos
naturais traídos pelos impulsos químicos são a possessão de satanás. O plano da
redenção tem em vista a nossa completa recuperação. O modelo Jesus veio para
destruir as obras do diabo.
Jesus é o homem em sua perfeita
varonilidade, ou seja, sua capacidade de dominar as três dimensões humanas.
Sempre esteve no comando das suas ações, sua alma não tinha propensões ao
pecado, em virtude de um corpo sadio e uma mente alimentada com a verdade. Ele
mantinha seus pensamentos e palavras em sujeição à verdade. Mesmo diante das
tentações mais atrozes (cuspiram-lhe no rosto, pregaram-no na cruz, etc.)
Cristo manteve o equilíbrio, não deixou que seus hormônios tomassem as rédeas,
não abriu a sua boca. Ainda que estivesse sob a tensão de 40 dias sem alimento,
o inimigo não o desequilibrou, e não cedeu ao império do corpo e nem ao império
da vontade. “A atuação do tentador não deve ser usada como desculpa para que
alguém aja erradamente. Satanás se rejubila quando ouve os professos seguidores
de Cristo arranjando desculpas para suas deformidades de caráter. São tais
desculpas que conduzem ao pecado. Um temperamento santificado, uma vida
semelhante à de Cristo, podem ser conseguidos por todo penitente filho de Deus”.
(The Review and Herald, 31 de Outubro de 1907).
“Um dos mais deploráveis efeitos
da apostasia original foi a perda do poder de domínio próprio por parte do
homem. Unicamente à medida que esse poder é reconquistado pode haver real
progresso. O corpo é o único agente pelo qual a mente e a alma se desenvolvem
para a edificação do caráter. Daí o adversário dirigir suas tentações para o
enfraquecimento e degradação das faculdades físicas. Seu êxito nesse ponto
importa na entrega de todo o corpo ao mal. As tendências de nossa natureza
física, a menos que estejam sob o domínio de um poder mais alto, certamente
produzirão ruína e morte”. (A Ciência do Bom Viver, 130
).
Pelo que vimos acima, a mesma
ausência de tendência para o pecado que estava em Jesus, está à disposição de
toda humanidade. Apenas temos que colocar o corpo em sujeição, aceitando que as
mais elevadas faculdades da alma dominem. As paixões e os impulsos devem ser
regidos pela vontade (alma), e esta, por sua vez, deve achar-se sob a direção
de Deus.
“O corpo tem de ser posto em
sujeição. As mais elevadas faculdades do ser devem dominar. As paixões devem
ser regidas pela vontade, e essa deve, por sua vez, achar-se sob a direção de
Deus. A régia faculdade da razão, santificada pela graça divina, deve ter
domínio em nossa vida. [...] Homens e mulheres precisam ser despertados para o
dever do império de si mesmos, para a necessidade da pureza, a liberdade de
todo aviltante apetite e todo hábito contaminador. Precisam ser impressionados
com o fato de que todas as suas faculdades de mente e corpo são dons de Deus, e
destinam-se a ser preservadas nas melhores condições possíveis, para Seu
serviço.” (A
Ciência do Bom Viver, 130).
Há uma ciência crucial que deve
ser vista por todos. No ritual diário no antigo santuário, o sacrifício que
representava Cristo não podia ter defeito. Assim como o próprio Jesus ao viver
entre os homens e tendo encarnado à nossa semelhança, performou perfeito
domínio sobre as naturais inclinações que corrompem a alma, e foi o sacrifício
irrepreensível, devem os homens, através do poder divino, copiando Jesus o
modelo perfeito, tornarem-se sacrifício vivo (domínio sobre si), santo,
agradável a Deus (Rm. 12:1).
As tentações de Jesus foram
apresentadas na tentativa de pressioná-lo a deixar que o desequilíbrio entre corpo,
mente e alma imperasse. Depois de 40
dias sem comer, o inimigo tenta para que o corpo debilitado de Jesus, produzisse
desequilíbrio mental e a alma demandasse comida. Jesus não cedeu. Ao responder
que “nem só de pão vive o homem”, demonstrou equilíbrio, liberdade,
varonilidade, ou seja, nenhuma mancha egoísta.
Toda sociedade humana está
completamente acostumada em satisfazer as exigências da carne. Sempre estamos acariciando
alguma concupiscência. Além disso, aprendemos vícios por causa da chamada
consciência coletiva. Aprendemos costumes dietéticos, por exemplo, que somente
tornam mais difícil o domínio do corpo pela mente e alma. Vícios, de quaisquer
espécies, transformam o corpo em carrasco da alma.
Há ainda, em todas as vertentes
do marketing das comunicações, apelos visuais que aprisionam a alma à compra sem
controle de bens. O mundo físico com as tecnologias e os designs que provocam a
concupiscência visual, são cadeias que parecem douradas, mas, maculam a alma.
Mesmo em contato com a preciosa palavra de Deus, os crentes vivem de acordo com
o comportamento dos que não são livres. Toda alma que está presa na concupiscência
é considerada morta para o reino dos céus. Lá, os bens físicos são apenas
domínios ou espaços para execução dos bens espirituais, superiores. Bens
espirituais representam virtudes e seus valores, bens muitíssimo superiores,
utilizados não para o uso pessoal, mas, para edificação de outros. Por esse
motivo, as crianças que têm vontade inteligente devem ser educadas de maneira a
reger todas as suas faculdades. À mente humana, porém, deve ser ensinado o
domínio próprio. Ela deve ser educada a fim de governar o ser humano (Conselhos
sobre Educação, p.2).
Cedendo à tentação de satisfazer
o apetite, Adão e Eva caíram originalmente de sua condição elevada, santa e
feliz. E é por meio da mesma tentação que os homens se têm debilitado. Eles têm
permitido que o apetite e a paixão ocupem o trono, mantendo em sujeição a razão
e o intelecto ( Conselhos sobre Educação, p.9). Aqui está o que a Bíblia chama
de queda. O corpo sujeitando a razão. E como vimos acima, a educação verdadeira
deverá manter o corpo em sujeição à razão. A isto denomina-se perfeição.
“Cristo veio a este mundo e viveu
a Lei de Deus, a fim de que o homem pudesse ter perfeito domínio sobre as
naturais inclinações que corrompem a alma. Médico da alma e do corpo, Ele dá a
vitória sobre as concupiscências em luta no íntimo. Proveu toda facilidade para
que o homem possa possuir inteireza de caráter” (A Ciência do Bom Viver, p.130).
Uma palavrinha mais sobre a
queda. Por causa da nossa tendência em atender os apelos da carne, não nos é
possível manter a virtude da lealdade. Sempre que alguma promessa de lealdade é
feita, esta não se sustenta por causa da sujeição da razão ao corpo. Nossos
impulsos impedem o uso adequado da razão e não sustentamos a lealdade, por
tratar-se de uma virtude que exige mantermos a egolatria sob controle. Por essa
razão não somos leais a Deus e nem aos nossos semelhantes. Mas, graças a Deus
por Nosso Senhor Jesus Cristo, quem nos ensinou o caminho para a volta o estado
inicial da humanidade: o equilíbrio.