Lendo o livro “A invenção da
natureza” de Andrea Wulf, deparei-me com os comentários de Alexander von
Humboldt – o maior cientista do século XVIII – onde declara ser o novo mundo
muito superior à Europa. O espaço geográfico na América do Sul surpreendeu
Humboldt, estava repleto de novidades geológicas, mananciais de água, minerais
de toda sorte, além de que havia uma superabundância de formas de vida incomparável.
A riqueza do reino vegetal e do reino animal impressionou Humboldt, mas o que o
deixou mais impactado foi a inteligência e a beleza dos ameríndios, cuja
cultura, em muitos aspectos, superava a europeia com abstrações complexas sobre
noções morais e sobre ciência. Disse Humboldt que se os povos americanos pensassem
numa unidade política continental, nenhuma potência europeia seria capaz de
conter a América.
Para nós que habitamos a América,
não nos chama atenção a riqueza de vida e a densidade dos indivíduos encontrada
aqui. Porém, numa dessas manhãs de folga, pude observar o meu jardim, um espaço
de aproximadamente 30 m2. Curvei-me para limpar as ervas que não
faziam parte do gramado, e me dei conta da dinâmica que organizava aquele
pequeno espaço de terra. Os vegetais invasores, compreendi, não disputavam o
espaço das gramíneas, antes buscavam ocupar espaços vazios como a ensinar uma
lição importante. As chamadas “ervas daninhas” simplesmente desfrutavam o que
lhes cabia, sem estar lançando seus pequenos ramos por sobre o gramado. Uma
quantidade surpreendente de ervas diferentes, pelo menos umas cinco espécies
formavam um arranjo bem distribuído, desenvolvendo populações que não estavam
misturadas. Para minha surpresa deparei-me com um universo bem organizado onde
os vários vegetais buscavam ocupar espaços de forma arguta e cooperativa. Do
ponto de vista do jardineiro, os vegetais que não são gramíneas não são também
adequados, assim, arranquei todas as ervas diferentes. A quantidade de biomassa
arrancada surpreendeu-me mesmo. Pude verificar a bondade de Deus, além da sua
sabedoria, ao criar tantas formas vegetais, dando a cada uma função determinada,
sendo que os humanos não conhecem suas contribuições.
No meio das plantas está um
microcosmo de vida animal muitíssimo diverso, para o qual não atentamos. Ali
naquele espaço encontrei três espécies de formigas que fazem ninhos periepigéicos
proporcionando um turnover de terra importante, arejando o solo, facilitando o
enraizamento do capim e sua nutrição. Encontrei também muitos grilos e
paquinhas que perfuram o solo, comem raízes das gramíneas provocando
crescimento de novas raízes. Vi ainda cigarrinhas em altíssima densidade,
centenas delas alimentando-se da seiva da grama. Sobre esses insetos há o
domínio dos passarinhos que a cada momento pousavam para comer insetos. Quão magnífica
cooperação num espaço tão diminuto. Encontrei muitos vagalumes adultos e larvas
e outros besouros pequenos do grupo das joaninhas que buscavam proteção e
alimento nas plantas, além dos beija-flores que sugavam o néctar de um único hibisco
que produz flores vermelhas. Entendi que a quantidade de biomassa arrancada por
mim era suficiente para sustentar parte daqueles animais que estavam lá. Uma explosão
de vidas numa teia de cooperação cuja complexidade foge da percepção comum. Por
baixo do solo percebi o trabalho das minhocas que processam a terra produzindo
o húmus tão necessário às plantas. Que importante laboratório de estudos apenas
no meu jardim. Nunca havia parado para sentir a pujança da vida que nos cerca,
mas que está ali, mesmo que não tenhamos a oportunidade para observar e sentir.
Através dos olhos de Humboldt, um fascinante cientista europeu, pude me dar
conta da enorme riqueza que temos à disposição.
Enquanto observava a dinâmica
naqueles 30 m2 lembrei-me da afirmação de Jesus em Mateus
6:25-34, quando explicou que não devemos estar preocupados com o que vestiremos
ou comeremos, porque nosso Deus cuidará assim como cuida dos animais. No
entanto, observou Jesus que deveríamos buscar primeiro o Reino de Deus e a sua
justiça, e tudo o mais nos seria acrescentado.
Geralmente quando ouvimos este trecho
do discurso de Jesus, o contextualizamos como no ambiente religioso cristão. Aceitamos
que buscar o Reino de Deus é praticar atos beatos, contemplativos e místicos.
Mas a busca não é religiosa e sim da justiça e, neste caso, todas as pessoas devem
necessariamente ter tudo. Foi o que pude observar ali no meu jardim com as
outras formas de vida. Todos tinham seu espaço, sua liberdade para crescer, sua
quantidade de ar, luz e água, seu alimento, seu direito à reprodução e sua
parte na cooperação.
Em II Pedro 3:13 lemos: “Mas nós,
segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a
justiça”. Enquanto esperamos, devemos nós estabelecer a justiça procurando
estar no Reino de Deus e deste modo, permitir uma vida feliz enquanto estamos
na superfície da Terra.
Voltando aos comentários de
Humboldt, ao falar sobre o comportamento sócio-político na ibero américa, ele
observou desunião continental, bem como desunião no âmago das nações onde os
vários estratos sociais pelejavam por direitos. Tal situação era vantajosa à coroa espanhola
que auferia vantagem na discórdia, mantendo a submissão de um território muitas
vezes maior que a Espanha em virtude do enfraquecimento pelo fracionamento.
Assim ocorre na igreja de Deus. A
falta de unidade provoca enfraquecimento de princípios e ruptura moral, dando
enorme vantagem ao inimigo. Se marchasse unida a igreja venceria, mas o
fracionamento abre espaço para ideias novas e contrárias à dinâmica de Deus.
Deste modo, o inimigo faz prevalecer a injustiça e o Reino de Deus fica
inviável.