Muitos cristãos têm uma leitura danificada
pelo misticismo a respeito do procedimento religioso. Seu comportamento não aponta
segurança, por força de exagerada demonstração de espiritualidade, que vai muito
além do próprio conceito bíblico, tornando a religião um ideal pouco prático.
Na verdade, de acordo com as escrituras
sagradas, bem como a revelação deixada pelo comportamento de Jesus quando viveu
entre nós, a religação com Deus e seu Reino se dá pela via da cooperação entre
Deus e os homens, mas também entre os próprios homens.
O conceito de cooperação está
logo no capítulo primeiro do livro de Gênesis, onde vemos a elaboração da
criação como um ato conjunto da trindade: façamos. Aliás, essa cooperação entre
os membros da trindade expressa, com toda ênfase, o princípio da Lei dos dez
mandamentos, onde a cooperação é uma ordenação que comanda colaboração com Deus
e cooperação entre os homens. A ação conjunta da trindade é, além disso, ressaltada,
por exemplo, quando da intervenção, após dilúvio, na torre de Babel (Gên.11:7).
Mas, a ação mais espetacular da trindade deu-se na encarnação de Jesus, seu
nascimento, desenvolvimento, sacrifício e ressurreição. Em todos os momentos da
experiência vivida por Jesus na Terra, havia uma ligação infringível da
trindade na consecução do plano para redenção para os homens. No capítulo 16 do
evangelho de João, Jesus demonstra a atuação cooperativa da trindade de uma
forma evidente, ensinando como se dá a administração celeste e qual o ideal
para os homens.
Já na criação, no jardim do Éden,
ao determinar a função humana, a Adão foi dada a responsabilidade de cuidar do
jardim. Nessa ordem pode-se ver que a dinâmica imposta por Deus determinou que
deveria necessariamente haver cooperação entre Deus e o homem. Deus criara o
mundo físico, obedecendo a claros padrões de cooperação (Salmos 19:2), mas ao
homem caberia a conservação do mundo físico e a criação do mundo social,
obedecendo os mesmos critérios. E assim foi. Quando Adão despertou do sono e
foi-lhe entregue a sua mulher, ele exclamou: “Esta é agora osso dos meus ossos,
e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada”
(Gên. 2:23), significando que ele iria cooperar com ela. Porém, logo após a
queda, Adão mostrou comportamento oposto, quando disse que “A mulher que me
deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi” (Gên. 3:12), demonstrando
que a cooperação parecia estar extinta.
Desauxiliar, desassistir, foram
os verbos que entraram em ação após o pecado ter entrado na criação de Deus. Um
bom exemplo é o dos irmãos Caim e Abel. Quando foram oferecer um culto a Deus,
ficou evidenciada a desfiguração da obra da criação. Caim matou Abel e em
seguida, Deus dialoga com Cain: (Gên.4:9) “E disse o SENHOR a Caim: Onde está
Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?” Na
resposta de Caim encontra-se o resultado de um novo estado moral; ausência da
Lei de Deus, ambiente de desauxilio.
Na situação pós pecado, o assunto
da cooperação não ficou preterido, mas foi salientado através do culto
sacrifical. Os altares erguidos eram obras do homem, mas o cordeiro imolado era
obra de Deus. É importante deixar sempre manifesto que a Lei de Deus requer
cooperação, assim, todos os atos religiosos, ou seja, os que produzem a
religação com Deus, são atos cooperativos entre criador e criatura, uma
exigência do sistema de administração divino.
Quando da construção do
santuário, Deus atuou oferecendo o modelo ou a planta do edifício, com todos os
utensílios obrigatório, mas ao homem coube o gerar os recursos necessários, o
desenvolver da obra dos artífices, os quais foram abençoados com dotes
especiais por Deus, assim a construção do edifício portátil deu-se da melhor
forma. A dobradinha Deus-homem explicitamente operada resultou na aceitação por
Deus daquele espaço feito pelo homem. Mas, muito além do edifício, todo ritual
do santuário era uma cooperação entre Deus e os homens. O raciocínio que
comandava os principais rituais tinha na cooperação o motivo e a força.
Três eram os principais
sacrifícios oferecidos no santuário: O sacrifício pelo pecado, o sacrifício queimado
ou holocausto e as ofertas pacíficas.
O sacrifício pelo pecado, uma
dádiva de Deus, era oferecido somente em ocasiões especiais. Era o sumo sacerdote
na condição de representante de Deus quem o oferecia, para o caso de pecados
que não eram conscientemente cometidos. Algumas ocasiões onde fora oferecido:
no Éden, logo após a queda; na inauguração do tabernáculo; no dia da expiação;
nas três principais festas (Dia da Expiação, Ano novo, festa das cabanas).
O sacrifício queimado ou
holocausto estava na responsabilidade do homem; era oferecido diariamente (manhã
e tarde) pelo sacerdote para cobrir as faltas do povo, no caso de não ser
possível ao israelita oferecer imediatamente um holocausto pelo pecado
conhecido. Todavia, o pecador teria que, pelo menos uma vez ao ano, espontaneamente
oferecer seu holocausto pessoal. Colocando as mãos sobre a cabeça do cordeiro,
transferia ao cordeiro a sua culpa. O sacrifício era totalmente queimado, simbolizando
o total arrependimento do pecador. Agora chamamos a atenção para a equação montada
pela providência de Deus e pela ação humana; o primeiro sacrifício era de Deus,
o segundo era do homem. Tal soma produzia o terceiro termo do silogismo
matemático, ou seja, após a execução dos dois sacrifícios deveria ocorrer o
terceiro sacrifício chamado de oferta pacífica. Este simbolizava a religação entre
Deus e o homem. Neste sacrifício havia a comemoração da paz. O pecador oferecia
bolo feito de flor de farinha e vinho, elementos que eram compartilhados com o
sacerdote e com os amigos. Os três sacrifícios desenvolviam o que a Bíblia
chama de expiação, um processo no qual vemos a cooperação exigida pelo
princípio da Lei que embasa o governo de Deus.
Quando Jesus esteve pessoalmente
entre os homens, várias vezes ensinou o princípio da cooperação Deus-homem. Quando um jovem rico O procurou depois de
Jesus ter proferido o famoso discurso ao lado do mar da Galileia, perguntando “Bom
Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?” (Mat.9:16-23), Jesus
demonstrou com muita ênfase a cooperação que ele deveria buscar com Deus,
guardando os mandamentos, depois Ele ensinou como deveria ocorrer a cooperação
entre os homens. Mas o jovem não ficou feliz, uma vez que não acolhera a
cooperação entre semelhantes. Em outra ocasião quando Jesus entrava em Jericó,
um homem chamado Zaqueu foi privilegiado com uma visita de Jesus. No término da
conversa (aliás, o relato mostra apenas Zaqueu falando (Lucas 19)) Zaqueu diz: “Senhor,
eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho
defraudado alguém, o restituo quadruplicado”. Então Jesus dialoga dizendo: “Hoje
veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão”. Aqui
manifestamente Jesus explica que a cooperação é o motivo do Seu Reino. O roubo
havia retirado Zaqueu da comunhão com Deus e com o próximo, mas agora a
religação havia ocorrido. No milagre da multiplicação dos pães narrado no
evangelho de João (capítulo 6), há um diálogo onde Jesus parece examinar se a
cooperação estava compreendida pelos discípulos. Ele pergunta a Filipe: “Onde compraremos pão,
para estes comerem? Mas dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o
que havia de fazer”. A resposta de Filipe dá ares de que havia um pouco de dúvidas:
“Duzentos dinheiros de pão não lhes bastarão, para que cada um deles tome um
pouco”. Tal quantidade de dinheiro era o pagamento por um ano de trabalho
assalariado. Filipe como que demonstra que seria necessária uma fortuna e muito
trabalho para alimentar a multidão. Porém, André parece ter compreendido estar
na presença do grande legislador dos Dez Mandamentos e exclama: “Está aqui um
rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas que é isto para
tantos?” Jesus percebendo a dimensão da fé manada que todos se assentem “tomou
os pães e, havendo dado graças, repartiu-os pelos discípulos, e os discípulos
pelos que estavam assentados; e igualmente também dos peixes, quanto eles
queriam”. Outra vez ensinou e demonstrou que no seu universo o natural são as
ações realizadas por Deus e por suas criaturas, e sempre que a cooperação Deus-criaturas
acontece, grandes feitos são realizados.
O grande apóstolo Paulo, em sua
carta aos Filipenses (capítulo 2:12) exorta que “assim também operai a vossa
salvação com temor e tremor”, ou seja, contribuam com Deus pois a salvação
ocorre a partir da cooperação Deus-homem. A graça ou o conhecimento dado por
Deus conduz a boas obras (Rm 6:11-16). Desta forma, as obras são a consumação
da graça que efetua nossa salvação (Rm 6:18; 2Co 6:1). O SDA Bible Commentary
explicando Filipenses 2:12, diz o que segue: “Muitos são atraídos ao
cristianismo, mas não estão dispostos a preencher as condições pelas quais a
recompensa do cristão pode ser alcançada. Se pudessem obter a salvação sem
esforço, estariam mais que felizes em receber tudo o que o Senhor poderia lhes
dar. No entanto, as Escrituras ensinam que cada pessoa deve cooperar com a
vontade e o poder de Deus”.
A compreensão do sistema administrativo
divino levará a um novo sistema religioso. Muitos de nós pensamos que Deus está
muito longe e que a religião deve ser um meio muito diáfano e etéreo de comunicação
com Deus. Por essa razão o misticismo pode muito explicar como proceder. Mas,
diferentemente desse raciocínio, a religião (religação) verdadeira estabelece um
serviço de cooperação Deus-homem, o próprio sistema celeste de administrar. É
claro que Deus é maior que qualquer criatura, assim, o que o homem não pode
fazer Deus faz, mas é imprescindível a cooperação. A salvação não é pelas
obras, mas deve ser desenvolvida. Ela decorre apenas da mediação de Cristo, mas
é vivida por cooperação pessoal. Por mais que reconheçamos nossa profunda
dependência dos méritos, da obra e do poder de Cristo, também devemos estar
cientes de nossa obrigação pessoal de viver diariamente, pela graça de Deus,
uma vida coerente com os princípios divinos.
Qual a obra que o homem pode
fazer? Na igreja cristã atual há em sua dinâmica ocasiões para cooperar com Deus
(através dos dízimos, por exemplo) como também cooperar com o próximo (ajudas
de qualquer ordem e ofertas missionárias, por exemplo), são essas cooperações
que dão o verdadeiro caráter da religação promovida pela religião. Em Mateus
25:31-46 encontramos as características daqueles que estarão religados a Deus
e, consequentemente, serão levados com Ele às mansões eternas, mas também estão
relatadas as características dos que não serão religados: “E quando o Filho do
homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará
no trono da sua glória; E todas as nações serão reunidas diante dele, e
apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas; E porá as
ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. Então dirá o Rei aos que
estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino
que vos está preparado desde a fundação do mundo; Porque tive fome, e destes-me
de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava
nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.
Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e
te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos
estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo,
ou na prisão, e fomos ver-te? E,
respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um
destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.
Então dirá também aos que estiverem à sua
esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o
diabo e seus anjos; Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e
não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não
me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes. Então eles também lhe
responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou
estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos? Então lhes
responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o
não fizestes, não o fizestes a mim. E irão estes para o tormento eterno, mas os
justos para a vida eterna.
Qualquer sistema religioso que
não estiver ensinando e praticando a cooperação Deus-homem não é digno de
confiança e deverá ser abandonado. Qualquer sistema religioso que estabeleça o
serviço a Deus como meio, em muitos casos repleto de misticismo, para atingir benefícios pessoais sem a necessária
preocupação com a prática da justiça, ou o bem estar do próximo, é
necessariamente falso.