A Torá evidencia existir uma
união entre o sábado do mandamento e o tabernáculo, a qual não parece ser óbvia
à maioria dos leitores. É importante salientar que o mundo cristão não
raciocina com o sábado e muito menos com o tabernáculo, aceitando que este
raciocínio é próprio do ambiente judaico, mas, não pertinente no âmbito
cristão. Esta idéia é inadequada, uma vez que o cristianismo deriva diretamente
do judaísmo e, portanto, todo e qualquer princípio judaico não pode ser
olvidado ou menosprezado, porque aquilo que a Torá apresenta como sendo oráculo
(tudo o que é dado diretamente por Deus) não pertence ao conjunto das tradições
humanas. Assim, a ligação entre o sábado e o santuário deveria ser examinada.
Em Êxodo 31 vemos Deus explicando
a Moisés todo o planejamento para o santuário, sua construção em exaustivo
detalhamento, sendo que ao final da explicação Deus ordena ao povo a imprescindibilidade
da guarda do sábado do sétimo dia. Porém, no capítulo 35 Moisés aparece
instruindo ao povo sobre a construção do santuário e tal explicação inicia com
a guarda do sábado e culmina com os pormenores da construção. Nos dois textos
vê-se a ligação entre o sábado e a construção do santuário, mas a ordem de comando
está invertida, quando Deus causa a explicação, a guarda do sábado vem no
final, mas, quando é Moisés quem fala, a guarda do sábado vem no início. A
questão que salta diante dos olhos é por que?
O que vê-se é a justaposição do
comando do sábado e a construção do tabernáculo. Tal justaposição parece ser
intencional para estabelecer que o sábado domina sobre as consecuções humanas e
sobre a construção do tabernáculo. Não somente o sétimo dia determina o término
do trabalho secular, como também traz o repouso ao labor santo: construir uma
casa para Deus. Segundo Jonathan Sacks, em sua obra Exodus, o santuário espelha
a criação do próprio universo. Como a criação divina culmina no sábado, assim
também a criação humana. A diferença entre o relato das instruções dadas por
Deus e aquelas dadas por Moisés para a construção do tabernáculo está na
posição do comando para guardar o sábado, sendo que a explicação à referida
diferença pode ser encontrada no próprio sábado, o sétimo dia da semana da
criação.
Do ponto de vista de Deus, o
sábado foi o sétimo dia da semana da criação; do ponto de vista do primeiro ser
humano (Adão fora criado no sexto dia) o sábado foi o primeiro dia. Há algo
fundamental em jogo: quando vemos a criação divina, não encontramos lacuna entre a
intenção e a execução. Deus fala e a palavra se torna em ente ou realidade, ou
seja, Deus vê o fim desde o princípio (Isaías 46:10). De outro lado, com os
seres humanos ocorre outra coisa, frequentemente não nos é possível ver o fim
desde o começo, ou o resultado no início. Apesar dos planejamentos
cuidadosamente calculados, há sempre falhas e imprevisões. Por esse motivo,
alguns buscam a alternativa de simplesmente deixar as coisas acontecerem, mas,
para o povo de Deus este tipo de resignação está completamente fora da
história. Para seres humanos criados à imagem de Deus, com poder para produzir
trabalho criador, resignar-se é negar sua capacidade de interferir. A solução é
buscar revelar o fim desde o começo.
Este é o significado do sábado.
Não é simplesmente um dia de repouso, mas, a antecipação do final da história,
ou seja, da era messiânica. Nela, recuperaremos a harmonia perdida no jardim do
Éden. No sábado não permitimos a manipulação do mundo, nós exaltamos a suprema
obra de arte do criador. Não admitimos o exercício do poder ou a dominância
sobre outros seres humanos, nem mesmo sobre os animais. Todos são iguais em
dignidade e liberdade no sábado, nele vivemos a esperança do mundo porvir
quando a lei de Deus estará novamente em pleno funcionamento originando uma era
de justiça e paz. Chamamos sua atenção para o fato prático na dinâmica sabática:
em cada sábado ensaiamos o mundo futuro, a sociedade ideal que não acontecerá
casualmente, uma vez que a objetivamos semanalmente, nós a experimentamos a cada
sete dias, ou seja, a cada sábado temos uma visão do final desde o começo. É
como se abríssemos uma cortina para ver e viver o futuro, uma vez que o
sábado determina direitos iguais, todos têm acesso ilimitado à graça, todos se
tornam iguais em dignidade.
Agora poderemos melhor entender o
símbolo completo de construir um tabernáculo. No deserto, muito antes de
cruzarem o Jordão e entrarem na terra prometida, Deus convidou aos israelitas
para construírem uma miniatura do universo. No tabernáculo a ordem fora
cuidadosamente calibrada, tal qual o é o universo; todas as constantes físicas
e químicas cuidadosamente calibradas para que a vida fosse possível. O
tabernáculo foi construído de forma exata; não apenas um edifício, mas, um
protótipo simbólico da construção de uma sociedade; um espaço onde todos teriam
acesso à justiça e à vida, um lugar de harmonia com Deus e com o próximo. O
tabernáculo era o lar terrestre para a presença divina; a sociedade israelita
deveria ser também construída de molde a ser um lugar para a presença de Deus,
se houvessem honrado aos mandamentos. O acabamento final da sociedade é a
harmonia da existência que ainda não experimentamos, pois vivemos num mundo de
trabalho e lutas, de conflitos e competições.
Deus, entretanto, deseja que
conheçamos aquilo que objetivamos, de modo que não venhamos a perder nosso rumo
no deserto do tempo. Esta é razão pela qual, quando pediu a construção do
tabernáculo através da execução humana, o sábado veio primeiro, muito embora,
em termos globais, a era messiânica, o sábado da história, vem depois. Deus
tornou conhecido o fim desde o começo. O cumprimento do repouso que segue ao
labor criativo; o lugar que um dia tomará o espaço da disputa – desta forma
podemos a cada sábado ter uma visão do nosso destino, antes de começar a
jornada. Em Êxodo 31 o sábado está comandado no final porque Deus já sabia o
fim, qual seja, o aprendizado e a vivência da harmonia. Em êxodo 35 o sábado
aparece primeiro porque Moisés deveria demonstrar que a harmonia deveria ser
apreendida antes da montagem da sociedade israelita. Do mesmo modo como
aconteceu na semana da criação, Deus vendo o fim desde o princípio estabeleceu
o sábado no sétimo dia, mas, para o primeiro ser humano, foi o primeiro dia, ou
seja, começou a sua jornada vendo o fim desde o princípio.
Hoje temos a cada sete dias uma
oportunidade de treinar a sociedade harmônica. No sábado, quando ocorre o
encontro dos irmãos para adoração, há muitas oportunidades para ensaiar a
sociedade perfeita. Não deveríamos nos tornar ouvintes passivos dos cultos
sabáticos, mas, numa atitude proativa participar na construção de um ambiente
mais justo, onde a dignidade de todos deverá ser preservada. Os que têm o dom
de ensinar deveriam usá-lo de forma cabal para que todos tivessem acesso à
graça. Todos deveriam participar nos projetos coletivos de ajuda financeira,
quer sejam de âmbito local ou não. Aliás, se a cada sábado ensaiamos a
sociedade perfeita do futuro ou a objetivamos, então, os que possuem maior
sabedoria deveriam treinar os menos informados e os novos na fé.
As reuniões sabáticas são parte
de um calibradíssimo sistema calculado para possibilitar o treino e o
aprendizado para a construção de uma sociedade que, em seu seio traz o caráter
de Deus. As congregações quando reunidas no sábado devem estabelecer o ambiente
para a morada de Deus. Quando a era messiânica estiver em andamento, os salvos
serão o tabernáculo de Deus, logo, a cada sábado temos o privilégio de treinar
essa realidade e, em assim procedendo, teremos direito a ela não por uma
casualidade, mas, porque a objetivamos.