Publicado na REVISTA T&C AMAZÔNIA Nº21
O
ÁRDUO CAMINHO PARA A CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA AMAZÔNICO
Autor:
Autor:
Claudio Ruy
Vasconcelos da Fonseca
Resumo
Ciência e
tecnologia são avaliadas como grandes empreendimentos que, no caso brasileiro,
ainda necessitam de investimentos para incremento do capital humano equiparado
aos níveis internacionais, além da consolidação de uma infraestrutura para
permitir que trabalhos científicos suscitem patentes e produtos, aumentando o
nível da riqueza social.
Introdução
A formação de
capital humano é o começo da conversa quando o assunto é pesquisa e
desenvolvimento. No último quarto do século passado, já havia universidades
estatais em todos os estados da Região Norte, além de centros privados de
ensino universitário. Esse novo panorama educacional promoveu o incremento de
capital humano, mas, ainda, não é suficiente para entrada nas universidades de
jovens de todos os extratos sociais. Além disso, permanecem assimetrias
relacionadas à densidade dos programas cursados quando comparados com os
centros de maior densidade intelectual, o que determina lacunas na formação
regional de capital humano para áreas estratégicas, a exemplo de engenharia e
biologia.
A academia
Brasileira de Ciências (ABC), no fim de 2008, publicou um documento onde estão
algumas prioridades que deveriam ser consentidas para a expansão amazônica no
século XXI. Entre os tópicos relevantes estão: i)”[...]Seu potencial, pelo
gigantismo, pelo surpreendente e inédito que comporta, pela variedade que
absorve, somente será desvendado de forma segura com a interveniência de
cientistas e tecnólogos; ii) [...] Tornou-se obrigatoriamente grande centro de
interesse da Ciência e da Tecnologia. Dos cientistas especializados no setor,
espera-se a orientação sensata para transformar a Amazônia em esteio do futuro
brasileiro. Não é exagero dizer que será um fator medular da sustentação também
do próprio planeta; iii) [...] A Amazônia é uma questão global, regional e,
sobretudo, nacional. Como tal, o desafio de promover o seu desenvolvimento é
uma questão de Estado a ser debatida pelo governo e por toda a sociedade do
País. À Ciência, Tecnologia e Inovação, cabem contribuições cruciais no
enfrentamento desse desafio”.
No seio das recomendações do referido documento está a percepção
de que a “Amazônia brasileira surge como um importante polo de atração
política, de oportunidades econômicas e de integração com seus vizinhos. O
Brasil dispõe de um complexo sistema de ciência e tecnologia, que gera
crescentes oportunidades e múltiplas possibilidades de ações. Esforço político
deve ser feito no sentido de se estreitarem laços com os países vizinhos, de
forma a se explorarem vantagens competitivas regionais que permitam alavancar o
processo de desenvolvimento”.
Em muitos momentos, ações (nacionais e locais) foram executadas no
sentido de prover a Região Amazônica de estruturas de planejamento para dotá-la
de eficácia própria e governabilidade. Quase todas essas iniciativas foram
descontinuadas, e muitas delas sequer tiveram a consolidação dos planejamentos
que executaram. Tal situação tem sido recorrente no cenário regional, fato que
tem impedido o desenvolvimento vigoroso das instituições, deixando fragilizada
a governança local, bem como a continuidade de programas das quais somente o
tempo pode acarretar a necessária maturação e as consequências refletidamente
planejadas.
Segundo a ABC (2008) persistem desafios estruturais que continuam
clamando por atendimento:
Criação de novas universidades públicas, atendendo às mesorregiões
que possuem densidades populacionais que justifiquem tal investimento.
Criação de institutos científico-tecnológicos associados ao ensino
e pesquisa tecnológica, descentralizando a infraestrutura de C&T e
permitindo a articulação de uma rede de grande capilaridade.
Ampliação e fortalecimento da Pós-Graduação, expandindo de forma
expressiva a formação, a atração e a fixação de pessoal altamente qualificado
em C,T&I.
Fortalecimento das redes de informação na região, dotando-a de uma
rede com banda mínima de 2 Gbps.
Os reptos acima são a evidente causa das assimetrias entre Norte e
Sul no Brasil. Mas, antes de prosseguirmos, vejamos como vem ocorrendo o
investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) na América Latina.
Panorama do investimento na América Latina
A partir dos anos 1980 o investimento em ciência e tecnologia, na
maioria dos países do mundo desenvolvido, se tornou ainda mais intenso, ou
seja, um empreendimento planejado, estimulado e com resultados calculados. Na
América Latina houve também forte interesse em financiar pesquisas, resultando
no aumento do percentual do PIB investido em P&D, o chamado GERD (gross
domestic expenditure on R&D), acima de 100% entre 1997 e 2007. O Brasil
investiu 63,5% do GERD latino-americano, seguido pelo México, 15,3% e
Argentina, 5,8% (UNESCO, 2010). No caso brasileiro, o governo federal
constituiu os chamados Fundos Setoriais, os quais se tornaram ferramenta
capital para financiar pesquisas. Além disso, os governos estaduais estruturaram
seus sistemas de P&D, estabelecendo as Fundações de Amparo à Pesquisa
(FAP), que capturam recursos do Estado dirigindo-os às suas prioridades
científicas particulares. Tal arcabouço proporcionou melhora significativa na
qualidade da pesquisa produzida, além de gerar acréscimo e fixação de capital
humano de alta habilidade intelectual.
O efeito desse esforço foi a ampliação do número de pesquisadores
brasileiros, que passou de 64.002 em 2000 para 124.882 em 2007, correspondendo
atualmente a 1,7% do total mundial (UNESCO, 2010). Todavia essa somatória de
pesquisadores ainda está aquém das demandas e, quando comparada com países como
os Estados Unidos (cerca de 1.500.000; 25% do total mundial) e a China
(1.400.000, 19%), se mostra irrisória.
O acréscimo nos investimentos no sistema de ciência e tecnologia
(C&T) brasileiro é robusto: passamos de R$ 470 milhões em 1994 para R$ 1,3
bilhão em 2009 (UNESCO, 2010). Quando olhamos a América Latina, verificamos que
os países empreenderam esforços para melhorar o equilíbrio com o mundo chamado
desenvolvido. Malgrado os déficits educacional e social, tem-se atualmente a
percepção de que a saída para melhorar os países emergentes passa pela
estruturação de sistemas de C&T fortes, de modo a permitir a apropriação da
riqueza mineral e biológica em seu território e sua transformação por meio de
tecnologias autóctones. Esse desafio não prescinde de sistemas de universidades
de nível mundial, e, do mesmo modo, será necessário um sistema de investimentos
imunes às descontinuidades.
A participação do setor privado no financiamento do sistema de
P&D na América Latina ainda não é cultural. Os setores econômicos
necessitam de políticas de incentivo ao investimento, sem o que não será
admitida a incorporação de metas mais ambiciosas. O financiamento do sistema de
P&D nos países latino-americanos ainda é muito dependente dos recursos
governamentais (entre 40% e 60% no Brasil, México, Argentina e Chile), sendo
essa uma das razões do baixo número de solicitação de patentes, porém outro
pretexto é a insuficientíssima demanda por inovação por parte do setor produtivo,
que prefere importar tecnologias.
Formação de capital humano no Brasil
O cenário da formação de recursos humanos para pesquisa tem sido
construído com significativo esforço das esferas administrativas federal e
estadual, de forma que em alguns estados, o investimento local chega a ser
superior ao federal. Tal é o caso do Estado do Paraná, onde uma rede de
universidades estaduais foi implantada nas chamadas mesorregiões, causando
alterações estruturais e sociais de alta complexidade.
Importante
salientar que mesmo nas regiões brasileiras com menor índice de
desenvolvimento, tem havido investimentos na instalação de universidades
estatais. Recentemente, na Amazônia, foi implantada a primeira universidade
federal fora do eixo das capitais, na cidade de Santarém, Pará, cuja concepção
pedagógica deverá ser inovadora para os padrões locais e nacionais, trazendo
esperança ao preenchimento de lacunas educacionais e científicas que, ao longo
de décadas, têm fragilizado o sonho de desenvolvimento em áreas consideradas
remotas. Porém outras iniciativas têm buscado amenizar o déficit e as
assimetrias na aglutinação do capital humano nacional, tais como as redes de
pesquisa, cujo objetivo é agrupar massa crítica em áreas estratégicas,
possibilitando interação profissional, compartilhamento de equipamentos,
formação de pesquisadores, discussão de programas de pesquisas, respaldo às
políticas públicas, entre outras atividades.
De
acordo com o MCTI, os quantitativos de pesquisadores envolvidos no sistema de
C&T nacional até 2008 mostram 69.232 doutores e 85.910 mestres em tempo
integral nas instituições públicas e privadas. As titulações em nível de
doutoramento, em 2009, alcançaram o total de 11.368. O número de alunos
graduados no sistema universitário nacional foi de 826.928, no mesmo ano; por
meio de um algebrismo simples, observa-se que apenas 1,37% dos graduados buscam
doutoramento. Esse percentual, aliado à ausência de política para fixação de
doutores, em especial nas regiões de menor índice de desenvolvimento,
representa uma forte barreira ao progresso, já que existe uma relação direta
entre o PIB e o número de doutores. A sociedade parece não enxergar a pesquisa
como ferramenta para geração de riqueza, havendo defasagem entre o discurso
político nacional e a realidade. Estamos diante de um ciclo pernicioso que não
consentirá, no caso amazônico, o atendimento das prioridades içadas pela ABC. A
fixação de doutores ou profissionais de maior aptidão intelectual somente
ocorrerá se houver algum diferencial para atração. São necessários adicionais
aos salários ou recompensas, tais como possibilidades concretas de intercâmbio
científico, melhores condições de comunicabilidade, facilidades na importação
de insumos e material para pesquisa, entre outros.
Investimento
amazônico em P&D
Não
se poderia ponderar em dar oportunidade à Amazônia sem um olhar crítico ao
sistema universitário regional. Há centros de excelência nas várias
universidades federais amazônicas, mas os números da produção científica
indicam restar um longo e árduo caminho para a consolidação dessas instituições
como centros de análises e discussões das demandas desenvolvimentistas.
Segundo
o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -CNPq (Tabela
1), dos 68.748 autores nacionais que publicaram no período entre 2005 a 2008,
apenas 2.613 (3,8%) estão na Região Norte do Brasil.Dos 229.368 artigos
publicados por pesquisadores brasileiros em periódicos de circulação
internacional no período entre 2005 a 2008, apenas 6.396 (2,7%) vieram da
Região Norte, sendo a menor contribuição em termos regionais. É importante
evidenciar que a Região Norte publicou 7.502 artigos em revistas de circulação
nacional no mesmo período, todavia essa realidade não é alvissareira, pois
evidencia que, possivelmente, os níveis de generalizações nas informações
publicadas não atingem as exigências dos periódicos internacionais de alto
fator de impacto, sendo, por isso, publicadas preferencialmente em periódicos
de circulação regional. Há, porém, nesses resultados outras variáveis
importantes. Os números relativos à Região Norte refletem também o grande
esforço dos 2.863 doutores que estão formalmente nas instituições de pesquisa.
A quase totalidade dos doutores publicou 4.632 artigos por ano, o que perfaz
uma média de 1,6 artigo por pesquisador/ano. Comparando com a produção
científica da Região Sudeste, por exemplo (2,5 artigos/pesquisador/ano), a
média não está tão díspare, ou seja, nas condições atuais, o esforço de
publicação para o Norte do País está a satisfatório, não sendo de nenhum modo
desprezível. Resta ainda uma questão: quanto do conhecimento produzido está
sendo convertido em inovação? O Brasil, em 2009, obteve 148 concessões de
patentes junto ao escritório ao escritório norte-americano de patentes (USPTO),
enquanto a Coreia do Sul obteve 9.566 concessões. Os números indicam que o
conhecimento produzido pelos pesquisadores nacionais parece ainda distante da
demanda do setor produtivo, levando à indagação sobre o acerto dos
investimentos em C&T.
Considerando
que a ABC (2008) sugere como prioridade a “ampliação e fortalecimento da
Pós-Graduação, expandindo de forma expressiva a formação, atração e fixação de
pessoal altamente qualificado em C,T&I, torna-se condição sine qua non que
o sistema universitário regional assuma postura mais consentânea com o ambiente
acadêmico de nível mundial. Universidades passam a fazer jus a esse título
quando, necessariamente, estão lecionando sobre o conhecimento que produzem. O
paradoxo regional é que a produção do conhecimento local não é capaz de
comunicar alterações nas grades estruturais dos cursos acadêmicos e, nessas
circunstâncias, as universidades operam como refletores do conhecimento gerado
em outras partes do mundo, resultando em influência tangencial na realidade
local.
De
outro lado, o setor produtivo amazônico demanda mais inovação nas engenharias,
contrapondo-se ao cerne da produção científica regional voltado para biologia.
Resta decifrarmos a contradição que nos oprime: a Amazônia é uma região
considerada megadiversa, mas o setor produtivo regional não se desenvolve em
torno da biodiversidade, ou seja, ratificamos a indagação se estaríamos
aplicando corretamente os recursos disponíveis para P&D. Algumas variáveis
insistem na manutenção do status quo regional: i) inadequada distribuição
geográfica das competências regionais; ii) carência de infraestrutura de
C&T nas instituições; iii) investimento amazônico inadequado em P&D.
Esse cenário leva à baixa capilaridade de ação das Instituições de C&T na
Região, resultando em baixa formação de pesquisadores e de capital humano para
atuar em pesquisa, desenvolvimento e inovação. A consequência última dessa
cadeia de fatos é a reduzida produção, difusão e utilização do conhecimento e
de tecnologias que contribuam para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Apesar
de continuarem as assimetrias regionais, na última década tem havido interesse
por parte do governo federal em redefinir os percentuais destinados à atividade
de P&D nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Há uma determinação para
que 30% dos recursos de editais sejam destinados às referidas regiões, onde
estão concentrados 25% da massa crítica nacional para pesquisa. Isso tem
permitido ampliação na infraestrutura para grupos de pesquisa emergentes,
abrindo janelas para a produção científica e para o adensamento da massa
crítica.
Por
outro lado, os sistemas estaduais de C,T&I contam com fundamental apoio das
FAPs, aumentando a possibilidade para o desdobramento científico nos estados.
O
total geral das receitas dos estados da Amazônia, segundo os números do
Ministério da Fazenda para 2010, é em torno de R$ 14 trilhões. Se 1% desse
total fosse investido no sistema de C,T&I desses mesmos estados, os
recursos seriam da ordem de 145 bilhões de Reais, soma que daria para criar um
fundo regional de investimentos e para financiar sucessivamente programas de
pesquisas induzidos pela sociedade local. No caso específico da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), foram investidos entre 2003 e
2009 R$ 39.309.375,00, montante que corresponde a 0,6% da arrecadação estadual
em 2009 (FAPEAM, 2010). Ainda que as FAPs estejam ativas, os recursos para
permitir metas mais ambiciosas ainda são limitados. No entanto, se bem
entendido o papel estratégico das FAPs, poderá haver indução de pesquisas que
esquadrinhem soluções aos gargalos locais, ampliando espaços para parcerias
entre academias e o setor produtivo, um casamento que poderá trazer uma
prolífica sucessão de resultados importantes.
Bibliografia
ACADEMIA
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS .2008. Amazônia:
desafio brasileiro do século XXI/Academia Brasileira de Ciências. São
Paulo:Fundação Conrado Wessel, 32 p.
FAPEAM. 2008. Realtório de
atividades 2003-2008. www.fapeam.am.gov.br
UNESCO .2010. UNESCO SCIENCE REPORT. UNESCO
Publishing.
www.unesco.org/publishing
Claudio
Ruy Vasconcelos da Fonseca - Doutor em zoologia, Pesquisador Titular do INPA,
Professor da Universidade do Estado do Amazonas.